terça-feira, 26 de outubro de 2010

Vida emocional e cognitiva

Adão Cruz

Apesar do termo “inteligência emocional”, isto é, segundo Goleman, a capacidade de identificar os nossos próprios sentimentos e os dos outros e de gerirmos bem as emoções dentro de nós e nos nossos relacionamentos, e embora as definições tradicionais enfatizem os aspectos cognitivos como a memória e resolução de problemas, para mim a inteligência é só uma, dentro da sua complexa neuronalidade.

Para mim, o auto-conhecimento emocional, o controle emocional, a auto-motivação, o reconhecimento de emoções em outras pessoas, a habilidade nos relacionamentos inter-pessoais, considerados como atributos da inteligência emocional, não são características que permitam separar a inteligência em peças. Sempre fui contra esta académica e artificial dicotomia, dado que a emoção é um fenómeno permanente e indispensável ao mais pequeno gesto vital, seja a emoção exógena seja a emoção endógena.

Tenho muita dificuldade em dissecar os sentimentos (diferentes de pessoa para pessoa) isto é, em definir as incomensuráveis formas e manifestações dos sentimentos, até porque antes dos sentimentos há as emoções (diferentes de pessoa para pessoa), que lhes dão origem, e antes das emoções (diferentes de pessoa para pessoa) há as imagens (diferentes de pessoa para pessoa) resultantes dos estímulos que as provocam e aos quais cada pessoa reage de forma muito diferente, conforme o seu padrão neural.

Assim sendo, os sentimentos constituem um mundo tão vasto de diferenças que me parece podermos incorrer em algum grau de estultícia, ao pretendermos dissecá-los, dimensioná-los, fraccioná-los, escaloná-los, hierarquizá-los, atribuir-lhes uma cronologia e uma metodologia intrínsecas, fora do campo neuro-científico. E muito menos separá-los, por exemplo dentro do cesto da inteligência, em cognitivos e emocionais, como se de fruta se tratasse.

Há um único contexto em que me parece legítimo atrevermo-nos a abordar parcialmente e de forma particular os sentimentos e com eles lidar como matéria, contexto esse que se situa apenas no campo da arte. No seio do contexto poético, literário e musical, por exemplo. Mesmo assim, com a prudência de nos contentarmos apenas com a plumagem, as cores, a luz e o som.

(Ilustração de Adão Cruz)

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