Carlos Mesquita
Por qualquer razão cabalística pediu-se que indiquemos dez livros que deviam ser conservados, não são onze, sete ou dezanove, são dez. Talvez porque dez são as emanações divinas, dez são os mandamentos ditados para as tábuas de Abraão, dez por cento é o limite para entender por cá, que o desemprego é preocupante.
Há várias formas de apresentar o “trabalho”, uma é escolher entre as milhentas listas alguns incontestáveis, Guerra e Paz, Ulisses, O Processo, os Cem Anos de Solidão, etc. outra maneira é pensar naqueles que foram mais importantes na nossa formação, e possamos num acto louco designar para fazer clones culturais de nós próprios. Nem as coisas são assim nem acredito que alguém saiba quais os livros que os influenciaram decisivamente; a não ser os adeptos do livro único, como a Bíblia, o Corão ou os livros vermelhos de Mao Tsé-Tung e do Vital Moreira.
Venho dum meio que lê. Na minha adolescência havia uma excelente biblioteca pública na colectividade (ainda há) e um irmão oito anos mais velho que comprava livros para casa; também era o tempo dos livros de bolso, Europa-América, Unibolso, RTP, (não me lembro agora doutras colecções) que editaram quase todos os “recomendáveis”. Depois do bicho introduzido continua-se a comprar, a consumir, são centenas; não me peçam para fazer uma escolha, porque não sei. Alguns releio outros já li há muito. Houve tempo em que lia aos trambolhões, lembro-me do meu irmão dizer aos meus pais que eu andava a ler livros que não eram para a minha idade, nunca soube se era por causa da Madame Bovary, ou O Crime do Padre Mouret se pelos autores como Vítor Hugo, Kafka ou Nietzsche.
A verdade é que li primeiro o Principe de Maquiavel do que O Principezinho de Saint Exupery, ou dentro do mesmo autor também li antes O Mar Morto de Jorge Amado que os Capitães da Areia, A Festa de Hemingway antes do Por Quem os Sinos Dobram, ou As Mãos Sujas antes de O Ser e o Nada, de Sartre. Um parêntesis só para dizer que “aqui atrasado” quando andou no Estrolábio uma discussão metafísica do Ser, a existência e a essência da natureza humana, estive para prescrever umas doses de Sartre, não o fiz porque me pareceu pretensioso.
Há livros que sei que me foram importantes na altura em que os li, como o Germinal de Zola, os Gaibéus de Redol, ou A Lã e a Neve de Ferreira de Castro, e depois Os Dez Dias Que Abalaram o Mundo, e Gramsci e Rosa Luxemburgo e Ruben Fonseca e, e…e escolhendo os Cem Anos de Solidão o que se faz a O Amor nos Tempos de Cólera, e Saramago no Ensaio Sobre a Cegueira, não toca mais toda a gente que no Memorial do Convento?
O que é importante da leitura é o que reservamos no cérebro depois de ruminarmos todos os livros, e isso não conhecemos, não está na memória imediata. Encontrei um artigo meu onde citava Raymond Chandler, um escritor “policial”, autor de “À Beira do Abismo”, passado a argumento de cinema (Hanks, Bogart, Bacall) pelo Nobel, William Faulkner; dizia a citação dum seu personagem julgo que da Dama do Lago, que “na polícia e na política deviam estar os melhores de nós, mas nem a polícia nem a política têm atractivos para os melhores de nós”. Para a matéria deu-me mais jeito que qualquer Fernando Pessoa.
Bom, perguntarão vocês, se este tipo não quer apresentar dez títulos de livros, o que veio aqui fazer? E eu respondo, vim só dizer que não contem comigo.
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segunda-feira, 20 de setembro de 2010
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bem contado, sim senhor!Ainda me lembro da malta no liceu a armar ao intelectual com "OS Dados estão lançados" do Jean-Paul Sartre debaixo do braço para impressionar as miúdas.Ou era " As Mãos sujas?
ResponderEliminarMuito boa introdução Carlos Mesquita para o que não chegou a ser introduzido. E não chegou pelas muito boas e compreensíveis razões aqui expostas. No decorrer do texto, damo-nos conta que, em termos de literatura, fomos percorrendo durante a vida, mais ou menos os mesmos caminhos. Com uma diferença aqui e ali, não deixamos de ler todas estas pérolas que, quer queirqmos quer não, foram pedras dos nossos alicerces. Um abraço
ResponderEliminarKaríssimo Karlos:
ResponderEliminarSabes que não sou de elogios fáceis. Porém desta vez tiro-te o chapéu, não por me teres tirado algumas palavras da boca, mas porque tens toda a razão - o livros mais importantes são os que mais tenham contribuído para a nossa formação (o José Brandão já fizera a abordagem neste sentido). Muito bom o teu depoimento e trazando aqui, à nossa pequena ribalta, nomes que não é costume ser referidos nestes contextos - o de Raymond Chandler, por exemplo. O Dashiel Hammet também merece. Mas não esqueceste o grande Rubem Fonseca - que, para mim, está entre os melhores escritores brasileiros de sempre. Enfim, parece que temos muitas leituras comuns e, talvez, por me ter reconhecido em muitas das tuas afirmações, gostei muito do teu texto e não podia deixar de o vir dizer.
