segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Felizmente há luar


Carlos Loures

No lançamento do site «Memoriando», dirigido pela Isabel do Carmo e pelo Carlos Antunes, o Carlos disse - « A história é sempre escrita pelos vencedores; a versão dos vencidos é, geralmente ignorada» e acrescentou, «as novas tecnologias, os sites, os blogues, a internet em geral, permite que mesmo aqueles que não ganharam, mesmo os vencidos, contem a sua versão dos acontecimentos». Isto é uma grande verdade, pelo menos enquanto os vencedores, ou seja. quem está no poder, não descubra uma maneira de silenciar também estas vozes que, na rede, têm oportunidade de fazer passar a sua versão - a versão dos vencidos.

Referia-se o Carlos Antunes, naturalmente, à derrota do Poder Popular em 25 de Novembro de 1975 e à vitória daquilo a que na altura se chamou a "normalidade". A normalidade prevaleceu e aí a temos, a normalidade de 20% de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza, a normalidade da pedofilia e do tráfico de seres humanos, a normalidade da violência e do crime organizado, a normalidade da corrupção a todos os níveis da sociedade, a normalidade dos impostos, da especulação bancária, do enriquecimento súbito de alguns políticos – normalidade a rodos e para todos os gostos.


Mas fomos derrotados, nós os que queríamos que as coisas fossem diferentes. Cometemos erros, por certo. Exagerámos por vezes? Sim, também. ´´Eramos anormais. Não queríamos que fossem estrangeiros a mandar em nós, não queríamos que os trabalhadores fossem explorados, não queríamos que os banqueiros nos roubassem, não queríamos pessoas a viver em bairros degradados, não queríamos as nossas crianças abandonadas á sua sorte e sujeitas a todo o tipo de violências, não queríamos os nossos jovens mergulhados na droga, fornecendo efectivos ao exército da marginalidade. Não queríamos «essa» a normalidade que a globalização encontrando terreno fértil na nossa endémica fragilidade económica, facilmente nos trouxe. Perdemos.

E mesmo que ganhássemos em Novembro de 75, os que desejavam a «normalidade» não iriam desistir. Os amigos de Madrid, por exemplo, receberiam uma ordem dos amigos de Washington e viriam aqui, com a divisão Brunete e se ela não chegasse, viriam os camones com a sétima esquadra ou com a sexta, ajudar os amigos portugueses a repor a normalidade. Afinal para que servem os amigos?

Talvez daqui por muito tempo, quando já cá não estiver nenhum de nós, esta democracia antropofágica, que salvaguarda todas as liberdades, mas espezinha a Liberdade, seja erradicada. Torna-se evidente que este conceito de democracia é profundamente antidemocrático - em torno do pensamento colectivo instala-se um círculo de fogo (marketing, opinion makers, a cartilha do politicamente correcto...) onde apenas há saída para esta forma padronizada de ver a realidade. Lembram-se daquela peça do dramaturgo suíço Friedrich Dürrenmatt - A Visita da Velha Senhora? A  poderosa velha chegava à aldeia e ia conquistando adeptos para sua deletéria causa. Todos os dias o número dos que a combatiam ia diminuindo e engrossando o grupo que a apoiava. A esses, a velha déspota oferecia uns sapatos amarelos. Em cada manhã, os resistentes deparavam com mais amigos que calçavam os malditos sapatos amarelos.

É o que acontece a quem se quer opor a esta forma de pensar que aceita o inaceitável. Mas os sapatos amarelos não cessam de aumentar.

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