segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O saber das crianças e a psicanálise da sua sexualidade –12: por Raúl Iturra

(Continuação)
Voltemos a Alice Miller: “ Isaac, essa pessoa[1], tinha sido convertido em coisa[2]. Apenas cabe o medo (...)!” Mas, medo do quê? Medo de ter passado a ser um objecto para o pai reverenciar a sua divindade por cima do amor paterno. O amor paterno é avaliado pelo filho com confiança, calma e serenidade. A filiação é a paz e a confiança, a calma e a alegria, na maior parte das vezes.[3]. Especialmente ao ser filho de um pai de muitos, de diversas tribos, como o Profeta, que sabia orientar povos de milhares de pessoas. Isaac confiava nele como todos os membros das várias tribos hebraicas que governava, especialmente por ser filho consanguíneo da sua primeira mulher, Sara.

Quando uma criança confia tanto no pai, acaba por lhe ter medo, nomeadamente, ao ser preterido face ao amor demonstrado pelo pai para com a sua divindade. É o que Alice Miller pretende explicar com a passagem da Bíblia que cita no seu livro[4]. É a partir desse dia, que Isaac aprende a ter medo: está desprotegido, o pai é a família, é o filho mais velho, mas o pai prefere mandar que ser pai “unigénito” do “unigénito” filho. Parece-me que a história é analisada por Alice Miller, como exemplo do que o pai pode fazer ao instalar-se no poder e usar a sua família para trabalhar. A história bíblica pode ajudar-nos a entender a análise de Alice Miller[5]. História interessante, por tornar a acontecer. Há muita informação metafórica na Bíblia, para explicar o comportamento dos seres humanos conforme a lei. A de Isaac, o filho não sacrificado, é outra. Ele sofre o sacrifício dos filhos, da forma narrada no Génesis[6]. Alice Miller ensina-nos a história ao invés: um filho pode ficar desprotegido, mas os pais velhos também e serem enganados. Da história de um povo único da descendência de Abraão, passa à história de um povo desunido. Uma premonição do que acontece hoje em dia nas terras hebraicas e da Palestina. A história da Bíblia, livro compartilhado por cristãos, hebreus e islâmicos, parece ser uma metáfora desse povo unido e único, para passar a ser uma divisão de ideias, confissões e lutas pelo território e os bens básicos, para ser mercadoria. Não apenas mercadoria, bem como linhas comerciais: a luta de quem vende o quê e a quem. São estas as ideias que me ocorrem quando Alice Miller, no seu comentário final da pintura de Rembrandt, afirma: apenas cabe o medo, eu acrescentaria, medo do pai na etapa cronológica da vida jovem dos descendentes, medo dos ancestrais, na sua idade maior, desvalidos e com as peripécias do que acontece a um adulto maior, que acredita firmemente nos seus descendentes. Filhos desprotegidos do saber, pais desprotegidos de forças para criar, lutar e continuar a viver. É o medo que cabe na cronologia humana de ida e volta. O que Alice Miller, luterana, não diz é que os factos narrados na Bíblia são uma lição em palavras escritas sobre o comportamento social. Não é possível esquecer a necessidade, orientação da vida em interacção social, de qualquer ser humano. Sem lei, como centenas de anos mais tarde acrescentaria Émile Durkheim nos seus textos, o povo fica sem esperança, com profundo sentimento de anomia[7], e as mortes acontecem. Mortes por abandono, por imitação, por estados de loucura que rodeiam as pessoas. Como demonstra Durkheim, o suicídio acaba por ser o resultado de doenças patológicas na sequência de estados de loucura (veja-se a anterior nota de rodapé). Há suicídios cometidos pela falta de crianças, mas não por abuso de crianças, que é o assunto que nos interessa nesta etapa do texto[8].

