quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Arte poética: juan luis panero,boris vian, manuel curros enríquez, antónio aleixo.



Juan Luis Panero
(Madrid,1942)

ARTE POÉTICA


A comprida, vagarosa língua da morte
lambeu a mão daquele que escreve,
lucidez ou loucura, ninguém sabe;
só restam palavras, palavras roídas

(Antes que chegue a noite, 2000)
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Boris Vian
(Ville-d'Avray, 1920 — Paris, 1959)

SE OS POETAS FOSSEM MENOS PATETAS

Se os poetas fossem menos patetas
E se fossem menos preguiçosos
Faziam toda a gente feliz
Para poderem tratar em paz
Dos seus sofrimentos literários
Construíam casas amarelas
Com grandes jardins à frente
E árvores cheias de zaves
De mirliflautas e lizores
De melfiarufos e toutiverdes
De plumuchos e picapães
E pequenos corvos vermelhos
Que soubessem ler a sina
Havia grandes repuxos
Com luzes por dentro
Havia duzentos peixes
Desde o crusco ao ramussão
Da libela ao papamula
Da orfia ao rara curul
E da alvela ao canissão
Havia um ar novo
Perfumado do odor das folhas
Comia-se quando se quisesse
E trabalhava-se sem pressa
A construir escadarias
De formas antes nunca vistas
Com madeiras raiadas de lilás
Lisas como ela sob os dedos

Mas os poetas são uns patetas
Escrevem para começar
Em vez de se porem a trabalhar
E isso traz-lhes um remorso
Que conservam até à morte
Encantados de ter sofrido tanto
Dedicam-lhes grandes discursos
E são esquecidos num dia
Mas se trabalhassem mais
Só seriam esquecidos em dois

(Não Queria Patear )

Tradução de Irene Freire Nunes / Fernando Cabral Martins

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Manuel Curros Enríquez

(Celanova, Galiza,  1851, Havana, 1908)


INTRODUCION



Escribir nada máis pr' onha provincia

Ou, com' os povos árcades fixeron,

Escribir sobr' a casca d'os curtizos,

Cáxeque todo vén á ser o mesmo.



A nosa vos, n'a soledá perdida,

Morrerá sin deixar xiquera ise éco

Qu' a brisa malencónica d' outono

Deixa n'a copa azul d'os ameneiros.



Non pode ser tampouco d' outra sorte:

Pasaron xa, pra non volver, os tempos

En qu' o lenguaxe era unha cifra máxica

Fácele sólo ó sacerdote hebreo.



As xentes tristes que n'o verbo humano

Percuran os ideales q' entreveron
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António Aleixo

(Vila Real de Santo António, 1899-1949)


Poeta, não, camarada,
Eu também sou cauteleiro;
Ser poeta não dá nada,
Vender jogo dá dinheiro.

Não é só na grande terra
Que os poetas cantam bem:
Os rouxinóis são da serra
E cantam como ninguém.

Tu já viste a «poesia»
Que há numa casa sem ceia,
Nem azeite na candeia,
Nem luz, se morre a do dia
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