quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Opinião. Temos muitos profissionais na Justiça, falta o resto.

Carlos Mesquita

Depois das acusações da Associação Sindical de Juízes de que eles estavam a pagar a factura por terem incomodado o PS, choveram as criticas pelas afirmações do (juiz) sindicalista António Martins; desta vez também por personalidades do seu sector político. O próprio Conselho Superior de Magistratura através do Vice-presidente afirmou discordar de António Martins, uma vez que “outros órgãos de soberania também foram afectados pelos cortes orçamentais”. Uma má semana para os juízes.

Esta semana piorou; o relatório da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça (CEPEJ) traça um cenário negro com informação comparativa da Justiça em Portugal e no resto da Europa. Os indicadores comprovam que não é por falta profissionais da Justiça que ela cá não funciona, temos o rácio desses profissionais por população mais elevado da Europa, exceptuando a Itália. Somos também o país com mais advogados por Juiz, e o terceiro com mais procuradores e juízes. Para um sector que se queixa de ter falta de pessoal estes estudos independentes vêm trazer algum rigor. O relatório comparou ainda níveis de remuneração, apontando os juízes em final de carreira como ganhando 4,2 vezes o salário médio bruto nacional, que deixa Portugal a pagar melhor que países de referência judicial europeia. Mas o indicador que levou Jean-Paul Jean, coordenador do CPEJ, a classificar a Justiça portuguesa de viver “uma situação catastrófica” é a capacidade de encerramento de casos pendentes, apenas a Itália está em pior posição. Nada que nos cause surpresa.

A propósito do relatório, o bastonário da Ordem dos Advogados Marinho Pinto em declarações à Lusa, considera que os juízes portugueses têm “privilégios escandalosos à luz da realidade económica do país” e liga a actividade judicial à política quando afirma que “estão permanentemente a pôr processos, a inventar processos, a prolongar artificialmente a duração de processos para terem os políticos reféns das suas reivindicações, das suas exigências. Uma espécie de chantagem política permanente.”

Para mim o mais escandaloso é dizer-se que se não ganham muito bem passam a ser corruptos, é uma ofensa para os juízes honestos, que serão a maioria, e um insulto para toda a população que tem uma vida correcta independentemente do valor do salário ou da falta dele.

Concordo inteiramente com Marinho Pinto quando diz que “os juízes devem falar pelas suas sentenças”. A intervenção pública a propósito dos interesses corporativos que têm descambado em declarações políticas de cariz partidário, só prejudica a imagem da magistratura, o próprio tom ameaçador sugere que se julgam intocáveis e possuidores de meios capazes de derrubar outros órgãos de soberania. Caminhamos para a ingovernabilidade do Estado pela falência dos acordos de regime para a Justiça, matéria onde o presidente Cavaco Silva muito prometeu e volta a prometer, mas tem falhado rotundamente.

A Justiça é o maior problema de Portugal, os seus protagonistas são de uma importância decisiva para o desenvolvimento do país, mas parece não ter solução sem haver vontade interna de mudança.

1 comentário:

  1. É a lógica corporativa no seu pior. Ainda há bem pouco tempo, apresentaram os resultados da avaliação que fazem a si próprios e apresentaram 97% de bons e muito bons. Isto numa Justiça que é o que muito bem descreves aí em cima.Nada é suficiente, têm sempre razão e reivindicam sem parar. Há mais corporações, todas com a mesma lógica.

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