sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Eu não acredito no povo



Adão Cruz

Eu não acredito no povo, ou melhor, eu não acredito na maior parte do povo, ou melhor, eu não acredito politicamente no povo português.


Se não, vejamos o que se vai passar nas próximas eleições.

De certeza que não vão ser como as do Brasil, da Venezuela ou da Bolívia.

No dia de finados estive no cemitério em curta romagem à campa de meus pais.

Um imenso lençol de mortos jazia debaixo da terra, e um imenso mar de vivos (ou não seremos todos mortos-vivos?) deambulava à flor da terra. Os de baixo expiraram. Nós, os de cima, ainda inspiramos alguma coisa, mas não sabemos respirar, asfixiados que estamos pelo garrote do poder e pelo incenso da Igreja.

Por isso eu não acredito no povo.

Se não, vejamos o que se vai passar nas próximas eleições.

O povo, em vez de abrir a janela de par em par para respirar ar puro, vai pedir novamente a máscara de oxigénio.

O país está infestado de ratos. Os ratos roeram tudo, os ratos roeram o país, os ratos deixaram o país feito em buracos. Mil e tal milhões de buracos, sessenta milhões de buracos, trinta milhões de buracos, vinte milhões de buracos, dez milhões de buracos… Os ratos comeram tudo e também os olhos do povo, e o povo, cego, tem um frasco de raticida na mão, mas em vez de o atirar para cima dos ratos deita-o pela retrete abaixo.

Por isso eu não acredito no povo.

Se não, vejamos o que vai acontecer nas próximas eleições, dia em que o povo dirá, alto e bom som: são tão macios e puros, os ratos! Venham de novo os ratos, os nossos abençoados salvadores!

O país cheira mal que tolhe. Cheira a fraude, cheira a queimado, cheira a corrupção por todo o lado. Tudo o que é direita infecta e dejecta. Quando ao fim de quatro anos a fossa está cheia, a “democracia” pede ao povo para a despejar, e o povo, em vez de a lavar bem lavada e encher de água limpa, oferece-a de mão beijada a uma nova equipa de cagadores.

Por isso eu não acredito no povo.

Se não vejamos o que se irá passar nas próximas eleições. O povo, em vez de lhes atirar com a merda à cara, varre-a para debaixo do tapete e com o ar mais cândido diz: não é merda senhor, são rosas!

Os que antecederam Cavaco, desenraizado personagem de divina comédia, nada-tudo-nada deste pobre país, ( vide artigo de Batista Bastos, os tristes dias do nosso infortúnio) andaram por aí, por essa Europa, a tentar descobrir o melhor local para espalhar um cemitério. Cavaco adiantou-se como coveiro, começou a abrir a cova para enterrar Portugal, e os seus ”boys” carregaram o caixão às costas, alternando com os “boys” do PS. E o povo ingénuo, sempre a pensar que ia numa procissão do Senhor dos Passos, com a Igreja à frente aspergindo água benta!!!

Por isso eu não acredito no povo.

Se não, vejamos o que vai acontecer nas próximas eleições, quando o povo clamar solenemente, frente ao mesmo ecran do Preço Certo: Ámen! Deo Gratias! Gloria in Excelsis Deo!

(ilustração de Adão Cruz)


13 comentários:

  1. Va de retro Satanás! Do que eu mais gostei foi do milagre das rosas :)
    Mas gostei dessa metáfora malcheirosa toda.

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  2. Adão, tens razão, já devíamos ter obrigado esta gente política, ao menos, a fechar partidos e abrir outros, a fazer coligações e matar preconceitos que impedem que PCP e BE possam governar, tudo isso. Mas não vamos poder mudar de povo, o mesmo que cavalgou as ondas nas caravelas agora, está em coma. Na Grécia batalham nas ruas mas nós vamos, ordeiramente, descer a avenida com os sindicatos a controlarem "o políticamente" correto!Aproveitando a onda escatológica, isto é uma merda!

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  3. O povo vota em quem vota e pronto. Se o povo não vota no PCP, nem no BE, nem no CDS é porque não os quer, porque o povo português, mesmo teso, é burguês. Eu sou burguês, não os quero. Mas que culpa tem o povo que à frente do PS e do PSD esteja gente incompetente (nos outros também estão mas não se distinguem). É que ao povo não é dado votar nos melhores mas nos menos piores. Logo, eu não acredito nem deixo de acreditar. Digo como o outro que previu o pântano e deu de "frosques":É a Vida. Por isso o que veio a seguir tratou logo da vida dele e bem, porque tratar do país e do povo era um atraso de vida. Agora temos um que nos tem dado cabo da vida e já outro se prepara para, com a sua juventude, asfixiar a vida do povo.Paz à nossa alma!
    Verdade, verdadinha! O seu texto está precioso. Gramei à brava!

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  4. Augusta, é uma triste metáfora.
    Não temos outra expressão, Luis. É dramático, mas a única palavra que existe para definir tudo isto é mesmo merda.

