António Sales
O meu amigo Carlos Loures tratou de mandar a cartada, e bem, para eu recordar o Manuel de Pedrolo. O meu amigo e compadre Manuel Amaral (1921-2003), escritor amarantino de uma cultura elevada, que sabia da Catalunha como eu posso saber de Sintra, tratou de me apresentar ao Fèlix Cucurull (1919-1996), em Lisboa, e com os contactos que me forneceu, ao Manuel de Pedrolo (1918-1990) em Barcelona e ao Miquel Lladó (1919-1999) em Andorra la Vella. Curiosamente tudo gente do mesmo saco que tinham os mesmos ideais para a Catalunha, haviam perfilhado de armas na mão a luta contra o franquismo, conheciam-se e eram amigos e nasceram pela mesma altura. Variavam na forma de radicalismo ao interpretarem a defesa da língua e cultura catalãs.
Dos três, que conheci pessoalmente e com quem convivi algumas vezes, Manuel de Pedrolo foi com quem mais privei quando estive em Barcelona, era também o mais radical. E se falávamos os dois em castelhano significava uma especial atenção para comigo mas, sobretudo, não havia um terceiro capaz de se dispor a traduzir como aconteceu com o Manuel Amaral no seu encontro em 1985, em que Xosé Lois Garcia, poeta galego vivendo na altura em Barcelona desempenhou esse papel. Isto ilustra bem a intransigência catalã do escritor.
Conhecemo-nos pelos finais de 1971 ou início de 1972, com uma diferença de idades considerável visto que eu teria 36 anos e ele 54. Contudo, isso não influiu os nossos paleios nas diversas noites que nos juntámos (ou jantámos) num café-bar com decoração fin-de-siécle, confinando com a majestosa Praça da Catalunha e o início da Rambla Caneletas (castelhano), Caneletes (catalão), de que o bar tomara o nome.
Manuel de Pedrolo já nessa altura era um escritor conhecido em Barcelona, na Catalunha e mesmo fora, ainda que não autorizasse a tradução dos seus títulos para castelhano. Aqui chegados entrávamos no ponto-chave da conversa separado por duas visões distintas. Eu entendia a tradução para castelhano como forma de ampliar o conhecimento dos problemas catalães pela pena de um escritor conhecido; ele entendia como uma cedência, ou seja de certa forma o reconhecimento do poder de Castela. Mesmo quando convidado para entrevistas na rádio e na televisão rejeitava sempre pois exigia falar em catalão, o que estava proibido pela ditadura de Franco pelo Pedrolo negava-se em aparecer e deixava o seu pensamento votado ao silêncio. Os outros dois escritores que referi tinham uma atitude mais pragmática sem que isso significasse tolerante. Se outros existiram como Pedrolo desconheço-o, naturalmente, e admito que sim. Todavia, assumo que se o fascismo me deixava passar pelo buraco de uma agulha eu aproveitava para procurar miná-lo.
Logicamente, com ele eram longas estas conversas. Depois vinha a história catalã de que me falava na sua voz cativante e entusiasmada ensinando-me a compreender melhor os sentimentos e a revolta daquele povo. Aprendi muito com este homem para o qual não existia aquela diplomacia astuta que o português usa quando procura atalhos para atingir objectivos. Objectivos. Ele não, ia directo. Não significa que Cucurull e Lladó não fossem aguerridos catalanistas, mas não deixavam de escrever ou falar em catalão se verificassem que em certas circunstâncias isso era útil à causa catalã. As coisas eram de tal ordem que em 1972 estes e outros escritores catalães, que pertenceram em Genebra ao júri do prémio dos Jogos Florais das Letras Catalãs, acabaram multados em 200.000 pesetas cada um e foi-lhes cassado o passaporte. Nada disso impediu o seu sucesso editorial visto que em 1985, no encontro que teve com o Manuel Amaral, anunciava-lhe que os seus livros estavam a fazer tiragens de 100.000 exemplares numa língua limitada pelos poucos indivíduos que na sua totalidade a falam.
Pedrolo foi um autor de enorme fecundidade com mais de uma centena de títulos entre romances, poesia, teatro, ensaio e ainda traduções. Vivia da literatura e antes de atingir as elevadas edições danava-se a agarrar o que podia para sobreviver o que não o impediu de entregar À Associação dos Escritores Catalães o Prémio da Honra das letras catalãs com que foi premiado.
Quando morreu as Ramblas ficaram mais tristes. No dia 27 de Junho, o seguinte ao funeral, os maiores diários da Catalunha e o “El Pais” e “La Vanguardia” davam a notícia com destaque. O presidente do Governo Autónomo encontrava-se no Canadá mas telefonou logo no dia da sua morte e o Ministro da Cultura do Governo Central de Madrid, Jorge Semprún, assinalou a personalidade e obra do escritor. Em Portugal o único jornal diário que se ocupou da notícia do falecimento foi “A Capital”, em 24 de Julho, por iniciativa minha. Eu que antes e depois andei por aí ó tio, ó tio a propor o escritor às editoras na esperança que tivessem visão para se anteciparem aos acontecimentos. Não senhor! Provavelmente ainda hoje não sabem quem é este tal de Manuel de Pedrolo ou, se ouviram falar, supõem-no ainda vivo talvez na “Generalitat” a exercer um cargo político.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
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