Eva Cruz
As palavras são boas. As palavras são más. As palavras ofendem. As palavras pedem desculpas. As palavras queimam. As palavras acariciam. As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas. As palavras estão ausentes.
Algumas palavras sugam-nos, não nos largam... As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas. O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam, julgando pensar o que fazem. Há muitas palavras. E há os discursos, que são palavras encostadas umas às outras, em equilíbrio instável graças a uma precária sintaxe, até ao prego final do disse ou tenho dito. Com discursos se comemora, se inaugura, se abrem e fecham sessões, se lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas de veludo. São brindes, orações, palestras e conferências. Pelos discursos se transmitem louvores, agradecimentos, programas e fantasias. E depois as palavras dos discursos aparecem deitadas em papéis, são pintadas de tinta de impressão - e por essa via entram na imortalidade do verbo. E as palavras escorrem tão fluidas como o "precioso líquido".
Escorrem interminavelmente, alagam o chão, sobem aos joelhos, chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço. É o dilúvio universal, um coro desafinado que jorra de milhões de bocas. A terra segue o seu caminho envolta num clamor de loucos, aos gritos, aos uivos, envoltos também num murmúrio manso, represo e conciliador... E tudo isso atordoa as estrelas e perturba as comunicações, como as tempestades solares. Porque as palavras deixaram de comunicar. Cada palavra é dita para que se não ouça outra palavra.
A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça. Daí que seja urgente moldar as palavras para que a sementeira se mude em Seara. Daí que as palavras sejam instrumento de morte - ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do ato. Há também o silêncio.
O silêncio, por definição, é o que não se ouve. O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. O silêncio é fecundo. O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar. Caem sobre ele as palavras. Todas as palavras. As palavras boas e as más. O trigo e o joio.
Mas só o trigo dá pão.
As minhas palavras a Saramago
Levantado do chão
como só os Homens são capazes
não há morte que te leve.
A Lucidez da tua obra
curará os olhos da cegueira.
E as palavras de ternura do teu Evangelho
correrão límpidas como um rio
regando a terra
onde só o trigo há-de crescer
e dar pão.
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
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Quero ser a primeira a comentar: cheio de poesia, cheio de força e cheio de verdade. Este Evento é uma beleza, Eva. Gostei muito.
ResponderEliminarMuito bom, Eva. Agora sempre quero ver como vou eu arranjar um evento a este nível...
ResponderEliminarObrigada aos dois.A vossa sensibilidade é que é especial. Um beijinho.
ResponderEliminarO mundo gravita entre o silêncio e a palavra pelo meio vai saltitando o soluço, balanço desta grande admiração. Parabens
ResponderEliminarpaxiano