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  5. e porque o povo é quem mais ordena... já anda por aí muito povo a reclamar. Eu continuo a acreditar no povo que não embarca em améns mas... não acredito na sociedade civil feita à imagem e semelhança do seu criador.

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  6. O povo como entidade abstracta dificilmente pode ser responsável por alguma coisa.
    Mandá-lo à merda fez-me lembrar a cena do Pinheiro de Azevedo.
    Luís, o PC e o Bloco ao poder, além de abstracto são fantasias inimagináveis.
    Uma curiosidade; tens escrito vários textos sobre o mar, hás-de ler o programa eleitoral do BE (onde tenho vários amigos), não fala uma vez do mar, nem para dizer que a sua água é um descongestionante das fossas nasais.

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  7. Pois é Carlos, só nos resta desistir, coisa que não queremos. É como dizes isto é a quadratura do círculo, resto o gozo (pequenino) de ver que o centrão tem cada vez menos eleitores...

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  8. Amigo Sales, concordo consigo e obrigado pelas considerações em relação a um género de texto que detesto fazer. Mas a revolta, por vezes, empurra-nos para este tipo de coisas,especialmente porque me custa muito que fiquemos apenas no "Paz à nossa alma!"

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  9. Amigo Carlos Mesquita, não creio que o povo seja uma entidade assim tão abstracta e angustia-me todo este fatalismo. Do ponto de vista da conjuntura internacional, eu acredito que seja inimaginável ser possível entregar o poder ao PCP ou ao BE. Do ponto de vista político e social, eu e muita gente como eu, em consciência e com seriedade,não teria a menor relutância. Mas se o povo não estivesse mentalmente emparedado entre a anquilose do pensamento político e religioso, e, por conseguinte, dentro dessa prisão mental que o poder pretende, poderia ser capaz de vislumbrar, ao menos, a possibilidade de escolher os melhores ou menos maus, e conseguir assim um melhor equilíbrio de forças que lhe permitisse resistir com mais eficácia à quadrilha que tomou conta do país e do mundo.

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  10. Estou de acordo com quase tudo e em desacordo com muito pouco. Uma das coisas com que estou em desacordo e em que o Adão e comentadores, de forma geral, é particularizar o povo português nesta atracção do abismo, votando em quem se sabe que o vai trair. Acontece em todos os países, sobretudo nos mais "civilizados" nos mais com as máquinas partidárias a funcionar em pleno, o marketing político, os opinion makers... Que dizer das escolhas do eleitorado italiano ou do francês? E são países de maior tradição democrática. Comparar com o Brasil ou com a Venezuela, não parece fazer sentido, pois aí prevalece a demagogia caudilhística tão própria da América Latina - é outra realidade. Mas até nessa região do mundo, num país menos subdesenvolvido culturalmente, como é o caso do Chile, com uma vivvência tão recente de uma ditadura de direita, os chilenos preferiram um Sebastián Piñera, comprometido com os militares golpistas e traidores, que sucedeu à socialista Michelle Bachelet. Não somos um caso isolado, Para vos ser franco, não acredito que o eleitorado escolha o Passos Coelho - a teoria das fraldas (do Eça de Queirós), aqui não faz sentido, pois seria substituir uma fralda suja por outra ainda mais suja.

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  11. Carlos,estou de acordo contigo quando dizes que isso não acontece só em Portugal. Claro que não! Quando me refiro ao povo, refiro-me em particular ao nosso, mas é ao povo em geral desta aldeia planetária que me refiro. Quanto à demagogia caudilhística da América Latina, chama-lhe o que quiseres, mas o que é certo é que em pleno encurralamento dos povos na esfera imperialista, o povo sabe resistir como outros não são capazes, daí retirando dividendos, como são a franca melhoria da cultura e das condições sociais, absolutamente inegáveis e confirmadas pelo próprio FMI,na Venezuela, no Brasil e na Bolívia. O povo é outro, ao fim e ao cabo. Põe um desses corajosos políticos a quem chamas caudilho aqui em Portugal, e verás logo a igreja e a carneirada do nosso povo a rezar à senhora de Fátima para o esconjurar.

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  12. A povos diferentes, correspondem classes políticas diferentes. O caudilhismo correponde a um patamar históricoi que os europeus viveram no século XIX e que se prolongou pelo XX, com os regimes auroritários que por aqui tivemos. vivemos em democracias supostamente mais avançadas, mas que no fundo mais não são do que o resultado de um marketing político diferente. Para te esclarecer sobre o que penso, de facto, dos políticos, digo-te que, de uma maneira geral acho o Sócrates, o Zapatero, o Sarkozy, a Merkel, o Berlusconi, uma pandilha de crápulas. E gosto muito do Hugo Chávez. Já o Lula, mais conciliador e contemporizador, não me agrada nada. Vamos ver a sucessora.

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  13. É mais ou menos o que penso.

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