segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A Terra dos berberes e o futebol

Carlos Godinho


Nem damos conta disso, mas por estarmos virados quase em exclusivo para a Europa, mas Marrocos, Casablanca, está a uma hora de viagem de avião de Lisboa. Parecendo tão longe, está tão perto. Madrid, que é quase ali ao virar da esquina, está precisamente à mesma distância.

Decidi visitar este país, que quase fazendo fronteira com Portugal, não fosse o Atlântico separar-nos, representa um outro mundo, de culturas, tradições, religiões, cheiros e cores. De Casablanca, cidade ocidentalizada, a Ouarzazate, às portas do deserto, é um mundo de contrastes que se aproximam mais do nosso passado do que do presente.

Entrar na Medina de Fez é como acontecer um recuo acentuado nas nossas vidas, e o reencontro com hábitos e meios completamente ultrapassados para os ocidentais. A ASAE, caso existisse em Marrocos, fecharia a Medina, não havendo um único lugar em que as condições de higiene estejam garantidas. Acredito que em Lisboa, nos bairros populares, se viveria assim há uma centena de anos. De qualquer forma entrar por ali, acompanhado por um guia, sem o qual um visitante se perderá no emaranhado de ruas, becos e quintais, é uma experiência a não perder. Claro que a alguma distância se encontra uma cidade vibrante, moderna, em que apesar de tudo, para os nossos hábitos, infelizmente, a mulher continua com um papel secundário. Aí, existem McDonalds e outras modernices. Cerveja e vinho é que é difícil de encontrar. Meknes e Fez são muito idênticas. Rabat, a capital, por seu turno, tem outra dinâmica, mais desenvolvida, mantendo a sua Medina, mais moderna, ou melhor, menos atrasada, mais limpa. O seu Kasbah, bem cuidado, com imensas referências a Portugal, merece uma visita. Mais a sul, após uma viagem de nove horas pelo Médio Atlas, sem grande interesse do ponto de vista do conhecimento, chega-se à mais moderna e vibrante das cidades de Marrocos, Marraquexe. Um mundo à parte, multicultural, de grandes contrastes e largos milhares de turistas de todo o mundo. Para quem quiser passar um fim-de-semana diferente pode viajar directo de Lisboa e sinceramente aconselho uma visita.




Marraquexe, as suas muralhas e os seus souks, com grande intensidade de vendas e discussão permanente de preços, são um dos lugares mais atraentes de Marrocos. Falar desta cidade é também falar da Praça Jemaa el-Fna, Património da Humanidade, da Unesco, não devido à sua beleza harmoniosa ou arquitectónica, mas por se tratar de um local, que ao fim do dia, retrata a realidade do país. Nos restaurantes, no meio da praça, onde se luta pelo cliente, dada a quantidade da oferta existente, quando se fala de Portugal, fala-se imediatamente de – sardinhas assadas, sardinhas em lata, cozido, Cristiano Ronaldo – e foi assim que fui abordado por diversas vezes. Pode-se não gostar de futebol, mas o jovem da Madeira é de facto a nossa maior expressão mundial. Para o bem e para o mal, perante a perspectiva de quem analisar o assunto. Por todo o lado as suas camisolas e os seus feitos desportivos são uma constante entre os mais jovens. E abrem portas e conversas e unem pessoas que não se conhecem. O poder do futebol é hoje arrasador. Aparentemente, uma bola, onze pessoas de cada lado, três árbitros e muita paixão pelo jogo, fazem mais pela aproximação entre os povos, do que todos os políticos juntos.

Após Marraquexe, fica o Alto Atlas, conjunto de montanhas que passam dos 4.000 metros e cujas estradas, no seu ponto mais alto, atingem os 2.260 metros, com vistas deslumbrantes e impressionantes. Ouarzazate fica a cerca de 200 quilómetros, atravessando essa cadeia montanhosa, passando por vales e desfiladeiros de grande beleza e ainda por aldeias perdidas onde parece que a vida parou no tempo. Aí chegando, estamos às portas do deserto e na terra dos berberes. O Kasbah Taourirt, único edifício histórico da cidade, é a sua referência maior, sendo também conhecida por possuir dois estúdios de cinema onde se produzem muitos filmes ocidentais.

Estar às portas do deserto e não chegar lá, deixa-nos uma sensação de alguma frustração, mas o tempo, a distância, e os meios, não davam para tudo.

Finalmente o regresso a Casablanca para uma rápida visita antes do regresso. Visitar Marrocos sem uma deslocação à Mesquita Hassan II será sempre uma visita incompleta dada a imponência do edifício e pelo facto de ser a única possível de ser visitada no seu interior. Com espaço para mais de 25.000 crentes é o segundo lugar mais importante do mundo muçulmano após Meca.

Um conjunto relativamente curto de palavras que não conseguem reproduzir o que se viveu durante um período limitado de uma semana. Uma viagem deste tipo daria para imensas impressões, mais detalhadas, mais precisas, mas também, se calhar ainda mais aborrecidas de ler.

Ficam ainda como saliências e conselhos os seguintes factos:

. Antes de partir tire a sua capa de ocidental e adapte-se, não se insurja, integre-se.

. Cuidado com os guias, sendo conveniente discutir sempre os preços e percursos.

. Nunca dê por garantida a isenção e justiça dos preços, convém sempre discutir e lutar pelo “nosso” preço, sabendo-se que mesmo assim perde-se sempre, embora por menos.

. Discuta sempre os preços com os motoristas dos “mini-táxis”.

. A verificação de milhares e milhares de crianças e jovens com as suas mochilas, vindo e indo para as escolas, denunciando um esforço importante de educação. E não falo só das cidades, até nas aldeias perdidas do Atlas, essa foi uma constatação permanente.

. A atitude positiva dos polícias perante os turistas, protegendo-os e auxiliando-os.

. Não tive um só único problema de segurança, em qualquer lugar que fosse, de noite ou de dia, vendo-se crianças sozinhas à noite.

. Conduzir nas cidades em Marrocos torna-se uma aventura única. Curiosamente, nas estradas, o cumprimento das velocidades indicadas é uma regra. Aliás as estradas são particularmente vigiadas pela polícia.

. Tantos e tantos locais de interesse, que não cabem neste pequeno texto, merecem uma visita cuidada, preparada com rigor, coisa que hoje, com a internet é fácil de conseguir.


Em resumo uma viagem muito interessante a um país que espero revisitar, desta vez ao seu litoral, e aos locais onde a presença histórica dos portugueses é mais notória.

2 comentários:

  1. Frederico Mendes Paula25 de outubro de 2010 às 14:20

    Gostava só de fazer um reparo. A Mesquita Hassan II de Casablanca é a terceira maior mesquita do Mundo Muçulmano, após Meca e Medina, em área, mas não é de forma nenhuma "o segundo lugar mais importante do mundo muçulmano após Meca". É uma mesquita de construção recente e de importância local. Não tem a importância que têm outras, como por exemplo, Meca, Medina, Al-Aqsa ou Azhar.

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  2. Obrigado, Frederico. Sempre a enriqueceres a informação.

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