sábado, 11 de setembro de 2010

Víctor Jara

Carlos Loures


Todos ouviram já falar do cantautor Víctor Jara. Até existe em Portugal um agrupamento chamado Brigada Víctor Jara. Alguns devem saber que era chileno. Outros, indo um pouco mais longe no conhecimento sobre este grande cantor, saberão que foi assassinado nos primeiros dias da feroz repressão que se seguiu ao golpe de estado de Pinochet. Vou hoje falar sobre esse homem que se transformou num dos símbolos da heróica resistência chilena à ditadura militar.

Víctor Jara Martínez nasceu em Chillán, uma localidade da província de Ñuble, na região de Biobio, 400 km a sul da capital, Santiago, em 28 de Setembro de 1932, filho de modestos camponeses. Seu pai, Manuel Jara, trabalhava a terra e sua mãe, Amanda, era uma mulher corajosa e inteligente – cantora e tocadora de viola, oriunda do sul do país e de origem mapuche, possuía um grande conhecimento sobre a cultura popular chilena. Com a população da aldeia reunida em torno de uma fogueira, cantava para os aldeãos, trabalhadores rurais, suas mulheres e filhos.

Víctor recordava como sua mãe cantava e como se deitava escutando a sua voz e olhando as estrelas no céu imenso. Esta influência materna ditou, por certo, o futuro do jovem, pois trabalhando desde os seis anos no campo, ajudando seu pai, nos fins-de-semana acompanhava sua mãe, actuando em casamentos, baptizados, velórios. Apesar destas actividades, estudava e sempre foi bom estudante.
Víctor tinha quatro irmãos – María, Georgina (Coca), Eduardo (Lalo) e, o mais pequeno, Roberto. Devido a um acidente sofrido por María, a família foi morar para Santiago, em busca de melhores condições. Víctor e seu irmão Lalo foram matriculados no Liceu Ruíz-Table. Ambos obtiveram bons resultados nos estudos.
Entretanto, com a sua viola e a sua voz, Amanda ia permitindo que a família Jara sobrevivesse e até progredisse economicamente. Ao fim de algum tempo, os Jara mudaram-se para o bairro «Chicago Chico», onde Víctor se relaciona com outros jovens próximos do Partido Democrata Cristão. Conhece Omar Pulgar. Em 1950, subitamente, Amanda morreu e os problemas recomeçaram.

Mudaram-se para Población Nogales onde Víctor reencontrou os irmãos Julio e Humberto Morgado, seus colegas do Liceu Ruíz-Table. A família Morgado acolheu Víctor que, abandonou temporariamente os estudos para ajudar Pedro Morgado, o chefe da família, no seu negócio. Foi então que o padre Rodríguez aconselhou Víctor a entrar no Seminário da Congregação dos Redentoristas, em San Bernardo. Conselho que Víctor acatou.

«Foi, para mim, uma decisão muito importante», dirá mais tarde, «Estava já envolvido com a Igreja e, naquele momento, procurei refúgio no seu seio». Porém, dois anos mais tarde, apercebendo-se da sua falta de vocação para o sacerdócio, abandonaria o seminário. Foi prestar serviço militar.

Em 1953, ingressou no grupo coral da Universidade do Chile, participando no Carmina Burana, de Carl Orff. Começou a estudar arte dramática e direcção de actores na Escola de Teatro de Universidade do Chile. Fez parte do grupo de canto e dança popular «Cuncumén». Aí travou conhecimento com Violeta Parra, a grande folclorista chilena (1917-1967), que o incitou a prosseguir a carreira de músico.
Em 1959 encenou a sua primeira obra teatral. Entre as muitas peças que dirigiu, encontra-se a «Mandrágora» de Maquiavel. Com o grupo musical «Cuncumén», fez uma grande digressão pela Europa – Holanda, França, União Soviética e outros países de Leste.

Em 1961 compôs a sua primeira canção - «Paloma, quiero cantarte». Em 1966 gravou o seu primeiro LP. Começou a ser conhecido fora do Chile como cantor de intervenção. Em 1969, com a canção «Plegaria a un labrador», que aqui se reproduz na interpretação de Jara, venceu o I Festival da Nova Canção Chilena. Em 1970, envolveu-se activamente na campanha para a eleição de Salvador Allende.

Em 1971, nomeado embaixador cultural do Governo de Unidade Popular, trabalhou com o Ballet Nacional do Chile e colaborou no Departamento de Comunicações da Universidade Técnica do Estado. Continuou a editar discos e a sua fama cresceu, dentro e fora do Chile. Entre 1972 e 1973, trabalhou como compositor na Televisão Nacional. Fez uma nova digressão, agora por Cuba e pela União Soviética. Quando, em 1971, Pablo Neruda ganhou o Prémio Nobel da Literatura, Víctor Jara dirigiu a Homenagem nacional que prestada ao grande escritor. Como podemos ver, uma carreira brilhante. Até que chegou o dia 11 de Setembro de 1973…

O golpe de Estado de Augusto Pinochet, surpreendeu Víctor na universidade. Com outros professores e alunos, foi preso e levado para o Estadio Chile, transformado em campo de concentração. Membro do Partido Comunista do Chile, os seus versos contra a injustiça social são conhecidos pelos assassinos. Há muitas versões sobre as torturas a que foi sujeito. Cortaram-lhe as mãos (ter-lhe-ão dito, depois de o mutilarem: «Toca agora, filho da puta!»). No dia 16, após cinco dias de martírio, mataram-no. O fascismo sempre se sentiu ultrajado pela cultura. Porque será?

