segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Notas de cêntimo (10) - A verdade é insuportável

Carlos Mesquita

A situação da economia e das finanças deste país deve ser observada tendo em conta os desejos dos portugueses. Afinal o que querem os portugueses? Diz-se que os eleitores não sabem votar, elegem sempre um dos dois partidos do bloco central, a “falsa alternância”. Há razões para isso. Sabe-se que os portugueses que definem quem é o governo, são a média burguesia; que domina a comunicação social, a superstrutura e os sistemas intermédios de poder e influência. Esse sector da população, onde estão as chamadas corporações, absorveu todo o sindicalismo activo (a Intersindical foi fundada por 24 sindicatos, onde andam?) e contam para a defesa dos seus interesses, com todos os deputados da nação, todos os partidos do sistema. As nuances das várias tendências mais ou menos sociais-democratas que se digladiam na nossa vida política correspondem a opções conjunturais ou oportunistas. Para o governo vota-se no PS ou no PSD, nos outros partidos vota-se para lhes dar ou tirar a maioria, é a realidade sociopolítica do país. Nenhum partido para além dos do bloco central deu a entender que quer governar em alternativa ao PS e ao PSD; o CDS irá com qualquer um em situação de maior estabilidade económica, os de esquerda ficam a influenciar de fora, a crescer e a mingar conforme as conjunturas, pelo menos enquanto as linhas do Bloco de Esquerda que entendem dever ir para um governo de coligação forem minoritárias. Nesta realidade em que a média burguesia está representada em todo o espectro partidário é-lhes fácil puxar o baraço mais para a esquerda ou mais para o “mercado” conforme os seus interesses imediatos.

É significativa a variação das últimas sondagens onde após a subida em flecha do PSD, voltou a descer quando foi conhecida alguma da política restritiva que propõe. Os partidos estão nivelados e não é crível que algum tenha a maioria, a situação actual é conveniente no curto prazo, atrasa a implementação inevitável de medidas anti-populares. Por mais que digam que é preciso dizer a verdade aos portugueses sobre situação do país ela é insuportável. O presidente do BCE defendeu a suspensão dos direitos de voto dos países com défices excessivos, o FDP partido parceiro do governo de Angela Merkel diz que a Alemanha deve vetar ajudas a países como Portugal, o Estado português pagou 5,9% pela emissão dos últimos títulos de dívida; entretanto no primeiro semestre Portugal bate recorde europeu de venda de automóveis novos (+57,7%) e no mesmo período foram vendidos 3 milhões de telemóveis.

Entram de ajudas, diariamente, cerca de 60 milhões de euros, os portugueses sabem que mais tarde ou mais cedo vão ter de pagar as dívidas, mas enquanto o pau vai e vem folgam as costas. O Orçamento definirá a posição dos partidos, por agora anda-se a discutir minudências como as limitações das deduções fiscais. Toda a gente sabe que são necessários remédios que correspondam à desvalorização da moeda, falar em cortar a despesa sem definir onde e quanto é só conversa. Vamos assistir a uma guerra sem quartel entre cada sector da sociedade, tentando não ser abrangido pelas limitações e cortes orçamentais. No fundo, contar votos em vez de resolver os desequilíbrios.

2 comentários:

  1. Três milhões de telemóveis! As pessoas preferem não saber e encarar as coisas de frente. Entretanto há a boa notícia de o emprego entre os licenciados estar a crescer o que aponta para mudanças estruturais no tecido empresarial.

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  2. Só a esta hora venho ao Estrolabio pela 1ª vez, hoje. Nem de propósito andei toda a manhã com licenciados ao colo.Mais emprego de licenciados não quer dizer mudanças automáticas da estrutura do tecido empresarial. Há licenciados que só dão trabalho, têm emprego fora da área que estudaram, e nem conseguiram com os estudos a elasticidade mental necessária para se adaptarem a outras ocupações. Dou um exemplo, tenho como contacto numa grande empresa uma licenciada em línguas, só faz consultas ao mercado das artes gráficas, saberá vários idiomas, mas em 3 anos ainda não aprendeu nada da linguagem do métier; a cada breifing que recebo por e-mail, tenho de telefonar a pedir explicações, e o que ela faz é passar a chamada para alguém que sabe responder, estar lá uma licenciada ou uma menina do PBX é o mesmo. Outro, ainda este mês milhares de revistas foram para o lixo, porque numa secção de "doutores" que aprovaram o trabalho, a única que distingue uma página impar duma par estava de férias. Exagero? É o meu dia a dia.
    Licenciatura não é o mesmo que profissão.
    Depois, o desemprego mais complicado é entre a população com profissão que viram as empresas encerrar, por vezes todos os adultos da família, são esses que precisam do investimento público e privado. É a pensar neles que terá de ser visto o próximo Orçamento de Estado, nas vertentes do Investimento Público e dos Apoios Sociais.
    É o busílis das opções.

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