quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O saber das crianças e a psicanálise da sua sexualidade –9: por Raúl Iturra

Era-me quase impossível deixar de reproduzir este comentário para entender que criatividade, desenho e escrita, são também resultado de uma frustração emotiva da infância do artista, essa criança a sofrer com as pessoas maiores da sua casa, ou por ser punido sem causa, negligenciado ao pedir carinho, ou, ainda, por ser mimado a mais. Mimos que corrompem essa criança ao pensar ou sentir que a vida é fácil, e caso não seja, ai estão os seus adultos para tomar conta do problema e o resolver. Não são palavras de Alice Miller, são ideias derivadas da minha própria experiência com crianças. Tenho observado que crianças mimadas , quando adultas, não sabem como e o que fazer das suas vidas, o seu desempenho é sempre díspar. Todas as crianças, ao serem adultas, se desenharem, não seria apenas por divertimento.



 Esse desenho passaria a ser uma ajuda para a cura dessa enfadonha ideia da vida ser fácil. Donde, nestas circunstâncias, desenhar, corresponde a um descongelar de dentro de nós dos sofrimentos causados pela vida ou pelos objectivos procurados, em criança, e não atingidos. Expressão louvada e querida, sem nos darmos conta que se trata de uma resposta para as felonias cometidas com as crianças por qualquer via das denominadas neste texto. É-me também impossível deixar de aprofundar a procura de Freud em relação à arte que Miller usa como terapia para os seus pacientes . No livro original, publicado em 1979 em alemão, em 1983, em inglês, intitulado Thou Shalt Not Be Aware, a autora recorre às noções (de 1905) usadas por Freud sobre sexualidade infantil para chamar à atenção do mundo sobre essa realidade brutal que, se fosse alterada, mudaria de vez, com as formas tradicionais de entender o crescimento dos mais novos.

Realidade brutal de impedir a masturbação, de práticas abusivas dos adultos, de falarem com voz forte para os mais novos. Realidade brutal, como está definida no texto citado de 1905 , que, como anteriormente vimos, se fosse alterada, mudaria as formas tradicionais de ignorar a sexualidade da criança. A obra de Alice Miller abre o jogo da teoria, expondo frontalmente essa forma dolorosa e brutal da verdade, que está por detrás das sempre referidas “fantasias infantis”, esse conceito conveniente e adequado, como gosto de denominar ao que espanta e não tem nome nem perdão ao referir. Miller estuda e analisa casos de infância apresentados na sua consulta, estuda as histórias que lhe são contadas, estuda a infância do autor por meio dos seus textos literários, analisa sonhos dos seus pacientes infantis ou que são retirados dos diários de vida de autores afamados paralelamente com as suas histórias de vida: Franz Kafka, Virginia Woolf, Gustave Flaubert , e Samuel Beckett . Actualmente, com o novo prefácio de Lloyd de Mause e uma nova introdução da autora, o texto Thou Shalt Not Be Aware, continua a ser essencial para o entendimento e o confronto necessários à recuperação de menores abusados e entender a mente dos denominados abusadores de menores. Hoje em dia, delito punido com penas duras pelos efeitos devastadores que causa na infância, especialmente na vida adulta desse infante, abusos que estragam a vida da pessoa e da sua família, retiram a facilidade de interacção social, desaparece a noção de género, por causa de doença e não de opção, do menor abusado. Abuso que o leva a confrontos com os outros e com a vida social. A pena é leve, a meu ver. Condenam o divórcio em Portugal, não permitiam o aborto (a legislação foi, felizmente, alterada quanto ao aborto), mas a pedofilia continua feliz a cantar, como veremos adiante.
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Notas:
Mimado é uma palavra derivada de mimo. A própria definição diz o que pode acontecer a um adulto se, em criança, pensou que a vida era fácil: acaba por não saber ser adulto. Definição que pode ser consultada em: http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx. No texto central refiro que ser mimado é uma outra forma de insultar as emoções das crianças, bem como de educar da pior forma possível. Pode haver mimo dentro da disciplina do lar, se a criança entende que há deveres a cumprir e, em compensação, é-lhe dito que o fez bem. Mas, mimar por mimar, pelos pais não saberem orientar os seus descendentes, parece-me que cria um ser humano para quem a palavra blandícia é a mais adequada, porque o mimo afaga o seu desenvolvimento emotivo para a interacção social e faz dos mais novos, crianças de lar ou, como dizemos em Portugal, betinhos, na sua juventude ou na sua vida adulta. Betinho tem sido usado para definir, em calão, o rapaz ou rapariga novos que são descendentes de adultos com posses, vestem roupas de marca e falam de forma lânguida, mole ou voluptuosa. Palavra que passou do calão e foi incorporada no dicionário oficial e define pessoas que não consomem drogas http://www.google.pt/search?hl=pt PT&q=+Cal%C3%A3o+Portugu%C3%AAs%3A+betinho&btnG=Pesquisar&meta=



