segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O orgasmo

Adão Cruz


Quando ele viu que o Jorge Sousa Braga dera ao seu primeiro livro o título: “De manhã vamos todos acordar com uma pérola no cu”… delirou! Por um lado, um prémio – partiu do princípio que seria uma pérola preciosa – uma espécie de óscar atribuído não a um mas a todos os actores, por outro lado, um prémio deposto no mais importante emunctório do organismo, isto é, no cu.

Ora, meteram-lhe, um dia, uma pastilha na boca e disseram-lhe que era Deus. Como se Deus coubesse na sua boca! Tiveram o cuidado e a elegância que o Jorge não teve, se bem que, entre as células do cu e as da boca, haja apenas ligeiras diferenças estruturais e funcionais, pequenas diferenças de fermentos e ácidos.

Como se Deus coubesse na sua boca! O mar, infinitamente mais pequeno do que Deus, não cabe em todas as bocas juntas! Também lhe disseram que ele era filho de Deus. Ou gozaram com ele ou pensaram que era paranóico. Como se Deus andasse para aí, à margem da santa madre, a fazer filhos como ele! Era preciso que fosse um Deus muito foleiro! Revelaram-lhe ainda que nascera de uma virgem, contrariando todas as leis da natureza. Um filho desnaturado!

E tudo porque Deus, pelos vistos, seu pai, ao criar a incomensurável empresa “Pénis e Companhia Lda.” para que todo o mundo crescesse e se multiplicasse, ou se enganou, ou se arrependeu, ou não acreditou no que fez. Disseram cada coisa na sua vida, que ele chegou a pensar que mandava nos pássaros, que era capaz de pôr as cobras de joelhos e que o céu era trigo limpo. Sendo ele filho de quem era! Chegaram ao desplante de o alcunhar de idealista!

Apesar de tudo, sempre foram para ele um tanto estranhas as atitudes de seu divino pai. Por exemplo, e reportando-nos ao último telejornal: Um comboio com milhões de pessoas entrou nas câmaras de gás e Deus, que estava lá – Deus está em toda a parte – fugiu, sabendo o que se passava! Morreram e morrem milhões de crianças às mãos da fome, e Deus, seu pai, atafulha as mesas dos que não têm fome. As guerras crescem como as moscas, multiplicam genocídeos, fazem correr rios de sangue ao sabor dos interesses dos que rezam a Deus, – Ele próprio morre aos pedaços -, e seu pai, com poderes para desligar a máquina, não o faz!

Milhões de mortos, despedaçados, estropiados, violentados! Porra! Eles até são seus irmãos! Os hospitais abarrotam de doentes, crianças doentes, e logo crianças!

Ainda noutro dia o seu celestial pai dissera alto e bom som:” deixem vir a mim os pequeninos.” Pensa ele que o pai se referia aos meninos ricos, porque os pobres são sempre os mesmos e ele nunca os vira em casa de seu pai: os das barracas, os famintos, os esfarrapados, os todo-cagados.

Quer dizer… o que está a dar é o investimento na miséria, uma espécie de “opa” do banco de urgência, o verdadeiro crescimento do produto marginal bruto. É por isso que as más línguas proclamam que ele é filho ilegítimo. Argumentam, dizendo que um pai que tanto faz sofrer os seus filhos, não existe! No meio de tudo isto, Deus, seu imposto pai, marimba-se pura e simplesmente! Ele até tem vergonha, nenhum filho gosta que o pai o atraiçoe!

E mais: Os que comem tudo e não deixam nada, os que fazem a fome para que lhes não falte a fartura, têm casas de ouro, férias para descansarem de não fazer nada, hospitais de luxo, seguros seguríssimos, o céu garantido aqui na terra e lá em cima nas primeiras filas que o Vaticano sempre lhes reservou, enquanto os outros vão para a vala comum, agora que o inferno faliu. O inferno lá de baixo, o das almas penadas, a acreditar no grito de sofrimento das vítimas da Inquisição e dos povos do terceiro mundo, imbuídos da fé e do Império que tanta e tanta felicidade lhes trouxe nestes místicos séculos, até parece que não era tão mau como o de cá. O diabo não é como o pintam!

Assim não pensam, ao que parece, os americanos e os amigos lacaios europeus, fervorosos comungadores de uma hóstia chamada dólar ou euro, especialmente os da linha da frente, coladinhos ao cu dos senhores da guerra na corrida para o buraco negro. Acham que os espoliados ainda têm pele, eventualmente utilizável para fazer tambores.

E a vida continua. No fim de contas, ele pensa que seu pai enlouqueceu ou perdeu a vergonha. E como se não bastasse, frente à TV – Esgoto faz-se de surpreendido com tudo o que vê, ele que é omnividente, omnisciente e omnipotente! E Deus optimiza as condições meteorológicas destruidoras, sob a forma de terramotos e tsunamis, dizendo que as torres de Babel e os dilúvios já não se usam, estão antiquados.

Fátima canta o Avé enquanto os peregrinos brandem o rosário, esfolam os joelhos, largam “o cascalho” nos cofres da igreja e o Vaticano faz as contas.

O futebol de cima ganha ao futebol de baixo, a estupidez invade a cidade como uma avalanche de merda, o homem espreme o claxon com mais tesão do que as mamas da mulher, e a mulher do homem agarra o pau da bandeira, esquecendo-se, à noite, que é apenas um pau.

O orgasmo do país… orgasmo de bolas… balões…e bolorenta metafísica.

Ora bolas!

 (ilustração de Adão Cruz)

7 comentários:

  1. Chegar a casa e ler isto fez valer o dia! Comecei por me rir às gargalhadas, a minha filha veio ver que sandice me tinha dado...Acabando por ficar meia deprimida. Por causa da bolorenta metafísica! Mas é uma delícia de bem esgalhado. Obrigada

    ResponderEliminar
  2. Obrigado Clara, pelo que dizes e por teres o nome da minha netinha

    ResponderEliminar
  3. A mim também me aconteceu isso, Clara: commecei a rir-me às gargalhadas e, depois, fui ficando calada. Por isso é que eu disse Pronto..., como se faz aos meninos que estão muito agitados :))

    ResponderEliminar
  4. e por conta do orgasmo lembrei-me de um texto meu antigo, antigo:

    mas e o fim começou na sé? qual fim? qual sé?
    - trocadilhos da mente que as vezes se escapam

    Na Sé foram as nossas juras de amor
    Debaixo da cruz entreguei-me
    fazendo jus ao pecado
    Abri as pernas e tu choravas
    a dor que se adivinhava
    despi meus seios
    semeei meu leite na tua boca
    feito a Virgem Maria.
    Na Sé foi o fim do amor
    desencontrado no acto
    Enquanto te vinhas eu gritava: PARTO!

    A viúva chorava a morte tardia do marido embuchado
    O cego cantava numa ladainha riscada:
    -Senhora dá-me teu leite que também tenho sede

    E o orgasmo? O que é feito dele?
    Miragem do passado. PARTO

    - mas e o fim começou na sé? qual fim? qual sé?
    - trocadilhos da mente que as vezes se escapam



    Adão, surpreendes sempre.

    ResponderEliminar
  5. Ethel, isto não deveria ter ficado em comentário.... Gostei muito e tem a vr com o texto do dão.

    ResponderEliminar