quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A “crise” do Teatro

Hélder Costa*

Na muito desde sempre falada “crise” do Teatro, esquece-se frequentemente que a CRISE, qualquer crise, é sempre um ponto de ruptura de uma falsa estabilidade.

Crise pressupõe que se vai operar qualquer modificação no status quo.

Crise é, portanto, fonte de movimento e nunca de estagnação.

Claro que nestas coisas do Teatro como em qualquer situação da vida, há a posição passiva e a activa; ou seja, há os que reagem e ensaiam soluções, e há os que aceitam porque “afinal, a coisa não está tão mal”, “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”, e outras frases chamadas de prudência e bom senso que nos têm conduzido a muitos becos sem saída.

O que se passou com o Teatro? Baixou o público? Sim, é verdade. E baixou em relação a todas as formas de espectáculo, excepto concertos de rock e outras manifestações colectivas que sublimam pela massificação a necessidade social de encontrar e fazer ou refazer grupos.

E o público também baixou por razões de ordem económica e porque prefere – precisamente porque a crise é mais geral, de valores, conceitos, de segurança, até de programação televisiva - , consumir tempo e dinheiro em restaurantes modestos ou de luxo, falando pela noite fora, rindo, divertindo- se e, evidentemente, discutindo a Crise.

Outro contributo muito importante para a Crise é a política oficial de Cultura (pelo menos, na Europa).

O teatro foi ficando asséptico, sem alma e sem cor, nos Teatros Nacionais e em algumas companhias transformadas em “templos” de produções caríssimas. O que implica, pelos temas e pelos preços, a exclusão de amplas camadas da população mais carenciada.

Diz – se que é para prestigiar o teatro. Claro que é falso. Do que se trata é de transformá–lo num arremedo premonitório da decadência da opera. Que também foi afastada da sua inicial vocação de espectáculo popular, convém não esquecer.

E agora vem o problema mais grave. É que os criadores teatrais também contribuíram para o afastamento do público. Porque acreditaram nessa promoção do teatro para “elevados espíritos”, ou porque recearam a campanha ideológica que combate as linhas do teatro popular em nome do “anti - maniqueísmo”. Que é , evidentemente, outra mistificação, porque não há nada mais maniqueísta do que o teatro do bom – senso e o habitual formalismo repetitivo e gratuito não tem a menor poética nem encanto estético.

E muitos não perceberam que o teatro popular é precisamente o oposto do populismo rasca tão adorado – dir-se-ia paradoxalmente - , por essa gente de “alto nível”.

E então, o que aconteceu ?

Em nome de experimentalismos e de pós – modernismos brotam falsos vanguardismos. Substituem-se histórias por textos díspares e inconsequentes, surgiu o culto sórdido da incomunicabilidade em vez da relação afectiva com o espectador, ressurgiram o vedetismo caduco e o artista da torre de marfim.

E como o público não tem nada a ver com isso, pratica a deserção das salas.

Claro que perante este panorama apetece perguntar:

Quem tem medo do teatro ?

Que pergunta ridícula, não é ? Ter medo do teatro, de uma peça, de uns actores que nos preenchem momentos de ócio?! Que absurdo!...

Mas...será que aqueles que têm medo de se verem retratados na praça pública gostam de teatro?

E os que pensam que o teatro só serve para fazer agitação política?

E os outros que lutam para que o teatro não tenha nada a ver com política? Como se isso fosse possível !!!

E os que têm horror ao humor e ao cómico que é impiedoso a descarnar situações, personagens e comportamentos ?

E os que fogem da emoção e das lágrimas ?

E os que se recusam a pensar e a olhar para o seu mundo ?

E os que não se querem ver nas más companhias dos artistas ?

E os que julgam que os artistas não passam de marginais e falhados sociais?

Gente infeliz, com certeza. Muita gente infeliz.

Tudo isto, e se calhar falta alguma coisa, são factores de crise. Mas o pessimismo é o sentimento mais reaccionário do mundo e eu continuo a acreditar no valor transformador das crises.

Porque o teatro é uma corrente de felicidade e de afectividade contra o egoísmo e o medo.

Luta por participar, comunicar, e por se entender entre si e os outros.

Sabe que pode desbloquear insegurança, que consegue abrir sentimentos e que transforma o acto poético em acto de vida.

Contra isso esbarram e são derrotados mil conceitos reaccionários: intrigas, invejas, discriminações sociais e económicas ( sim, estou a pensar nos subsídios do Estado), a cobardia dos lacaios de “quem está a mandar”, e a parolice dos admiradores incultos de vários modismos ( estéticos, éticos, políticos).