Aqui deixo o poema que escreveu nos primeiros dias de cativeiro e que alguns companheiros conseguiram preservar (não sei a quem se deve a tradução):

Somos cinco mil
nesta pequena parte da cidade.
Somos cinco mil,
quantos seremos no total,
nas cidades e em todo o país?
Só aqui dez mil mãos que semeiam
e fazem andar as fábricas.

Quanta humanidade,
com fome, frio, pânico, dor
pressão moral, terror e loucura!

Seis de nós se perderam
no espaço das estrelas.

Um morto, um espancado como jamais imaginei
que se pudesse espancar um ser humano.
Os outros quatro quiseram livrar-se de todos os temores
um saltando no vazio,
outro batendo a cabeça contra a parede,
mas todos com o olhar fixo da morte.

Que espanto causa o rosto do fascismo!
Levam a cabo os seus planos com precisão fantástica,
sem que nada lhes importe.
O sangue, para eles, são medalhas.
A matança é acto de heroísmo.
É este o mundo que criaste, meu Deus?
Para isso os teus sete dias de assombro e trabalho?
Nestas quatro muralhas só existe um número
que não cresce
e que lentamente quererá mais a morte.

Mas prontamente me golpeia a consciência
e vejo esta maré sem pulsar,
mas com o pulsar das máquinas
e os militares mostrando seu rosto de matrona,
cheio de doçura.

E o México, Cuba e o mundo?
Que gritem esta ignomínia!
Somos dez mil mãos a menos
que não produzem.
Quantos somos em toda a pátria?

O sangue do companheiro Presidente
golpeia mais forte que bombas e metralhas.
Assim o nosso punho golpeará novamente.


Como me sai mal o canto
quando tenho que cantar o espanto!
Espanto como o que vivo
como o que morro, espanto.
De ver-me entre tantos e tantos
momentos do infinito
em que o silêncio e o grito
são as metas deste canto.
O que vejo nunca vi,
O que tenho sentido e o que sinto
Fará brotar o momento...”

A música para este poema de Pablo Neruda - «Poema 15», «Me gustas cuando callas» - foi escrita por Víctor Jara, que interpreta também a composição.

1 comentário:

  1. Jara e Neruda, tanto nos deram de força, emoção e amor. No pós-25 de Abril não os conhecer era analfabetismo. Tocar os LP ou ler os poemas eram horas plenas. Descobrindo vozes de luta contra a injustiça mas também a favor do amor e felicidade.

    De Jara ainda fico com pele-de-galinha a ouvir "Te Recuerdo Amanda".
    ( http://www.youtube.com/watch?v=GRmre8ggkcY )

    Tantos tocou que muitos o têm "Presente, Agora e Sempre".

    Victor Jara
    words by Adrian Mitchell, music by Arlo Guthrie

    Victor Jara of Chile
    Lived like a shooting star
    He fought for the people of Chile
    With his songs and his guitar
    His hands were gentle, his hands were strong

    Victor Jara was a peasant
    He worked from a few years old
    He sat upon his father's plow
    And watched the earth unfold
    His hands were gentle, his hands were strong

    Now when the neighbors had a wedding
    Or one of their children died
    His mother sang all night for them
    With Victor by her side
    His hands were gentle, his hands were strong

    He grew up to be a fighter
    Against the people's wrongs
    He listened to their grief and joy
    And turned them into songs
    His hands were gentle, his hands were strong

    He sang about the copper miners
    And those who worked the land
    He sang about the factory workers
    And they knew he was their man
    His hands were gentle, his hands were strong

    He campaigned for Allende
    Working night and day
    He sang "Take hold of your brothers hand
    You know the future begins today"
    His hands were gentle, his hands were strong

    Then the generals seized Chile
    They arrested Victor then
    They caged him in a stadium
    With five-thousand frightened men
    His hands were gentle, his hands were strong

    Victor stood in the stadium
    His voice was brave and strong
    And he sang for his fellow prisoners
    Till the guards cut short his song
    His hands were gentle, his hands were strong

    They broke the bones in both his hands
    They beat him on the head
    They tore him with electric shocks
    And then they shot him dead
    His hands were gentle, his hands were strong

    Repeat first verse

    ©1977, 1990 by by Adrian Mitchell & Arlo Guthrie
    All Rights Reserved.

    ResponderEliminar