sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Coisas Breves. Orçamento familiar.

Carlos Mesquita

O Luís chegou a casa agitado. Marta, a sua mulher, recebeu-o notando o desassossego. Ela nada disse, ficou a vê-lo enquanto ele poisava as chaves do carro, esvaziava as algibeiras e deitava um olhar ao interior do maço de tabaco. Já só tenho dois cigarros, e é o segundo maço hoje…não dizes nada Marta? Estranhou o Luís levantando os olhos para ela sem mexer a cabeça. Não! Ou melhor, percebi logo na entrada que te exaltaste no serviço, e queres que puxe conversa para desabafares. Fez-se silêncio, Marta saboreou o efeito, e depois fechou, – e sabes que detesto esse vício do fumo.

Martinha, disse o Luís mais equilibrado, não fui só eu a fumar naquele átrio dos elevadores, todo o escritório parou por lá. Nesse caso, Luís, se te ajudaram a queimar os cigarros pouparam-te a saúde. Não é nada disso Marta, eu fumei os meus cigarros; o que se passa é que andam todos preocupados com as medidas de austeridade, ninguém sabe o que deve fazer, estivemos a discutir o assunto. E concluíram alguma coisa? Bom, falam em fazer um orçamento familiar, aquela gente não é para lutas. E tu Luís o que achas? Também sou a favor do orçamento familiar, mas para tramar o governo e o Passos Coelho e todos os que querem mexer no nosso dinheirinho; olha Marta, chama o rapaz que já tem idade para participar e vamos fazer um orçamento. O Huguinho não pode vir, está a copiar um trabalho que encontrou na Internet para uma das suas disciplinas, eu depois dou um toque para não se ver que é brasileiro.

Está bem Marta, os estudos estão primeiro, o Huguinho é um vivaço, vai ter muito sucesso.

A minha ideia, Marta, parte deste princípio; para o ano tudo vai ser mais caro, portanto temos de comprar este ano para poupar, começamos por comprar novos automóveis. Ó Luís, mas ainda em Junho trocámos de carros. Marta, isso foi porque o IVA ia subir para 21% em Julho, ora em 2011 vai subir para 23%, ainda poupamos mais. E electrodomésticos o que faz falta? Nada. Então Martinha, não era bom ter um frigorífico “no frost” maior, uma máquina de lavar mais silenciosa, o tal fogão italiano, o centro da cozinha em mármore? Para isso tinha de se fazer obras, Luís. Fazem-se! Temos de fazer também uma lista de novas mobílias que esta decoração já cansa. E para o Huguinho, Luís? Ao rapaz não se deve negar nada, não ouves dizer que serão as novas gerações a pagar as dívidas de hoje? Tudo o que pedir tem. Amanhã continuamos a fazer a lista, vai pensando. Espera aí Luís, e como vamos pagar todas as compras do orçamento? A crédito claro, para isso fazemos uma segunda lista, somamos o plafond de crédito das nossas contas bancárias, mais os cartões e a Cofifaz e o Banco Diz e o Banco Menos que ainda hoje me mandou um “sms” com crédito aprovado que não pedi, etc. não te preocupes. O valor das parcelas das dívidas e do crédito dando o mesmo, temos o orçamento aprovado. Mas… e os empréstimos não é preciso pagá-los, e os juros? Ó Marta é com essas teorias que nos inventam a austeridade, mas para ficares descansada marcamos já uma reunião com a DECO para renegociar a divida daqui a seis meses, isto se as coisas correrem para o torto. Entretanto podemos comprar um cruzeiro de circum-navegação que por cá o ambiente não deve ser grande coisa.

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