quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Novas Viagens na Minha Terra


Manuela Degerine

Capítulo CIX

Vigésima quinta etapa: de Brialhos a Padrón (continuação II)

Com o esforço da caminhada, começo a sentir calor; arrumo o blusão. Este blusão, a fruta, os tais pães pesados... Mais duas noites de sono insuficiente. Nunca me identifiquei tanto com o caracol.

Ontem voltei a lavar as peúgas que Sérgio me emprestou; antes de lhas devolver, tenho que as secar. Continuo portanto a trazer dois pares pendurados na mochila. Pode ser que hoje faça calor...

Vamos subindo por um caminho de terra, através de uma mata de pinheiros, perto de campos cultivados ou para cultivar. Chegamos a Santa Marinha de Carracedo, prosseguimos na direcção de Cortinhas. (Avistamos Victor, que descansa; ao longo da etapa havemos igualmente de alternar as ultrapassagens com três raparigas.)

Sucedem-se os prados verdes, os campos cultivados, as vinhas suspensas. Converso com outra senhora que andou a semear milho. (Deve ser a época propícia nesta região.) Explica que perdeu a prática do galego por os filhos e os netos, as irmãs e os sobrinhos falarem castelhano. Seguem-se os habituais espigueiros, vestígios de outra sociedade, quase todos agora incongruentes, por haverem permanecido, enquanto tudo o resto mudou; um ou outro ainda serve, por exemplo, para arrumar a lenha, contudo a maioria parece desempenhar um papel apenas estético: enfeita o pátio ou o quintal.

Atravessamos por cima da auto-estrada e, do outro lado, primeiro seguimos à beira de uma estrada, depois entramos num caminho florestal. (No início avistamos vertentes sem árvores – se fosse em Portugal, pensaria que houve um incêndio.)

Descemos a comprida encosta do monte Albor. Os carvalhos tornam-se frequentes e as giestas projectam amarelo em todas as direcções. Adivinhamos, no vale, à nossa direita, o rio Valga.

Sentamo-nos a descansar (no meio das giestas floridas) e saborear pão com passas numa clareira com um charco e dois bancos de granito. Passam caminhantes muito numerosos. Não admira: estamos a dia e meio de Santiago de Compostela. Um sítio magnífico onde, reparamos... outros passantes deixaram lixo! Cascas de banana, latas de bebidas, embalagens de bolachas ou chocolate... Enfureço-me e, como às vezes faço em Sintra, cuja degradação também me revolta – recolhemos os dejectos num saco.

Até agora não havíamos encontrado lixo. Duvido que os alemães do pão frito no azeite do peixe respeitem seja lá o que for – e talvez o conteúdo deste saco lhes pertença; no entanto quase todos os peregrinos de longo trajecto têm o cuidado de não poluir os espaços por onde passam. Aqui há também, pelo que vejo, aldeagantes de todas as variedades, a maioria sem mochila, alguns com óbvias dificuldades de locomoção, obesos colossais, mulheres de salto (quase) alto, famílias com avós e bebés, caminhantes que irão ou não a Santiago de Compostela. É evidente que, na quantidade e variedade, alguns não respeitam esta herança frágil e inestimável... Que devemos transmitir, o mais possível intacta, aos que – no tempo e neste espaço – nos vierem a suceder.

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