sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Evento da Literatura Portuguesa – A “Questão coimbrã”, 1865.

Sílvio Castro

A rebelião dos jovens estudantes conimbrenses de 1865, guiados pelo gênio de Antero de Quental, é um marco da modernidade portuguesa que supera os limites de um tradicionalismo prepotente e que, em politica, denuncia a decadência da revolução liberal e anuncia aquela socialista.

Não se trata tão somente de uma reação de jovens poetas e literatos estudantes da mais importante das Universidades portuguesas contra Antonio Feliciano de Castilho e o seu reconhecido poder político-cultural, mas como proclamação epocal.






São diversos os setores que a rebelião toca e modifica. O primeiro pode ser referido diretamente à Universidade e à sua linha político-didática. Coimbra sempre se mostrara uma sede universitária movida pelo autoritarismo de seus estatutos, aplicados pela radicalismo constante de sua classe docente. No movimento de 1865 tais valores são componentes substanciais contra os quais combate o comportamento geral dos estudantes, com à frente Antero de Quental e Teófilo Braga, ainda que não ocupem o primeiro plano absoluto da discussão geral.

Em estreita correlação com a ação de rebelião aos radicalismos institucionais e didáticos da Universidade, os ativistas de 65 se exprimem igualmente contra a predominância do espírito burguês sentida nas expressões sócio-cultural e política de Portugal. Ainda que imbuídos de um inicial, mas evidente espírito positivista, os rebeldes de Coimbra são igualmente herdeiros do espírito romântico mais revolucionário. Mesmo sendo o positivismo nascente uma tendência à afirmação da burguesia na complexa divisão das classes sociais, isto não impedia aos aos jovens revolucionários conimbrenses de proclamarem dialeticamente uma atitude anti-burguesa no quadro da realidade nacional. Atitude de profunda natureza cultural que propunha principalmente uma nova moral para os comportamentos individuais. A nova moral se confrontava e negava os valores convencionais da ainda limitada, mas potente burguesia emergente, valores que abrangiam um largo espaço, da economia, à política, à religião.

Outro fator que determina a Questão coimbrã se refere à problemática do dito “gosto burguês“, do gosto convencional. Naturalmente a ação de natureza cultural que guia os jovens de 65 transforma a contestação de ordem moral, para aquela outra estético-cultural do “gosto” em geral.

Neste exato ponto se ajusta a ação direta contra a personalidade e o poder político-cultural de Castilho. A Questão nasce diretamente de dois polos: o primeiro é a apresentação que Antonio Feliciano de Castilho faz para as poesias de Pinheiro Chagas do volume Poema da Mocidade, apresentado pelo lider conservador como a máxima voz da moderna poesia portuguesa a opor-se contra os desvarios de jovens poetas, como Antero de Quental; o segundo polo é o famoso panfleto de Quental, Bom Senso e Bom Gosto, Carta ao Ex.mo Sr. Antonio Feliciano de Castilho. Nele Antero de Quental proclama a sua incontida indignação:


“V. Ex.a fez-se chefe desta cruzada tão desgraçada e tão mesquinha. Não

posso senão dar-lhe os pêsames por tão triste papel. Mas se eu, como homem, desprezo e esqueço, como escritor é que não posso calar-me; porque atacar a independência do pensamento, a liberdade os espíritos, é não só ofender o que há de mais santo nos indivíduos, mas é ainda levantar mão roubadora contra o património sagrado da humanidade – o futuro.“


Começava assim um novo tempo não só para a literatura portuguesa, mas igualmente para a cultura política do País, novo tempo culminado em 1910 com a proclamação da República que teria como seu primeiro Presidente provisório um dos mais focosos rebeldes de 1865, Teófilo Braga.

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