Notas:

Do lat. personas. f., ser ou criatura da espécie humana; ser moral ou jurídico; personagem; individualidade, veja-se: http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx. Persona é também, como lembro, as máscaras que usavam os actores gregos de antes da nossa era, para caracterizar diversas personagens nas peças de teatro. Em Roma, pessoa era todo o ser livre, capaz de viver e gerir a sua vida e bens. Uma persona, nas palavras comuns usadas no dia-a-dia, é um papel social (role), bem como uma personagem representada por um actor. Palavra Italiana ( Italian), derivada do Latin, como “máscara” ou “personagem”, derivada da palavra Etruscan "phersu", que tem o mesmo significado. Mais informação na Enciclopédia que me ajuda a entender a relação filial, em: http://en.wikipedia.org/wiki/Persona Também, baseado na mesma fonte, literalmente, persona significa máscara, apesar de não se referir à máscara literária, bem como às “máscara sociais” que é suposto todo o ser humano usar na sua vida quotidiana, para parecer que pretende alguma coisa. Pessoa Natural O Direito regula e ordena a sociedade. Não existe sociedade sem Direito, não existe Direito sem sociedade. A sociedade é composta de pessoas. São essas pessoas que a constituem. Os animais e as coisas podem ser objecto de Direito, mas nunca serão sujeitos de Direito, atributo exclusivo da pessoa. Síntese do texto do juiz de São Paulo, Brasil, Sílvio de Salvo Venosa, no seu texto em linha Sujeito de Direito no Ius Romano que pode ser lido em: http://leonildoc.orgfree.com/curso/civil11.htm. O autor foi juiz no Estado de São Paulo por 25 anos, aposentou-se como magistrado do antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil.(Continua)

Do lat. Causa s. f., qualquer objecto inanimado; o que existe ou pode existir; ente, em: http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx
do Lat. Filiatione s. f., designação dos pais de alguém; acto de perfilhar; adopção como filho;

Descendência de pais para filho, em: http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx

Abraão: Abraão (em hebraico: אברהם Avraham ou ’Abhrāhām) é uma personagem bíblica citada no Livro do Génesis, a partir do qual se desenvolveram três das maiores vertentes religiosas da humanidade: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. O nome traduzido para português, é: Pai ou Líder de Muitos.

Um dia, seguindo as ordens do Senhor, abandonou a terra que habitava e foi para uma nova terra, sendo o fundador de um grande povo abençoado por Deus. Levou consigo a esposa, Sara, e os seus amigos mais queridos com as respectivas famílias. Depois de uma longa caminhada, chegaram a uma terra montanhosa e fértil de nome Canaã. O Senhor apareceu então, e disse-lhe que aquela era a terra que havia prometido a Abraão e aos seus descendentes.

Abraão, baixou-se até tocar com a testa na poeira e ali mesmo ergueu um altar.


Já velho, tal como a sua mulher, e muito cansado da viagem, nunca tinham tido filhos, mas em sonhos, o Senhor apareceu-lhe e anunciou-lhe que a sua descendência seria numerosa como as estrelas do céu. Sendo tão velho, como seria possível? Mas ele acreditou em Deus e, apesar da idade avançada, teve com Sara um filho a quem deu o nome de Isaac.