Quem não tem medo do teatro é quem ama a vida, quem aceita as suas contradições, e quem sabe que o mundo está em eterna transformação.

Pessoalmente, continuo a ter um gosto e convicções profundas em relação aos méritos do humor, do riso e do absurdo por vezes violento e pouco cómico, na exposição e desmontagem dos mecanismos que nos cercam nesta, parece que dolce vita, que nos dizem que temos.

É evidente que a minha experiência de contactos com vários níveis de classes sociais me ensinou que a minha função seria útil e bastante agradável, se conseguisse assumir-me como um “elo de comunicação” e não como o Mestre senhorial e intocável.

Porque fazia a troca de experiências, absorvia o saber do

“ Outro”, descobria contradições, fazia a síntese com os meus conhecimentos e algo de novo e melhor surgia; e , curiosamente, também da parte do “ Outro”( por vezes menos preparado intelectualmente), se operava esse esforço de encontro, de contradição e síntese.

Ou seja, este método ajudava a desenvolver o acto de cidadania liberto de individualismo e projecto unipessoal, transformando – se num exercício colectivo, aberto, e por isso mesmo, fonte de novas acções de cidadania.

Para terminar, sugiro um debate sobre uma questão bem actual : toda a vida lutámos contra a Censura do Salazar, e o que é curioso, é que se ela voltasse, podia autorizar cerca de 80% dos espectáculos que estão em cena!

Não será isso o verdadeiro factor de crise?

Se nos jornais da TV só vemos terror e pânico, com as guerras imperialistas e regionais, com as falências das prestigiadas multi-nacionais, com a instabilidade ambiental, com a corrupção Universal, com o renascimento do nazismo, é natural e logico ir ao teatro para adormecer e não sentir nenhum sobressalto de inteligência?
______________

* - Hélder Costa, autor, actor, encenador, director do Grupo de Teatro "A Barraca", inicia com este texto a sua colaboração no Estrolabio. Este é o texto de uma comunicação que apresentou no Congresso de Lusitanistas na Universidade de Santiago de Compostela. Saudamos e agradecemos a sua adesão ao nosso projecto.

5 comentários:

  1. Eu e minha mulher eramos jovens e gostavamos de teatro. Saíamos de casa em Algueirão, como não tinha carro íamos a pé até ao comnoio que nos levava ao Rossio. D. Maria, S. Luís, Trindade, Coliseu ou mesmo, tomando o Metro, até à Pr.Espanha ao Teatro Aberto. Fazíamos isto à noite. Voltávamos ao Rossio, tomávamos calmamente o comboio e da estação voltávamos tranquilamente a casa, a pé, onde estávamos pela 1 da madrugada.
    Deixou de ser possível. É inseguro o Rossio, o comboio, a noite. Os casais jovens, sem carro,preferem a casa e a televisão. Mais cómodo e económico. Façamos contas: 2 bilhetes, parque para o carro, 2 cafés no bar, combustível. A malta corta-se. Nas cidades de província é diferente. À Câmaras a apoiar grandes representações com bilhetes a 5 euros. Este é um dos aspectos. Os outros, de que fala no seu trabalho são importantes. Agora, por exemplo, está em moda a colagem de textos. É capaz de ser diferente, vivo, criativo, mas só a palavra "colagem" deixa-me desconfiado.
    Saudações pela sua entrada no "Estrolábio". É excelente tê-lo connosco.

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  2. Um grande abraço de boas-vindas, Hélder Costa. Faço votos para que se dê bem nesta sua casa. Entrou com o pé direito, com este texto tão forte e expressivo. Parabéns.

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  3. Grande, grande texto do Helder Costa. Com que raiva colocou o dedo em todas as feridas! Eu, também, fico muito contente por contarmos consigo no Estrolábio! E à despedida, apetece-me dizer: que saudades da Barraca da Alexandre Herculano.

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  4. António Gomes Marques4 de setembro de 2010 às 00:45

    Meu Amigo e Camarada de muitas lutas em muitos anos, sê bem-vindo.
    Ao ter-te convidado e tu teres aceitado fazer parte deste grupo, julgo ter dado o maior contributo ao «estrolabio» até ao momento.
    Espero que a nós se junte o José Peixoto e, juntos, vamos tentar prestar um serviço ao Teatro Português e ao Teatro em Portugal, para além de tratarmos de outras matérias no exercício da nossa cidadania.
    Abraço amigo do
    António

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  5. Maravilha tê-lo connosco.O teatro tem no estrolabio, um palco . Serviço Público!

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