quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A NATO e o imperialismo


João Machado


Nos próximos dias 19 e 20 do corrente mês de Novembro, amanhã e depois de amanhã, realiza-se em Lisboa a cimeira da NATO. Vão ser tratadas questões como a situação no Afeganistão, a defesa anti-míssil, as relações com a Rússia, e outros temas. Parece claro que se vai procurar um maior envolvimento dos países europeus nas acções bélicas da NATO, sobre as quais alguns analistas prevêem um alargamento num futuro próximo. Vai-se discutir com certeza em que parte (ou partes) do planeta vão ser desenvolvidas as novas acções, no Irão, no Extremo Oriente ou na América Latina.

A NATO foi criada em 1949, na sequência do Tratado do Atlântico Norte, assinado em Washington pelos representantes de doze países. Anteriormente, em 1948, cinco países europeus, a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo, a França e o Reino Unido, tinham assinado o Tratado de Bruxelas, formando a Organização de Defesa da União da Europa Ocidental. Assim, foram estes países mais os EUA, o Canadá, Portugal, a Itália, a Noruega, a Dinamarca e a Islândia que posteriormente formaram a NATO. Esta actualmente conta com 28 países, todos situados na Europa, excepto os EUA e o Canadá.

É importante não esquecer que o grupo de países que assinou o Tratado de Bruxelas, sem o Reino Unido, mas com a Itália e a República Federal da Alemanha (ou Alemanha Ocidental), em 1951 formou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), embrião do que hoje é a União Europeia. Em 1952 estes mesmos países assinaram um tratado que criava a Comunidade Europeia de Defesa (CED), que inclusive previa a criação de um exército permanente europeu. Mas este tratado nunca entrou em vigor por não ter sido ratificado pela França. A CED nunca chegou a ter uma existência real. Sem dúvida que a história recente e a situação predominante na Europa naquela altura influenciaram determinantemente estes acontecimentos. O receio do rearmamento alemão, o acender da guerra fria, a guerra da Coreia, a ameaça do conflito atómico entre o Leste e o Oeste, a emergência do Japão e da China no primeiro plano da cena internacional foram claramente factores de peso que levaram a que a NATO, organização que no início se pretendia que tivesse mais uma natureza política, mas que rapidamente assumiu um papel predominantemente militar, assumisse o papel de defensora do Ocidente e dos seus valores.

Os EUA, assim, sendo o principal suporte da NATO, financeiro e militar, assumiram o protagonismo da defesa daquilo que se chama o Ocidente. A trave mestra da ideologia política dominante neste país tem sido, desde sempre, o liberalismo económico, que culminou no capitalismo financeiro desenfreado, que tão grandes problemas tem causado, desde há mais de um século, com reflexos em todos o mundo. A sua actuação na esfera pública, com especial relevo nas relações internacionais, norteia-se pelos princípios do realismo político, que dá o primado na vida política ao prosseguimento do interesse nacional, independentemente de considerações ligadas à moral geral. A manutenção da segurança (com a óbvia ligação à defesa do statu quo) é outro ponto primordial. Estes princípios, definidos por Hans Morgenthau, ainda na década de quarenta, e prosseguidos por Henry Kissinger e outros, foram aceites e defendidos pelos sucessivos governos americanos, umas vezes mais entusiasticamente (terá sido o caso dos Bush, pai e filho), outras vezes menos (casos de James Carter e de Obama). O Pentágono, o complexo militar-industrial e outras instituições velam pela continuidade deste sistema, fortemente assente no poderio militar norte-americano.

Foi este conjunto de acontecimentos e de circunstâncias que nos trouxe até ao momento presente. O primeiro secretário-geral da NATO, Lord Ismay, disse que a NATO existia para manter os russos do lado de fora (out), os americanos do lado de dentro (in) e os alemães derrubados (down). Esta afirmação está sem dúvida desactualizada, os alemães são hoje em dia membros de pleno direito da NATO (mas a Europa continua com uma capacidade militar reduzida), e o programa da cimeira que começa amanhã prevê uma reunião ao mais nível com a Rússia, em que, ao que parece, se vai tentar um acordo sobre o escudo anti-míssil, suspenso o ano passado, mas que se quer relançar (há ali um gigantesco investimento que obviamente não se quer desperdiçar). Contudo aquela afirmação de Lord Ismay, um general inglês com uma longa carreira, dá uma ideia clara sobre o carácter que logo de início se pretendeu imprimir à organização.