Porém, essa forma lânguida de falar, ainda define betinho na conversa do dia-a-dia. Era o que me interessava esclarecer para incrementar a minha pesquisa sobre a mente da criança dentro da mente cultural que parece-me ser muito heterogénea, especialmente pela blandícia de vários dos membros da sociedade, que, até propositadamente, usam formas lânguidas de comportamento por considerar elegante essa blandícia no agir quotidiano. A palavra blandícia, passa a ser um conceito meu para definir comportamentos sociais, parece-me mais adequada que a palavra betinho, que refere outro tipo de comportamento, na redefinição de palavras portuguesas. Defino blandícia como um comportamento causado pela ferida emotiva dos adultos sobre os seus descendentes, com ou sem posses, com ou sem riqueza, para parecerem ser da burguesia, o sejam ou não. É uma vantagem para a corrida concorrencial da vida no modo de produção capitalista, definido por Marx, e que deriva de antigas formas aristocratas, hoje em dia fora de uso, mas angariadas pelos que desejam transpor degraus da vida de forma ascendente. É parte do saber das crianças, uma fantasia que passa a ser real, sem as ajudar para nada no processo formal da vida. Pessoas com blandícia, não desenham, desenham-se perante os seus congéneres para retirarem uma mais-valia do seu lucro social.






Tenho comigo um texto, resultado dessa sua descoberta de que desenhar faz bem, de 1995 (1986, em língua alemã), versão inglesa: Pictures of a childhood, Virago Press, Londres. É um livro apenas de sessenta e seis desenhos em aguarela, e 43 páginas de comentários. O livro, em suporte de papel tem 178 páginas. Pode ser visto em: http://www.amazon.com/Pictures-Childhood-Alice-Miller/dp/0452011582. O comentário é apenas que esta terapia é resultante da sua própria auto análise e descoberta de que desenhar não faz apenas bem, como também cura e ajuda o analista a interpretar o que a criança pensa e sente. Por outras palavras, analisa a capacidade de criatividade dos mais novos, para entender como vão ser quando adultos. Acrescentou metodologia de análise às de Freud que, no entanto, fez as suas descobertas através da obra artística. É conhecido o seu texto de 1914, traduzido para inglês em 1927 e, em 1933 para francês, para Gallimard, intitulado: Le Moïse de Michel-Angel, pode ser lido em: http://classiques.uqac.ca/classiques/freud_sigmund/essais_psychanalyse_appliquee/01_moise_de_michel_ange/moise_de_michel_ange.html, actualmente incorpora as obras completas de Freud, vinte volumes, Imago, Rio de Janeiro.Na página 6 do texto em linha, há uma frase que define a dificuldade desta metodologia: “ Uma predisposição racionalista, ou talvez psicanalista, trava uma luta com as minhas emoções, ao não poder entender porque fico comovido com a obra de arte nem saber o que de ela me entretêm”. Por outras palavras, Freud rejeita essa beleza ao comocionar, pois explica-nos que a imagem de Moisés parece um julgamento divino, porque na sua mão direita repousam as Tábuas do Decálogo e a toda a imagem é como a de um juiz. Contrariamente é a posição de Miller, como já vimos. No entanto, os dois abalizam não apenas a obra, bem como a comoção que neles causa. Retirado do meu saber e do enlace (ligação ou link em inglês) citado.






Freud, Sigmund, 1905 em alemão, traduzido no mesmo ano para inglês, com revisão do próprio autor, onde refere e define, o que eram no seu tempo, as aberrações sexuais: homossexualidade, bestialidade, interrupção da sexualidade infantil e outras. Trabalho também traduzido para francês e que pode ser lido em: http://classiques.uqac.ca/classiques/freud_sigmund/freud.html . O livro que uso é da colecção inglesa: The Pelican Freud Library, começada em 1955. O comentário do texto nº 7 da colecção diz: In his 1905 Three Essays on the Theory of Sexuality Sigmund Freud invented the idea of sexuality is a process independent of an individual's sex, páginas 45 a 144 (No seu livro de 1905, Três ensaios sobre Sexualidade, Sigmund Freud descobre a ideia da sexualidade ser um processo independente da sexualidade individual. A tradução é da minha responsabilidade). Esta obra pode ser consultada em: http://www.gayhistory.com/rev2/factfiles/ff1905.htm., com versão portuguesa comentada, em: http://www.google.com.br/search?hl=pt-PT&q=Freud+Tr%C3%AAs+ensaios+sobre+a+sexualidade+1905&btnG=Pesquisa r






Franz Kafka (língua tcheca: František Kafka (Praga, 3 de julho de 1883 - Klosterneuburg, 3 de junho de 1924) foi um dos maiores escritores de ficção da Língua alemã do século XX., em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Franz_Kafka#Fam.C3.ADlia


Woolf, Virgínia, Virginia Woolf (Londres, 25 de Janeiro de 1882 — Lewes, 28 de Março de 1941) foi uma das mais importantes escritoras britânicas. Estreou-se na literatura em 1915 com o romance (The Voyage Out) e posteriormente realizou uma série de obras notáveis, as quais lhe valeram o título de "a Proust inglesa". Em 1941, faleceu (suicídio). A história completa em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Virginia_Woolf