Grande apresentação! É mesmo do Mesquita que eu conheço. Olha, Luís, com este é que eu não podia ir para a ilha deserta porque ainda devia de levar mais livros do que eu e não cabíamos lá os dois com a bagagem toda :) Agora, vou dizer uma heresia para os saramaguistas: o "Ensaio Sobre a Cegueira" foi um livro de que não gostei. Sou um bocado avessa a metáforas violentas, como já de viu. Quem sou eu para dizer isto, mas envolta em tanta cegueira e em tanta ... depois deu-me um insuportável sufoco. Ainda me falta ler bastantes livros do Saramago, mas "Memorial o Comvento" e o "Ano da Morte de Ricardo Reis" acho que vão ficar sempre nos meus tops.Um beijinho Carlitos :)
ResponderEliminarCara Augusta, eu perante o que vejo de vocês no que diz respeito à leitura, se fosse para uma ilha deserta além dos livros teria que levar uma prancha de surf.
ResponderEliminarAugusta sou tua companheira nesse não gostar do Ensaio sobre a Cegueira. Este livro irritou-me mesmo muito e tive sempre a sensação de saber em atencipado o paragrafo seguinte, tal foi a forma como o senti óbvio. Desculpem-me a heresia. Nunca me atrevi antes a confessar o que agora acabo de escrever. Gotei do Memorial do Convento.
ResponderEliminarQuanto ao Mesquita: Bravo!
Ontem enviei os meus livros, também neste sentido - os que me marcaram antes dos 20 anos. Não introduzi nenhum policial, apesar de os ter lido às carradas, mas eu era mais Simenon. Acho que os outros me influenciaram mais. Hão-de aparecer por aqui um dia destes...
ResponderEliminarEstive off várias horas porque mudei de computador. Luís, eu não quero ir para uma ilha deserta. Mas, se fosse, a ilha ia ao fundo porque os lilivros que ainda não li são imensamente mais do que os que já. Pois é, Ethel, eu já tinha dito a várias pessoas que não tinha gostado. Em público é que ainda não.
ResponderEliminarQue inveja tenho da vossa disponibilidade, só agora cheguei da labuta.
ResponderEliminarObrigado, e desculpem, que foi sem intenção.
Obrigado Carlos por corrigires o nome do Rubem (com eme), escrevi bem o nome do alemão que soa a espirro e enganei-me neste não sei porquê, está mais presente.
Hammet, O Falcão de Malta, Sam Spade o seu Philip Marlowe, (acho que também deu um filme, não me lembro bem) romance negro do melhor, que tem injustamente passado por literatura menor. Mereciam um espaço aqui - não, não me ofereço para o fazer.
O Rubem Fonseca também tem um conto chamado Romance Negro, editado com mais meia dúzia. Eu tenho a sorte (agora é a minha vez de fazer inveja) de ter um calhamaço com "Os Contos Reunidos" do grande escritor brasileiro. Penso que não há cá, mas pode-se mandar vir do Brasil.
Aquele abraço, gente.
Eu aprendi a ler com O Primeiro de Janeiro que o meu pai levava lá para casa e com uma novela do mesmo jornal que se chamava "O Coração de Julieta" aos quadradinhos. Li o Sandokan, o Pirata Vermelho e O Pirata Negro da Emílio Salgari e tudo o que me aparecia do FBI (livros, nada de polícias) e da coleção Bisonte. Grandes livros de aventuras.Uma vez fiquei de castigo na Livraria móvel da Gulbenkian porque quiz um livro que era para maiores de 16 anos e eu só tinha 15. Eça,(não me lembro do nome do livro mas sei qual é...)
ResponderEliminarMas eu também tenho um livro grande de contos do Rubem que comprei cá. Não sei se são todos e ainda não os li. Quanto à inveja da nossa disponibilidade, não a devias ter. Sabes o que é que isso quer dizer, não sabes? És um jovem. Ah, mas eu só sou um bocadinho menos.
