quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Política versus politiquice

Adão Cruz 


Gostaria de dizer que a política, habitualmente considerada, é uma merda. Mas não é, a política é uma coisa muito boa e muito bonita. Falo de política. Política de verdade e não de politiquice. Todos nós sabemos que há políticos íntegros e sérios, que procuram o bem do povo e da sociedade (infelizmente escassos) e políticos aldrabões e bandalhos (infelizmente abundantes) que procuram a forma mais fácil de roubar e enriquecer rapidamente. Certo? Ou não?

Infelizmente a nossa geração é a geração dos iluminados da candeia. O universo de grande parte dos nossos políticos e seus satélites tem para eles a grande vantagem de uma conjuntura sem expressão, de um quadro sem cores, de um mar sem ondas de moral e de escrúpulos, em que a corrupção afoga a dignidade, fundindo fins e princípios sem necessidade de percurso. Da “pinha” dos nossos governantes à inteligência, à imaginação, à arte, à cultura, à moral e ao dimensionamento do mundo livre, acreditam eles que vai apenas a distância necessária à articulação das suas cosméticas e biográficas práticas sociais e políticas. E o povo que se lixe. Que se lixe a educação, mãe de tudo, que se lixe a justiça social, alicerce da felicidade, que se lixe a saúde, fermento da vida.

Certo? Ou não?



Não é agradável falar de política, porque quase tudo o que se diz não passa de panaceia. Para falar sobre política é necessário retirar o nevoeiro da frente dos olhos, tome esse nevoeiro a forma que tomar, irreflexiva, conformista, acomodatícia ou acrítica. Para desfazer o nevoeiro, o homem tem necessidade absoluta de dois pares de óculos.

Um deles é a cultura, não no sentido de um empilhamento de conhecimentos, de um amontoado de ideias e conceitos que a pessoa não sabe trabalhar, de um eciclopedismo balofo que escorre pelos esgotos da comunicação social, mas uma cultura entendida como a capacidade que cada um tem de compreender os fenómenos que o rodeiam. A cultura do percurso, que nada tem a ver com a cultura-espectáculo.

O outro par de óculos é o pensamento, catalisador permanente dessa mesma cultura. Pensar é uma forma peculiar de sentir, e a verdadeira forma de compreender o mundo. Só pelo pensamento se entende que o tempo presente vive uma intrincada teia de paradoxos e contradições que leva a sociedade, atingida pelo crescimento, a perder o sentido da permanência. Alheio a valores e referências ético-morais, o homem começa a tornar-se permeável ao irracional.

(ILustração de Adão Cruz)

2 comentários:

  1. A politiquice é a única forma de medíocres lidarem com o que não percebem. nenhum político actual percebe o que se está a passar, estamos numa faze de ligação, já não é mas ainda não é, isto perturba, ainda não se conhecem medidas para controlar os acontecimentos. Estou a falar dos políticos sérios que tentam o seu melhor não dos que andam a tratar da vidinha. Faltam estadistas, quem veja para além do horizonte...

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  2. Muito bem. E pssam-se os dias a discutir sempre as mesmas coisas - muitas delas não são mais do que poeira atirada aos nossos olhos -, e não se vai ao fundo das questões. Não se faz política. Estavas cá a fazer falta, Adão.

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