Gustave Flaubert (nasceu no dia 12 de dezembro de 1821, em Ruão, morreu dia 8 de maio de 1880, em Croisset) foi um escritor francês, considerado um dos maiores escritores ocidentais. Em 1844, com epilepsia, isola-se num local pertencente a seu pai. Em 1856, após cinco anos de trabalho, publica Madame Bovary, o seu romance realista mais conhecido, no qual critica os valores românticos e burgueses da época. http://pt.wikipedia.org/wiki/Gustave_Flaubert


Samuel Beckett (Dublin, 13 de abril de 1906, Paris, 22 de dezembro de 1989), dramaturgo e escritor irlandês, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1969, utiliza nas suas obras, traduzidas em mais de trinta línguas, uma imensa riqueza metafórica, privilegiando uma visão pessimista acerca do fenómeno humano. É considerado um dos principais autores do denominado teatro do absurdo. A sua obra mais famosa no Brasil é a peça Esperando Godot. Depois da eclosão da Segunda Grande Guerra, adere, com a sua mulher, à resistência francesa, aquando da invasão de Paris pelo exército nazista, em 1941. Afasta-se da resistência em 1942, quando ambos foram obrigados a fugir de França. Morre em 1989, cinco meses depois da sua esposa, de enfisema pulmonar, contra o qual já lutava há cerca de três anos. Foi enterrado no cemitério de Montparnasse. História completa em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Samuel_Beckett


A introdução de Lloyd de Mause pode ser lida em: http://www.amazon.com/Thou-Shalt-Not-Be-Aware/dp/0374525439, com versão completa em: http://www.amazon.com/gp/reader/0374525439/ref=sib_fs_top?ie=UTF8&p=S00I&checkSum=WcuffE6FYNY7WaBeT5jC%2BVsEsSxsZWF4XWiLXxIMWA4%3D#reader-link onde comenta os dois tipos de psicanálise que podem ser usadas no estudo das crianças. Livro difícil de ler, sendo possível consultar um outro texto sobre a temática em: http://www.psychohistory.com/childhood/writech1.htm , com o título “ On Writting Chilhood History”, publicado na Revista The Journal of Psychohistory 16 (2) Fall 1988, texto que comenta os trabalhos de Alice Miller e o trabalho pesado que é escrever sobre crianças. Por isso, em minha opinião, merece uma citação separada.


de Mause diz: “Os textos de Alice Miller sobre a história da vida infantil, são, talvez, os mais conhecidos e procurados no dia de hoje e conhecidos do grande público” (94). Esta nota do texto, refere livros da autora que têm causado um profundo sentimento de saber e emoção no comentador: Alice Miller, Prisoners of Childhood. New York: Basic Books, 1981, ampliado e aumentado com o título The Drama of the Gifted Child, comigo em versão castelhana, com o título El saber proscrito, Tusquets, Barcelona, 226 páginas, For Your Own Good:Hidden Cruelty in Child-Rearing and the Roots of Violence. New York: Far-rar/Straus/Giroux, 1983, ou 2ª Edição, Virago Press, Londres, 289 paginas, Thou ShaIt Not Be Aware. Society's Betrayal of the Child. New York: Farrar/Straus/Giroux, 1984, ou edição renovada com a introdução referida de Lloyd deMause, 331 páginas. Largamente documentados e argumentados com paixão, os seus livros referem ao detalhe o abuso emotivo e sexual como a realidade quotidiana de uma grande proporção de crianças, de ontem e de hoje. Textos documentados com base na sua própria prática analítica e das descobertas feitas nas histórias de vida de educadores e analistas. Katharina Rutschky, educadora, Helm Stierlin, psicanalista desencantada com o tipo de análise feito na Alemanha da pós guerra, Florence Rush, analista que escreveu o texto: The best kept secret: sexual abuse of children, 1980, Prentice Hall, 216 páginas, eu próprio e outros. Para além da riqueza das suas fontes clínicas e históricas, a fonte mais rica é a do seu olhar interpretativo, esse do nosso não reconhecer ou negar a realidade da criança abusada. Ela denomina o Primeiro Mandamento para uma criança, imposto sobre ela pelos adultos que a abusam, “thou shalt not be aware,"ou: não devereis ser conscientes, um não falado mandamento que requer da criança o segredo do sofrimento recebido pelos seus guardadores ou adultos custódios dos mais novos.


Os meus comentários são resultantes das leituras e análise das seguintes fontes:"The truth laid bare in... The History of Childhood”, em português: A verdade crua fica despida....na História da Infância, no qual deMause analisa a Obra de Alice Miller, de: http://www.psychohistory.com/childhood/writech1.htm, sítios como: http://en.wikipedia.org/wiki/Katharina_Rutschky ou: The Drama of the Gifted Child: The Search for the True Self, By Alice Miller. New York, HarperCollins, 1996 (Third edition), 136 pp, em: http://www.alibris.com/booksearch?qsort=&page=1&matches=87&browse=1&qwork=1811647&full=1 , bem como da minha memória.









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