quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O saber das crianças e a psicanálise da sua sexualidade –23 por Raúl Iturra.

(Continuação)

Esta minha necessidade, não precisava de desenvolver a rejeição que outros sentiam por mim. Nunca gostei de brincar a ser “doutor “ A minha curiosidade infantil procurava outras vias. Na minha juventude, sentia a necessidade de entender os outros e os seus mistérios e os mistérios do mundo para os curar ou encontrar uma solução, isto passou a ser para mim um objecto imoderado.

A inscrição na faculdade de medicina, parecia-me ser a melhor via para resolver o meu objecto do desejo de colaborar, embora sem sucesso. Experimentara a zoologia e a química, mas a grande influência que tinha sobre mim von Brücke, por mim considerado como a maior autoridade, levou-me à fisiologia (Note 4) E em fisiologia comecei, apesar de ser, nesses tempos, apenas histologia. Fui bem sucedido em todos os exames. Como em medicina, mas sem me interessar ser médico. O meu venerado professor convenceu-me que ia evitar que eu fosse um teórico. Foi assim que troquei a histologia do sistema nervoso à neuropatologia. Estas novas motivações, orientaram-me para estudar neuróticos. Contudo, a ausência de uma orientação real para ser médico, não abalaram os meus pacientes, a doença nada ganha com o entusiasmo de ser ou não médico. Para um doente, é melhor um médico frio mas correcto no seu trabalho.

O exposto antes é apenas para esclarecer a razão da terapia profana. Apenas para corroborar a minha legitimação, ou não, pessoal para analisar. É preciso somente independência e valor para psicoanalisar e afastarmo-nos do saber médico. Pode-se objectar nesta análise, que o saber psicanalista é um sector da medicina como ciência. Mas, medicina ou psicologia? Eis a questão. Confesso que todo o meu interesse é provar que a terapia não mata a ciência. Estas comparações levam a minha reflexão actual para muito longe das minhas anteriores reflexões. A análise é diferente da radiologia. Os físicos não precisam de doentes para estudar os raios x. O analista apenas tem esse material dos processos da psicologia humana. Estudo que só pode ser realizado com seres humanos. Há relações simples para comprender os neuróticos. São um « material » mais flexível e acessível que o ser humano normal. Se esse material é retirado a quem quer ser analista, as suas possibilidades de aprender ficam reduzidas a metade. Nem por isso, penso eu, criar neuróticos para ensinar analistas. Procriar neuróticos seria levar ao sacrifício seres humanos que já sofrem, para entregá-los àqueles que procuram saber científico. Este pequeno texto sobre a análise profana, é apenas para demonstrar as precauções necessárias que o analista deve ter quando trata deste tipo de doentes, devendo, também, fazer bem ao neurótico. Precauções já alertadas por mim. Posso afirmar que a discussão sobre o sujeito perseguido, anteriormente nomeado, é um debate que nada tem de novo. É preciso chamar à atenção que ele tem analisado sem reparar em essa realidade. Tudo o que foi dito sobre o diagnóstico diferencial, é verdade. O sistema corporal, necessita de um médico para diagnosticar. Mas, como o nome da pessoa não aparece, não sabemos se o saber médico é necessário. Não há qualquer interesse científico, mas a análise leiga tem uma imensa importância na vida social e nas vidas dos pacientes. Ao analisar um colega doente, eu próprio não precisei de usar o meu saber médico pessoal, até o próprio colega não confiava da análise médica. Eu próprio não sou muito favorável a análises médicas na psicanálise. O analista profano, antes de consultar os médicos, recorria a massagistas ou a outras pessoas semelhantes. O analista profano de profissão, apenas usava ou o massagista referido ou passava a ser um orientador de consciência laica. Orientação que passou a ter uma fórmula : "direction de conscience laïque" (Note 5), que servia para não procurar especialistas científicos. E curava…a questão está na fama social que estas pessoas adquirem. Os nossos amigos sacerdotes protestantes, e também católicos, libertam aos seus fregueses das suas inibições, com lições de crença e uma rudimentar orientação psicológica para resolução dos seus conflitos. Os psicólogos, os nossos adversários de psicologia individual da teoria de Adler, fazem o impossível para modificar comportamentos. Estes dois processos, o da orientação laica e o dos teóricos de Adler, têm inserido nos seus cuidados, teorias analíticas. Nós, analistas, damo-nos por completo na análise dos nossos pacientes, profunda e completamente, que até parece uma comunidade protestante, católica ou socialista, tentando aprofundar no processo de negação que o inconsciente faz, esse negar da realidade bem como outros que, como eu, se vê forçado, de forma pouco frutuosa, a reprimir as suas ideias e instintos ou orientações. O que nós fazemos é orientar a consciência até encontrar a melhor associação. Na psicanálise, desde o começo, é necessária uma união entre a cura e a pesquisa, um procurar do saber de si que triunfa e cura. É apenas, quando somos capazes de orientar a consciência analítica e aprofundar a nossa compreensão do paciente, que curamos. É essa a mais-valia científica, o prémio do analista.

