terça-feira, 30 de novembro de 2010

Deus como problema (5)




Agora não é Saramago mas o meu amigo quem diz “que a segurança dos que não acreditam é invejável e que a intolerância se verifica mais em relação àqueles que crêem”. Plenamente de acordo. Tal facto deve-se a que a segurança dos que não crêem não existe, e antes constitui um exercício permanente de aprendizagem, interrogação, reflexão e descoberta ao longo do difícil caminho da razão.
“Se me tivessem provado que com a morte tudo termina, creio que já teria partido voluntariamente”, confessa o meu amigo. Penso que o Homem não tem, gratuitamente, provas de nada, e pode rejeitar todos os argumentos falaciosos ou extra-humanos que de nada lhe servem. Bastam-lhe as provas que nascem do desenrolar da sua razão. Por que motivo o meu amigo rejeita a força das hipóteses lógicas, racionais, a luz da ciência – pobre ciência humana, é certo – mas que o meu amigo aceita e utiliza numa elevadíssima percentagem dos actos da sua vida, e adere à fragilidade de teses fantasistas, ilógicas e mesmo irracionais, carecendo de todo e qualquer substrato que não seja a fé, fé essa – não pode negar – directamente proporcional à ignorância, à incultura e a toda a espécie de fundamentalismos mais ou menos acéfalos. Isto não significa que não haja pessoas crentes muito inteligentes e muito cultas – que é o caso do meu amigo -. Simplesmente, em meu entender, não foi a cultura mas outra razão qualquer que gerou e enraizou a crença. A verdadeira cultura é, habitualmente, um obstáculo e remete muito mais para o antagonismo do que para o agonismo da fé.
Para quem espera o céu, a gente sabe que a razão da vida não pode ser o natural percurso desta pequeníssima dimensão humana no seio infinito da natureza e do Universo, em permanente mutação e movimento, mas uma espécie de celestial e eterna pensão de reforma que a imaginação deste limitado ser, mesmo dando-lhe o fluido nome de alma, não consegue despir das materiais aspirações, prerrogativas e necessidades do corpo que por cá ficou. Com a vida tudo e nada começa e com a morte nada termina. A parte é diluída no todo. Em cada instante o Universo é outro. O início da minha decomposição é, precisamente, o início da minha contribuição para a formação ou transformação de milhares ou milhões de outros seres.
“Já não adianta nada dizer que matar em nome de Deus é fazer de Deus um assassino”, diz Saramago. “Para os que matam em nome de Deus”, continua, “Deus não é só o juiz que os absolve, é o Pai poderoso que dentro das suas cabeças juntou antes a lenha para o auto-de-fé e agora prepara e coloca a bomba”. Não sei se esta bomba a que se refere Saramago é a do Pai poderoso de cá se a do Pai poderoso de lá. Ou se é de ambos. Permito-me, de qualquer forma, alguns comentários, cujas ilações pertencerão a cada um que as queira tirar. Vejamos.

(Continua).

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