domingo, 31 de outubro de 2010

Encher a barriga à sexta-feira

Augusta Clara de Matos

Há coisas que, mau grado as boas intenções que pressupõem, me arrepiam.

Estava a assistir ao programa “Plano Inclinado” da SIC Notícias sem dar grande atenção ao discurso, praticamente só com um ouvido, quando, de súbito, o que se dizia me feriu o tímpano que estava virado para aquele lado.

O Provedor da Santa Casa da Misericórdia dizia que, às sextas e às segundas feiras, as crianças abrangidas pelos serviços desta instituição tinham uma alimentação reforçada devido ao intervalo de tempo que medeia a sua permanência ali. Percebe-se o que isto quer dizer: mais e mais famílias estão a cair na pobreza e, consequentemente, as deficiências alimentares aumentam gravemente e atingem o desenvolvimento físico e intelectual das crianças.

Mas, perdoem-me a crueza da imagem, esta coisa de encher a barriga dos meninos à segunda e à sexta feiras, de modo a suprir as faltas dos outros dias da semana, só me lembrou perus a serem engordados à força para a o jantar da consoada.

As boas intenções não me conseguiram libertar duma sensação de violência extrema. Então, alimentar uma criança de forma adequada, fornecendo-lhe os nutrientes de que necessita diariamente, passa por lhe encher a barriga o mais possível para ir digerindo aos poucos o que comeu, durante o fim-de-semana inteiro? Se é assim à sexta-feira, o que será à segunda, cuja ração se destina a durar setenta e duas horas?

É que o tal senhor provedor, quando interrogado sobre o processo utilizado, sorriu e afirmou que não sabia bem, mas calculava que lhes enchessem mais o prato.

Será possível que as pessoas não pensem no que estão a dizer? Eu ouvi bem: não se tratava de fornecer alimentos à família para as refeições do fim-de-semana, tratava-se de encher mais o prato num dia só.

Ia caindo das nuvens. Irá a crise não só aumentar o número de pessoas a passar fome como transformar as crianças portuguesas em ruminantes?

3 comentários:

  1. O exagero funciona ao contrário do pretendido.Querendo passar a ideia que as crianças não comem o fim de semana todo...

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  2. Tenho que fazer uma correcção relativamente ao interveniente no programa da SIC Notícias: tratava-se do Presidente da União das Misericórdias Nacionais e não do Presidente de uma das diversas Misericórdias existentes no país.

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  3. Ainda não tenho computador, estou a responder-te de um portátil que topei por aqui. Eu não vejo televisão. Se visse reagiria como tu, certamente. No entanto, tudo depende da quantidade de comida. Se não for grande, não fará mal comer mais um pouco. O mal está em não comerem o suficiente nos outros dias da semana, pelo facto dos ricos comerem tudo e não deixarem nada. Nem para as crianças. Para quando a indigestão e o rebentar da barriga destes gajos?

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