(dedicado à Isabel Fernandes, ao Jorge Alves, à Andreia Dias e ao Adão Cruz)
Augusta Clara de Matos
Quando chegámos, tinha havido guerra no Olimpo. O sémen de algum deus poderoso espalhara-se pelo céu e semi-escondera a Lua. Uma abóbada opalescente e translúcida filtrava um pouco de luar, o bastante para tornar a noite mágica.
Rodeava-nos o silêncio e só se ouvia o piar do mocho.
Mas, durante o dia, no Monte dos Abibes, não se consegue esse silêncio porque o Mao Zedong e o Chu En-Lai cavalgam desalmadamente atrás dos gatos a quem declararam uma guerra sem quartel que leva os pobres dos felinos a trepar às árvores a uma velocidade supersónica e a fazer equilíbrio nos suportes da armação da parreira.
Não se pense que pairam por ali as almas penadas dos antigos dirigentes comunistas chineses. O Mao e o Chu são os dois cachorros perdigueiros que os donos, os
meus amigos Isabel e Jorge, em cujo monte me sinto em casa, sabe-se lá por que secretas motivações da mente humana, resolveram baptizar desta maneira. Eles que nunca na vida foram maoistas.
Quem me havia a mim de dizer que o Mao Tsé Tung ainda me ia lamber as orelhas.
E, no meio de todo este sarrabulho, aconteceu um mini tornado que, segundo me disseram, é por ali habitual devido ao maior aquecimento do ar em certas zonas do terreno.
A meio da tarde, estava eu sentada a olhar os campos quando uma espécie de girândola, que associei ao mecanismo de rega, se levantou a uns cem metros de local onde me encontrava e começou a avançar na minha direcção, abanando furiosamente as árvores e os arbustos à minha frente como se estivesse a ver um filme. Em meu redor nada mexia. Só aquela desvairada massa de ar se deslocava e trazia tudo por diante.
Pensei que, dessa vez, ia voar. Mas, tão rapidamente como começou, o reboliço eólico estancou praticamente aos meus pés.
Dei por mim a sorrir. Os deuses estavam felizes por eu ter voltado ao Alentejo. Um abraçara amorosamente a Lua à minha chegada, outro cessara a fúria junto a mim e afagara-me. Percebi que se tinha cumprido um ritual, uma dança de boas vindas.
No Monte dos Abibes, não há abibes, esse passarinho bonito e colorido, mas não faltam sons de interminável felicidade. Muitas aves por ali pululam, umas cantam outras não: o pardal, a cotovia-de-poupa, o tordo comum, a rola, o melro e outros, por certo, povoam o espaço de um alegre chilrear que só à noite se aquieta.
Os aromas são outra das sensações paradisíacas que não nos abandonam enquanto estamos no Monte. As culturas e as mini produções biológicas de ervas aromáticas a que o Jorge se dedica fazem apelo a todos os nossos centros olfactivos que devem ser os órgãos do corpo que mais trabalham enquanto ali permanecemos.
Cheira a alecrim,a alfazema, a tomilho, a coentros, a hortelã, a hortelã da ribeira, a poejos, fora tudo o resto que não cheira mas está lá. Cheiros “para entontecer as cabeças saudáveis” diz a Isabel, e com razão.
E, finalmente, as árvores, essas eternas companheiras A grande presença do genuíno carvalho português, do pinheiro manso, do castanheiro, do loureiro, da tília, do sobreiro, do cedro, da laranjeira e do limoeiro.
À tarde, fomos as duas deambular pela Serra d’Ossa. Tirámos fotografias. Particularmente este tronco de sobreiro seco e moribundo fez vibrar as minhas cordas sensíveis e lembrar os últimos versos do belo e pungente poema da Florbela “Árvores do Alentejo”:
Árvores! Não chorais! Olhai e vêde;
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!
E voltou a chegar a noite, fresca mas agradável.
Tinha recebido um telefonema que me fizera feliz. Sentei-me lá fora. Desta vez a Lua descoberta, grande, mesmo por cima de mim, inundava o campo. Só se ouvia o piar do mocho.
A Andreia disse-me que era o mocho-galego e eu acreditei. Ela é que sabe disso.
(A primeira foto, a do portão, é da autoria do Jorge Alves)
Estou de corrida e tenho pouco tempo para estar no computador. Este fim de semana também não estou. Mas não podia deixar passar em branco este belo texto-poema da Augusta. Linda descrição do Alentejo, que além de nos fazer ansiar correr até lá, nos faz sentir mesmo lá.Quanto à dedicarória nem falo. Honra-me muito. Um beijinho assim como aquele mini-tornado.
ResponderEliminarUm beijinho para ti :)
ResponderEliminarGostei muito. A poesia do texto é nostalgia de Alentejo e seus cantares.
ResponderEliminarObrigada, Eva. Quem escreve com tanta beleza sobre a vida no campo só podia ser tão gentil. Um beijinho
ResponderEliminarEscreves com um ritmo e uma beleza pouco comuns.Gostei muito, pega lá um abraço amigo
ResponderEliminarOutro, Luís :)
ResponderEliminarO Abibe é um passarão. Chama-se também Ave Fria, no Inverno talvez andem por lá.
ResponderEliminarPassarão, caro(a) CM? A mim disseram-me que era um pássaro pequeno. A Andreia logo nos tira essas dúvidas.
ResponderEliminarÉ semelhante à tarambola, mas de fraque, com poupa e com patilhas, vestem gravata preta na época do acasalamento.
ResponderEliminarDo tamanho dos pombos, patas altas vermelhas e asas escuras de vários tons metálicos.
Vou enviar-te uma para o teu mail, não precisas alimentá-la.
Que honra, Augusta! Muito obrigada!
ResponderEliminarQuando penso em Alentejo, logo me recordo de ervas aromáticas, e o teu texto cheira a poejo e a menta... que maravilha... por momentos "mergulhei" nas planícies e saltitei de chaparro em chaparro...
Quanto ao abibe, "ave fria" como também lhes chamam os espanhóis por chegarem à Península Ibérica vindas do Norte da Europa e no início do nosso Inverno, seria incapaz de fazer uma descrição tão gira como a fez o Carlos :-))