quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Lagoa Henriques (1923-2009) – Um construtor de imagens

Clara Castilho


A Fundação LIGA (constituída em 2004 surgindo na continuidade das associações fundadoras, a LPDM, de 1994 e a Liga Portuguesa dos Deficientes Motores (1954), inaugurou no passado dia 21 de Outubro, uma exposição de homenagem ao homem, ao poeta, escultor português que foi o Mestre Lagoa Henriques, destacando o exercício pedagógico que foi o seu percurso de vida.

O projecto museológico da exposição tem como intuito abranger transversalmente um público heterogéneo e envolve três núcleos expositivos: a Obra Artística, distinguindo a escultura, o desenho, a poesia e o diálogo entre elas; a Acção Pedagógica, especificando a comunicação visual e a educação do olhar nas escolas de Belas Artes e Meios de comunicação e a relação com a Fundação LIGA.
A Fundação situa-se na Rua do Sitio ao Casalinho da Ajuda
1349-011 Lisboa

Antigos alunos realçam a força com que ele transmitia aos estudantes o dinamismo em oposição ao academismo que reinava na época anterior ao 25 de Abril. As suas aulas estavam sempre cheias, tendo sido o introdutor nos curricula de uma nova cadeira, a de Comunicação Visual.

Talvez a sua obra mais conhecida seja a estátua de Fernando Pessoa.

Mas deixou muitas obras de arte pública em várias localidades, como a escultura de Alves Redol em Vila Franca de Xira, que causou polémica na altura, por ter retratado o escritor nu, apenas com a boina na cabeça.

Lagoa Henriques também trabalhou como cenógrafo sobretudo com Carlos Avilez, nomeadamente nas peças Maria Stuart de Schiller e D. Duardos de Gil Vicente. Escrevia poesia, actividade que mantinha como regra de vida diária.

Trabalhou também para a televisão com séries sobre os grandes desenhadores, “Risco Inadiável”, “Pare Escute e Olhe” sobre temas da arte e Portugal, “ Passado e Presente” sobre património natural, humano, urbano, arquitectónico e artístico, que hoje constituem grandes momentos da televisão portuguesa. Para além de ser um formador de artistas, Lagoa Henriques acreditava profundamente na Educação pela Arte, uma educação para todos, que pode tocar todos os seres humanos.

O seu atelier, na Av. da Índia, logo a seguir ao CCB As traseiras do seu atelier



Numa entrevista que deu à revista Noesis (nº 40 – Out/Dez 1996) falou do porquê de se chamar “Mestre” – porque foi professor. E diz que como Mestre teve o Prof. Agostinho da Silva que foi o responsável por ele ter seguido a via da escultura. Ao ver os seus desenhos, disse-lhe que era esse o seu futuro. E fê-lo ir comprar barro para, pela primeira vez, o trabalhar. Agostinho da Silva deslocou-se, então, a sua casa para ver o que dali tinha saído… E logo falou com seus pais para os convencer a deixá-lo seguir estes estudos…

Ressalto a sua definição de “bom professor” – “aquele que acredita ter muito que aprender, até com os próprios alunos”.

Conheci Lagoa Henriques há cerca de dez anos. A Instituição de que faço parte pensou que era altura de prestar homenagem a João dos Santos de uma forma mais visível, através de uma estátua na sua cidade – Lisboa. Tendo tido a garantia de um subsídio por parte da autarquia, escolhemos Lagoa Henriques para ser o seu autor. E assim me dirigi ao seu atelier para o cativar para o projecto.

E foi um dos dias mais marcantes da minha vida! Já tinha visitado atelier de pintores, já estava habituada à grande confusão, mas aquele ultrapassava tudo! Pedras grandes, pedras pequenas, madeiras, gaiolas de pássaros, uma fotografia com mais de 3 metros de altura de Eunice Munoz, jovem e bela…E carradas de pó que me puseram logo a espirrar ( e não sou alérgica, senão tinha de ter fugido a sete pés…) Subindo umas escadinhas entrávamos na parte particular, a sua casa. Aí encontrávamos o mesmo tipo de arrumação, cantinhos e mais cantinhos cheios de recordações, livros, objectos com alguma coerência entre si. Estava o Mestre muito triste porque o gato estava doente. Logo aí tivemos tema de conversa, dado que eu também adoro gatos e o dele veio entabular conversações comigo e “dialogamos”os dois. E assim fiquei nas boas graças de Lagoa Henriques.

Apresentou-me, a páginas tantas, uma jovem de 17 anos que vinha descendo de um canto onde tinha estado a trabalhar. Queria aprender a desenhar e estava ali a ter lições. E tinha lido uma obra de João dos Santos e estava encantada com as coisas que ele escrevia… Mais um laço na teia que se ia desenrolando…

Desloquei uns livros para poisar outros e vi um livrinho de poesia escrito por meu irmão, antigo aluno do Mestre e que lho lá levara. Mais tema de conversa, outro lado da teia…

E sobre a estátua, lá fomos revendo lembranças sobre João dos Santos, combinando coisas para levar a cabo o nosso projecto…

Saí dali com uma sensação muito estranha, quase flutuando no ar, espantada com as coincidências que nos podem acontecer em duas horas. Era uma sensação agradável, daquelas propulsoras da continuidade dos dias com alguma paz, serenidade e sentido de pertencermos a uma comunidade que se reúne à volta de pessoas com valor.

As verbas demoraram a chegar, o projecto acabou por não ser levado a cabo por Lagoa Henriques. Mas, para a sua finalização, ainda frequentei muitas vezes aquele atelier, almocei em convívio com os escultores lá residentes, vi a evolução do esboço que se veio a transformar em estátua, obra de Carlos Amado, também ele falecido no início deste mês. Mas não voltei a sentir a mesma qualidade de relação, a mesma qualidade de trabalho, a mesma qualidade do ser.

Ainda não vi a Exposição patente na Fundação Liga. Mas foi um pretexto para pensar na pessoa Lagoa Henriques, no professor Lagoa Henriques, no escultor Lagoa Henriques, “construtor de imagens”, como ele gostava de ser chamado!

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