segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Novas Viagens na Minha Terra
Manuela Degerine
Capítulo CI
Vigésima quarta etapa: de Pontevedra a Brialhos
A minha união ibérica
Logo que acabam as festas, promessas e discursos, como a língua representa o instrumento de domínio mais poderoso, passa a educação a fazer-se em castelhano. Dizem-me: para haver igualdade de oportunidades – e, embora alguns velhos do Restelo resmunguem, não posso opor-me ao respeito dos meus direitos. A publicidade, as televisões, as empresas, o código da estrada, os tribunais, os hospitais têm agora uma língua de comunicação: o castelhano. A lei defende as línguas regionais mas o mercado segue outras regras; logo eu, se quiser arranjar emprego, tenho que falar castelhano. Se quiser ser publicada, escreverei em castelhano: o editor faz parte de um grupo ibérico, não se limitará ao mercado português.
Pensava viver numa língua com duzentos milhões de locutores, a língua das cantigas de amigo, do Fernão Mendes Pinto, do Eça, da Rosalía e do Pessoa, faço parte de uma minoria linguística – e mesmo de uma minoria do extremo ocidental da península, quase anfíbia e a cair para o mar. Arcaica. (O futuro fala espanhol, uma língua bela e evoluída: uma língua universal. O português não passa de um espanhol mal falado, não passa, no fim de contas, de um dialecto regional. Aparecem políticos, linguistas e historiadores que me expõem de A a Z as bases científicas desta verdade.)
Embora a teimosia não me valorize, continuo a falar português, todavia os meus filhos, se os tiver, frequentam a escola castelhana, respondem-me em castelhano; começo, aos poucos, sem alarme, a falar esta língua. Por outro lado, se teoricamente, desde que entrei na união ibérica, posso trabalhar em Madrid, na realidade vêm espanhóis de toda a península para Lisboa, preferidos pelas empresas que agora se instalam num contexto peninsular. Os vizinhos do prédio falam-me em castelhano: uns por ser a língua deles, outros por acharem elegante. (Fica bem falar castelhano: uma língua alegre e jovem. Toda a gente sabe isto.)
As oportunidades na sociedade peninsular são para quem domina a língua, os códigos e os círculos influentes; os portugueses foram os últimos a chegar, acedem a funções periféricas, subalternas ou marginais. O tráfico de droga. Os mercados paralelos. A mão-de-obra não comunitária. As imagens com prestígio, a criação, o poder, a beleza, o humor são naturalmente castelhanas. (Somos um povo pobre e triste: olha o fado.)
Rapidamente, sem notar, perco a prática do português, deixo-o invadir por castelhanismos, já não sei bem o que falo. O meu português faz fraca figura perante o castelhano. Como é que se dizia isso em português? Não, acho que não tínhamos palavras para dizer isto. “Gosto de ti” não tem graça, “amo-te” parece solene, começo a dizer: “Te quiero”. (Têm toda a razão: o castelhano é uma língua rica e expressiva.) Perdendo as palavras da minha língua, perco o meu modo de expressão mais vasto e profundo, muitas coisas só podiam ser ditas em português e, por conseguinte, daqui em diante, não poderei dizê-las; por outro lado, o meu castelhano rudimentar leva-me a pensar de modo rudimentar e a comunicar com gente que também não entra em subtilezas. Os meus filhos, que aprenderam na escola, falam melhor do que eu; e vêem-me, com frequência, humilhada. (Não há dúvida: os portugueses são estúpidos.)
Eis o princípio da minha união ibérica: quando chego à Virgem do Caminho já os meus filhos querem ser espanhóis.
Sim, é verdade, este povo que, através dos séculos, soube preservar a língua, a cultura e o orgulho galegos inspira-me respeito e admiração. E só me interrogo: como conseguiram?
Nesta época de civilização global, ousemos ser enfim grandes: construamos a União Europeia. Senão... Seguindo a lógica do poder económico, daqui a pouco estaremos todos... a falar chinês!
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Faz muito bem defender os seus conceitos e honrar tudo o que é castelhano e desejar-lhe o maior sucesso em terras de castela. Como democrático e amante do idioma " castelhano mal falado" prefiro mil vezes o velho de Restelo ao Dom Quixote. Ser português é só para quem tem coragem de viver enfrentando os desafios com honra e dignidade.Quem critica e desonra as suas origens näo tem futuro. Aconselho-o adquirir a nacionalidade espanhola e comprar um Andaluzia, o cavalo ideal contra as lutas dos seus gigantes. Quanto á uniäo Ibéria ela já existe á muito tempo no imaginário de todos aqueles que têem "vergonha" de serem portugueses.
ResponderEliminarNão respondemos a comentários de quem não se identifica. No entanto, achamos conveniente que se comente aquilo que se leu, o que não parece ter sido o caso. Nós orgulhamo-nos de ser frontalmente contra a chamada "união ibérica" - defendemos a independência da Catalunha, da Galiza, do País Basco e, naturalmente, a preservação da independência nacional. Temos vergonha de que haja portugueses aue se envergonhem de o ser. A autora ironiza sobre a prevalência do poder económico que nos pode levar a falar portunhol e até a falar chinês. Em suma, a pessoa que escreveu este comentário pensa muito como nós. Só discordamos numa coisa - usa um método de leitura rápida que o (a) leva a tresler. E não tenha vergonha das suas ideias - subscreva-as.
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