ResponderEliminarO Estrolabio, às vezes, também faz das suas: tinha aqui um comentário enorme e...glup! Estava eu a dizer que, mal tinha aprendido a ler, sentava-me com um jornal maior do que eu, já não sei qual, a ler as notícias sobre Berlim dividida em duas, com umas fotografias que mostravam pessoas presas nos rolos de arame farpado (o muro só veio mais tarde). O regime adorava mostrar aquelas tentativas de fuga para o Ocidente e, depois, lá vinha Fátima e o 13 de Maio.
ResponderEliminarEssa era a foto do jovem soldado que estava de guarda e acabou por fugir ele mesmo.E os livros de aventuras (o meu pai chamava-lhe bonecos, porque queria que eu lesse mas era os livros da escola...) como Roy Rogeres e o seu cavalo "Silver" e o "Mascarilha", e os Três Mosqueteiros"...os livros abriam os pobres horizontes em Castelo Branco, naquele tempo, só descobri que andava a ser enganado quando vinha de férias para a praia de Aveiro onde namorava com as francesinhas que vinham para cá apanhar sol...
ResponderEliminarLi as vossas intervenções, que acho muito boas. Gostei imenso de ver as referências ao Chandler, pelo Carlos Mesquita e pelo Carlos Loures. E do Luís Moreira, ao Emílio Salgari. Permitam-me que acrescente A Balada do Mar Salgado, do Hugo Pratt. Grande literatura em quadradinhos, na minha modesta opinião.
ResponderEliminarJoão, estou contigo: todos os Corto Maltese. Eu até nem sou propriamente leitora de BD mas do Corto sim. E "A Balada"...
ResponderEliminarEntão e ninguém gosta do Manuel Vázquez Montalbán? "Os pássaros de Banguecoque", "Os Mares do Sul" e esse magnífico "Milénio, I.Rumo a Cabul e II.Nos Antípodas". Só não o pus na lista porque é já deste século.
O Manuel Vázquez Montalbán e o Pepe Carvalho - há muitos admiradores dele, sim - olha, se o Gomes Marques não estivesse ocupado com a sua Comunicação ao Congresso de Teatro, já teria aparecido aí com um elogio ao Vázquez Montalbán. Eu também li tudo dele - inclusivamente a não ficção. "Os mares do Sul" são, na minha opinião, o seu melhor livro. Mas há quem não goste - olha o nosso colega de blogue, o Josep, numa conversa de almoço em Barcelona, disse-me não ser grande apreciador deste seu conterrâneo. Ó Augusta, então o Manolo que bateu a bota em 2003 é deste século? E o Saramago não era porquê? Para mim o Vázquez Montalbán é um grande escritor do século XX - a sua principal obra é do século passado.
ResponderEliminarÓ Carlos, mas a iniciativa era "Os Livros do Século XX". Como tu sabes, esta foi a última obra dele e, em Espanha, segundo a ASA, os dois volumes foram publicados respectivamente em 2004 e 2005. Eu sei que estas mudanças de século dão sempre problemas. Eu, ainda, só mudei uma vez, mas disseram-me.
ResponderEliminarE leste o "Galíndez"? Personagem que o Vargas Llosa refere em "A Festa do Chibo".
ResponderEliminarClaro que li o «Galindez». Não há muitos livros do Vázquez Montalbán que eu não tenha lido. «Os Mares do Sul» a última obra dele? Nem pensar. É uma das primeiras, foi prémio Planeta de 1979 - Antes desse, há o «Tatuaje», que é também uma maravilha. É um autor do século XX. Os três anos que viveu no XXI nem foram muito produtivos - muitos congressos, palestras... Olha, esta conversa, vai levar-me a escrever um post sobre o Manolo e o Pepe Carvalho.
ResponderEliminarEstava-me a referir era ao "Milénio".Ora lê lá os meus posts aí atrás.
ResponderEliminarPois foi. Dizes que não pudeste põr o «Milénio» porque já foi escrito e editado já no século XXI e eu pensei que estavas a falar de «Os Mares do Sul». Outro grande romance dele, que aqui não foi referido, é o «Crime no Comité Central». Sei bem que é uma heresia, mas a leitura dos livros de Manuel Vázquez Montálban, deu-me mais prazer do que, por exemplo, a leitura do "Ulisses" de Joyce (que li e já reli). Há leituras que fazemos porque impomos a nós próprios fazê-las - e não me arrependo de me ter obrigado a isso; mas estava a falar de prazer. A diferença entre um medicamento indispensável e um bom uísque de malte...
ResponderEliminarCarlos,tenho qualquer um desses para ler. Para o "Ulisses" tenho andado a ganhar fôlego. Nunca o deixarei por ler. Mas vou, de certeza, primeiro ao "Crime no Comité Central" e a outros Montalbán que tenho por ali.
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