Paulo Melo Lopes
Os secos braços de Marjorie forçam a furiosa marcha da bicicleta sobre a ponte fria de Saint Exupéry, em Paris. A ponte é feita de pedras. As pedras magoam muito quando batem com velocidade. As pedras também magoam muito quando alguém lhes bate com velocidade. Da cara de Marjorie escorre sangue para o rio.
(No Outono, o Sena reclama suicidas. Todos os anos, quando água mais fria banha as margens, o entristecimento da luz empurra gente para o fundo do rio, onde o lodo as recolhe com braços quentes. O Sena é um rio de mulheres, sobretudo; parece não querer os homens: a maior parte deles nada para as margens ou agarra-se aos barcos de recreio que pululam de turistas encasacados. [Quis a mão de Deus que Henri de Vicariate encontrasse refúgio num desses barcos, o “La poulette”, onde duas japonesas (chinesas, tailandesas), Ling (?) e Lang (?), melancólicas órfãs recolhidas pelo engenheiro que programou o acerto dos relógios nos primeiros telemóveis, lhe sorriram e o fotografaram como de artista famoso se tratasse. Henri de Vicariate devolveu o sorriso. Na margem, Nougete procurou desesperadamente o seu amado.])
Marjorie tem andas de metal. Baixa-se muito para chegar com as mãos ao guiador, formando uma corcunda nas costas. À cabeça transporta um chapéu amarelo enfeitado com penas de pavão.
(No Outono, o Sena canta baixinho cantigas de embalar; dizem os entendidos que chama corações partidos. Eis alguns exemplos:
1. Elena Cardailac – desaparecida no Sena a 27 de Outubro de 1879. Não mais foi vista.
2. Isabelle Marival - desaparecida no Sena a 2 de Novembro de 1945. A 3 de Novembro foi vista, nua, caminhando sob a luz crua da Igreja de Notre Dame.
3. Adeline Marie – desaparecida no Sena a 17 de Novembro de 1899. A 19 de Novembro saiu do rio e mordeu um homem que passeava na margem. O homem morreu.
4. Michelle Chapelle – desaparecida no Sena a 29 de Novembro de 1900. Entre os dias 3 e 4 de Dezembro, sentou-se, imóvel, num banco do parque público de Saint Exupéry.)
Marjorie passa em frente ao anexo pardacento onde Krief sacia a fome nas fartas mamas de Nougete. Do outro lado da rua, e através das janelas do Hospital de Saint Exupéry, Marjorie vê que uma enfermeira esbofeteia violentamente uma mulher.
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
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Muito interessante. O rio é feminino - la Seine.
ResponderEliminarSerá essa a razão?