Este cresceu forte e belo, dando uma grande alegria aos seus velhos pais. Um dia, pondo à prova a fidelidade de Abraão e a sua gratidão pelo milagre de ter filhos na sua velhice, diz o mito que o Senhor, mandou-o levar Isaac ao cimo de uma montanha e matá-lo em seu sacrifício.
Abraão, sufocando a sua terrível dor, pegou no filho, levou-o à montanha, com dois burricos e uma carga de lenha para o sacrifício. No cimo da montanha, Abraão, mandou o filho deitar-se sobre as pedras e preparou-se para o matar.
Então, vinda do céu, uma voz disse:
- Não faças mal ao teu filho Abraão! Agora sei que tu me amas ao ponto de sacrificares o que tens de mais precioso! Regressa a casa com o teu rapaz e sê para sempre abençoado! Abraão ergueu os olhos e viu um carneiro que tinha os chifres presos num arbusto. Capturou-o e ofereceu-o ao Senhor em lugar do filho. História completa em: http://pt.shvoong.com/humanities/christian-studies/1704724-b%C3%ADblia-abra%C3%A3o-isaac/
Isaac casou-se com a sua bela prima Rebeca, que foi a sua única esposa. Isaac orou insistentemente ao Senhor pela sua mulher: porquanto, era estéril; o Senhor ouviu as suas orações. O Senhor disse a Rebeca: Duas nações há no teu ventre, e dois povos se dividirão das tuas entranhas, e um povo será mais forte do que o outro povo, e o maior servirá ao menor (Génesis 25;23). Rebeca, assim, teve dois filhos, Jacó e Esaú. O filho mais velho Esaú era o favorito do pai e teria o direito à bênção de Deus por ser o primogénito. Mas após Jacó ter enganado seu pai, que era muito velho e estava cego, apresentou-se a Isaac como se fosse o seu filho mais velho e enganou-o recebendo assim a bênção no lugar de seu irmão Esaú. Logo após os dois brigaram e ao separarem-se, Jacó, o favorito da mãe, ficou sendo o herdeiro da tradição hebraica. Esaú por sua vez daria início à história dos povos árabes.
A história de Isaac na Bíblia contém muitos eventos similares aos ocorridos durante a vida de Abraão. Alguns estudiosos debatem se estas coincidências seriam fruto de um recurso estilístico com a finalidade de fortalecer o laço entre ele e seu pai, ou se seriam resultado do longo período de tradição oral desde o tempo em que Isaac foi vivo até ao momento em que o livro de Génesis teria sido compilado.
História completa em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Isaac . O texto está em luso-brasileiro, mas para manter as ligações, o texto não foi alterado para luso – português.
A anomia é um estado de falta de objectivos e perda de identidade, provocado pelas intensas transformações ocorrentes no mundo social moderno. A partir do surgimento do Capitalismo, e da tomada da Razão, como forma de explicar o mundo, há um brusco rompimento com valores tradicionais, fortemente ligados à concepção religiosa. A Modernidade, com seus intensos processos de mudança, não fornece novos valores que preencham os anteriores demolidos, ocasionando uma espécie de vazio de significado no quotidiano de muitos indivíduos. Há um sentimento de se "estar à deriva", participando inconscientemente dos processos colectivos/sociais: perda quase total da actuação consciente e da identidade.
Este termo foi cunhado por Durkheim no seu livro O Suicídio. Durkheim contextualiza e define este termo ao querer mostrar que há factos que não funcionam na nossa sociedade de forma harmónica. Factos do corpo social a funcionarem de forma patológica ou anomicamente ou em ausência de lei fixa. No seu famoso estudo sobre o suicídio, Durkheim mostra que os factores sociais – especialmente da sociedade ímoderna – exercem profunda influência sobre a vida dos indivíduos com comportamento suicída. Em Durkheim, Émile, 1897: Le suicide. Étude de sociologie, três volumes e uma introdução, Felix Alkan, Paris. Texto que pode ser lido em: http://classiques.uqac.ca/classiques/Durkheim_emile/suicide/suicide_tdm.html , que analisa os tipos de suicídio : no livro I, Capítulo I, diz: “Teoria que prova que o suicídio acontece no seguimento de estados de loucura. Há duas formas de demonstrar o facto ; 1º, o suicida é uma monomania sui generis ; 2º É um sintoma de uma loucura que não está longe das pessoas
II. Será o suicida um estado de monomania ?” (perturbação psíquica em que a inteligência e a afectividade se fixam numa só ordem de ideias ou de sentimentos; por ext. obsessão; ideia fixa). Texto completo em francês, em: http://classiques.uqac.ca/classiques/Durkheim_emile/suicide/suicide_tdm.html De quoi est-il question dans Le suicide de Durkheim?

Voir la table des matières complète du livre
O texto de Durkheim, Livro I, Capítulo I, sintetizado na nota de rodapé anterior, diz no original : «Principaux facteurs extra-sociaux susceptibles d'avoir une influence sur le taux social des suicides : tendances individuelles d'une suffisante généralité, états du milieu physique
I. Théorie d'après laquelle le suicide ne serait qu'une suite de la folie. Deux manières de la démontrer : 1º le suicide est une monomanie sui generisura; 2º c'est un syndrôme de la folie, qui ne se rencontre pas ailleurs


II. Le suicide est-il une monomanie ? L'existence des monomanies n'est plus admise. Raisons cliniques et psychologiques contraires à cette hypothèse


III. Le suicide est-il un épisode spécifique de la folie ? Réduction de tous les suicides vésaniques à quatre types. Existence de suicides raisonnables qui ne rentrent pas dans ces cadres ...».
(Continua)

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