A aventura no Afeganistão não parece bem encaminhada, e também se vai discutir com certeza o caminho futuro a tomar. As informações que existem indicam que os militares norte-americanos querem reforçar as forças no terreno para continuarem o conflito em posição de vantagem. A oposição republicana também aponta no sentido da continuação da guerra (assim como alguns democratas). Obama vai portanto continuar com este problema nos braços, e a discussão na cimeira vai provavelmente consistir em como os EUA vão angariar mais apoios para a intervenção no terreno, isto é, mais tropas.

Antigamente a existência da NATO era justificada pelos seus mentores com o perigo comunista. Agora é com o terrorismo e outras ameaças à segurança, como o crime organizado, o tráfico de droga, etc. Obviamente que parte destas competências são, ou deveriam ser, competência da ONU, a quem deviam ser facultados os meios para os prosseguir. Em vez disso os EUA, nomeadamente os seus sectores mais conservadores, hostilizam a ONU, e vetam no Conselho de Segurança moções da maior importância, como por exemplo as respeitantes à Palestina. É verdade que outros países com menos poder, alguns deles europeus, seguem o mesmo caminho, mas sabe-se que o fazem movidos por interesses particulares. E estamos suspensos para ver como no futuro vai actuar a China.

Talvez a Turquia veja reforçado o seu papel na cena internacional, se se confirmar a hipótese de parte do famigerado escudo anti-míssil ser deslocado para o seu território, para ficar mais directamente para o Irão. Este deverá continuar com o papel que lhe atribuíram de lobo mau, e de assim contribuir para a justificação da existência da NATO. Penso realmente que o governo iraniano e a teocracia dominante no país são detestáveis, e que era bom que mudassem rapidamente, mas são os iranianos que deverão ter a palavra decisiva. E que há outros perigos maiores no mundo, como o expansionismo israelita, ou a tensão na Coreia, para além da fome e das epidemias, situações que deveriam essas sim, merecer uma grande atenção dos maiores poderes mundiais. E não acredito que o Irão tenha poderes militares assim tão grandes como lhe parecem querer atribuir.

A minha opinião pessoal é que a NATO devia ser extinta, e os seus serviços (que tenham algum interesse) encaminhados para a ONU, ou para outras organizações com actuação adequada na cena internacional. Os EUA deveriam aceitar que são um país como os outros, rico e poderoso é certo, mas sujeito às regras gerais (por exemplo, para quando a sua adesão ao Tribunal Penal Internacional?). Agências internacionais, mantidas pelos governos, deveriam funcionar nas várias partes do mundo para tratar dos problemas da segurança e do bem-estar. Temo, é verdade, que isto que penso não passe de utopias, e que ainda falte muito para que tenhamos mais paz, transparência, bem-estar e liberdade, coisas que nunca foram o objectivo da NATO, mau grado as opiniões com que nos bombardeiam todos os dias os seus defensores.

2 comentários:

  1. A NATO, criada por razões com que se pode não concordar, mas pelo menos se compreendiam, deixou de fazer sentido. Foi criada para deter a «ameaça soviética». Tendo esta ameaça desaparecido e sendo cada vez mais provável a entrada da Rússia na aliança, esta anacrónica organização que respondia à lógica capitalista de há seis décadas, não tem hoje outra justificação que não seja a maneira de os Estados Unidos poderem, sempre que isso sirva os seus interesses, envolver os estados europeus nas suas prepotentes aventuras militares (como foi no Iraque e como poderá ser no Irão). Nem que fosse por uma questão de maior proximidade e relação histórica, aos europeus devia preocupar muito mais o conflito israelo-árabe. Uma aliança militar que permitisse põr cobro de uma vez por todas às fanfarronadas dos falcões sionistas, muito valentes desde que os americanos lhes dêem apoio. Muito bom este texto do João Machado, expondo as questões fulcrais de maneira muito clara. E, quanto a mim, correcta.

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  2. Não parece que seja necessário embora tambem não me pareça que vá ser desmantelada. Por outro lado os europeus não querem gastar dinheiro em armamento e em tropas fandangas (fandangueiro, fandangueiro,/nem sei que nome lhe dar/quando dançava,dançava) por isso, só a entrada da Rússia na Nato pode mudar alguma coisa.

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