sábado, 16 de outubro de 2010

Terreiro da Lusofonia: António Rebordão Navarro

Temos estado a trazer ao nosso Terreiro, um a um, os principais poetas das “Notícias do Bloqueio”. Hoje é a vez de António Rebordão Navarro.

António Augusto Rebordão e Cunha Navarro, nasceu no Porto em 1933. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, tem exercido, a par da advocacia, diversos cargos e funções. Dirigiu a Revista Literária Bandarra e foi um dos coordenadores de Notícias do Bloqueio. Presidiu à Assembleia Geral da Associação de Jornalistas e Homens das Letras do Porto e membro dos órgãos directivos da Sociedade Portuguesa de Autores.

Obras principais: Romagem a Creta (1964), Um Infinito Silêncio, (1970), O Parque dos Lagartos (1981), A Praça de Liège (1988), As Portas do Cerco (1992) e Parábola do Passeio Alegre (1995). Contos: Dante Exilado em Ravena (1989); Outro Caminho do Mar (1953); O Mundo Completo (1955), Os Animais Humildes (1956); O Dia Dentro da Noite (1960), Notícias do Bloqueio, Aqui e Agora (1962); O Inverno (1978);  A Condição Reflexa (Poemas, 1952-1982) . Retirado desta última colectânea, apresentamos

Poema quase triste

Os homens passam sem darem por nada
carregados assim como eles vão
com suas sombras a ganharem gibas,
com os seus olhos a ficarem baços,
cheios de presbitia e astigmáticos.
Não lhes importa que nos frutos estejam
confissões de poetas e de heróis.
Os homens passam e não vêem nada,
olham apenas para as suas vidas,
para a filha doente ou para os filhos mortos.
Não se apercebem das árvores e das rochas,
sangue e nervos da terra.
Seguem tristes e com os seus olhares
voltados para dentro,
para os seus crimes ou para os seus sonhos.
Não param a escutar o coração da terra
que bate, tranquilo, sob o chão.
Tristemente aguardam os eléctricos
que os hão-de levar a suas casas
de paredes forradas pelos retratos
dos fantasmas antigos e até próximos.
É sem amor que trincam os frutos
coloridos no sangue de todos os mortos
e nem pensam que a terra se abrirá
a seus corpos alheios, certo dia.
Procuram suas chaves
e, de cabeça baixa, penetram em casa,
sentam-se à mesa e choram
com suas mulheres, livros, diários íntimos,
mas não falam sequer à Natureza
que lhes oferece, em vão,
todos os seus segredos e mistérios.
Deitam-se sonolentos,
fecham a luz e dão-se aos pesadelos
ou aos sonhos de quando eram meninos. . .
Embriagam-se ou matam-se
e entregam-se aos vícios ou às lágrimas. . .
Tristes os homens passam
sem verem que a terra lhes oferece
juntamente com frutos e canções.

Ouçamo-lo agora contar, após um jantar com amigos, uma história sobre outro poeta – Pedro Homem de Mello.


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