Este debate fez nascer em mim a suspeita que, ao escrever sobre o analista profano, o texto é mal entendido. Os médicos estão contra este meu texto como se eu os tivesse declarado universalmente inaptos em frente dos seus colegas. Não é essa a minha intenção. Devo declarar que os médicos analistas sem formação, são bem mais perigosos, aparentemente, que os profanos. A minha opinião real pode ser transferida ao copiar uma reportagem cínica emitida por Simplicissimus (Note 6) sobre as mulheres. Um dos interlocutores desespera-se das fraquezas do belo sexo, enquanto um outro responde remarcando que a mulher é o melhor que há dentro do género humano. As mulheres são o que há de melhor como material entre os analistas. Apenas existe o direito que a sua preparação não tome vantagem sobre a aprendizagem do sexo masculino, sem tomar vantagem de serem mulheres para ganharem melhores lugares entre os estudantes da faculdade. (Note 7). Da mesma maneira, partilho o apoio dos que usam os materiais somáticos em relação aos problemas psíquicos e os seus fundamentos orgânicos, anatómicos e químicos, como fazem os analistas médicos. Não é possível esquecer, também, essa quantidade de pessoas que fazem psicanálise por um lado, e por outro procuram ajuda entre pessoas formadas em ciências do espírito Por motivos práticos, temos o hábito de separar as análises médicas das análises da psicologia. Isto não é correcto. Na realidade, a linha de demarcação está entre a psicanálise científica e a sua aplicação no sector medicamentoso e no não medicamentoso.

Os nossos colegas americanos sabem fazer tudo muito bem. A recusa à análise profana aparece nos seus debates. Estou em crer, que apenas se trata de um abuso do analista e das suas finalidades polémicas, relativamente à resistência médica à análise profana, por motivos pragmáticos. Os Americanos reparam que os analistas profanos no seu país são abusivos e excessivos. Consequentemente, apresentam-se aos seus pacientes como os verdadeiros analistas e cobram muito dinheiro. Ora ai é que é compreensível o desgosto dos analistas clínicos e a distância definida entre eles e os profanos

A resolução dos nossos colegas americanos contra os analistas profanos, ditada apenas por assuntos práticos, ao não poder, por lei, acabar com eles, parece-me sensata. Se não é possível afastar os analistas profanos, é, pelo menos, inapropriado desconhecer a sua existência. O que seria sábio, era reconhecer a possibilidade de uma aprovação no universo dos médicos. Aproximação que visasse colaboração, como no caso da Europa, quer a nível intelectual, quer a nível moral».

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NOTAS.

Note 1: Cette traduction ne prétend à aucune originalité. Elle est motivée par une question de droits. La traduction Gallimard (Janine Altounian, André et Odile Bourguignon, Pierre Cotet, avec la collaboration d'Alain Rausy) (qui n'est pas du domaine public), en effet, semble difficilement améliorable, étant d'une très grande fidélité au texte freudien (les seules infidélités sont motivées par la légitime nécessité d'éviter des redondances ou des formulations que la traduction aurait rendues incorrectes). Les différences de traduction sont insignifiantes, et la traduction Gallimard de la postface doit demeurer la référence. Il eût fallu être infidèle à Freud (dont le texte allemand est d'une grande clarté) pour s'écarter sensiblement de cette traduction. (NdT) (Retour à l'appel de note 1)






Note 2: Cette postface a été publiée à l'issue d'une discussion organisée par la Revue Internationale de Psychanalyse, en été 1927 (13ème année, N° 2 et 3), sur la question de l'analyse profane. (Note du texte allemand) (Retour à l'appel de note 2)






Note 3: La redondance est dans le texte de Freud. (NdT) (Retour à l'appel de note 3)


Note 4: On pense aussi évidemment à Charcot. (NdT) (Retour à l'appel de note 4)






Note 5: L'édition Gallimard ajoute à cette formule la deuxième formule "cure d'âme laïque", à laquelle rien ne correspond dans le texte allemand. Cet ajout se justifie très certainement par une volonté d'atténuer le caractère normatif de l'expression "weltiche Sellsorge". (NdT) (Retour à l'appel de note 5)






Note 6: Personnage de l'écrivain allemand Grimmelshausen (Les aventures de Simplicius Simplicissimus). (NdT) (Retour à l'appel de note 6)






Note 7: Le passage est délicat : "Wo es darauf ankommt, psychologische Tatsachen durch psychologische Hilfsvorstellungen zu erfassen". Ou nous considèrons que "Hilfs" renforce "durch" ("à l'aide de") ou nous considérons que les concepts sont ici des concepts de remplacement (un des sens possi-bles des mots commençant par "Hilfs"), des concepts qui se substituent à des modèles d'inter-pré-tation non psychologiques (voir juste avant la remarque sur l'endocrinologie et le système nerveux autonome). C'est là mon interprétation. (NdT) (Retour à l'appel de note 7)


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Dernière mise à jour de cette page le Mardi 15 octobre 2002 12:03


Par Jean-Marie Tremblay, sociologue.

(Continua)

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