terça-feira, 28 de setembro de 2010

O meu poema azul

Adão Cruz




Não sei fazer uma rosa nem me interessa
não sei descer à cidade cantando
nem é grande a pena minha.
Não sei comer do prato dos outros nem quero
não sei parar o fluir dos dias e das noites
nem isso me apoquenta
não sei recriar o brilho do poema azul...
...e isso dá-me vontade de morrer.
Procuro para além das sílabas e dos versos
a voz poderosa mais vizinha do silêncio
o meu poema azul…
o suspiro de Outono onde a brisa se aninha
no breve silêncio do perfume do alecrim.
Lugar das palavras e dos versos
no caminho do teu rosto junto ao rio dos teus olhos
onde a vida se faz poema
e o mar se deita nos lençóis de luz do fim do dia.
Procuro para lá das sílabas e dos versos
encontrar meu barco à entrada do mar
onde repousa teu corpo entre algas e maresia
meu amor perdido num campo de violetas.
O meu poema é tudo isto
que me vive que me ilude que me prende
ao lugar azul que procuro dia e noite
por entre os versos do meu ser.
Mas o poema mais lindo da minha vida ainda não nasceu
não tem asas nem olhos nem sentimento
que o traga um dia o vento se vento houver.
Dizem que no cimo dos pinheiros ainda é primavera
mas tão alto não chego.
Mais à mão
molho a minha camisa primaveril
no regato cristalino
que vai correndo por entre os dedos
num solo de violino.
Porém
vestido de tempo sem espaço e de espaço sem tempo
tento fundir a neve com o calor da nudez
em versos que tecem mais tarde ou mais cedo
o mundo das sombras.
Não sei colher uma rosa
nem sei descer à cidade cantando
sou apenas aquele que ontem dormiu
sobre um poema azul
e das asas da ilusão se desprendeu.
Sou aquele que ontem se despia
nos braços do poema que vivia.
Sou aquele que ontem habitava em silêncio
o poema que acontecia.
Sou aquele que ontem sonhou… em vão…
com o poema azul de mais um dia.

(Ilustração de Adão Cruz)
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2 comentários:

  1. Que bom lê-lo outra vez! Eu já o li mutas vezes.

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  2. Obrigado Augusta. A última versâo é ligeiramente dferente. Enviar-to-ei um dia destes.

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