quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Sempre Galiza! - coordenação Pedro Godinho: Síntese do reintegracionismo contemporâneo (3), por Carlos Durão

Síntese do reintegracionismo contemporâneo (3)
(continuação)

A partir dos anos 50

Mas e é preciso aguardarmos aos anos 50 para vermos renascer esta tradição esmagada, desta vez por mão do poeta Ernesto Guerra da Cal, exilado em Nova Iorque, a quem justamente podemos considerar o iniciador do reintegracionismo contemporâneo, com os seus seminais poemários Lua de Além-Mar e Rio de Sonho e Tempo (1959/1963). Guerra da Cal já antes participara “como galego” em reuniões preparatórias a respeito do Acordo ortográfico de 1945, no Rio de Janeiro, como testemunha Rodrigues Lapa: “Pensa ele [Guerra da Cal], e muito bem, que devíamos fazer uma reunião entre portugueses, brasileiros e galegos, para lançar as bases de uma reforma ortográfica” (1958); e também no Congresso Internacional de Estudos Portugueses e Brasileiros, na Bahia, em agosto de 1959; e no I Simpósio Lusobrasileiro sobre a Língua Portuguesa Contemporânea na Universidade de Coimbra em 1967.

Na edição de Galaxia de Lua de Além-Mar, diz o autor (cit. pela ed. definitiva): “Consideramos, pois, iniludível a nossa reintegração no perímetro e nas correntes universais do ‘mundo que o português criou’ aquém e além-mar. O verdadeiro meridiano espiritual da Galiza passa por Lisboa e pelo Rio de Janeiro - e quanto antes reconheçamos esta verdade, antes se abrirão à nossa antiga voz recuperada as possibilidades de ecoar fora dos restritos confins comarcais nos que nos estamos fechando, cegos às vastas perspectivas que temos diante dos olhos”. Curiosamente esta nota do autor, por lapso aparece simplesmente na edição de Galaxia como “Nota”, o que a tornava atribuível aos editores, que ficariam assim como “lusistas” avant la lettre, embora no “Índice” esteja consignada como “Nota do autor”; é importante sinalar isto porque Ramón Piñeiro tinha a certeza, segundo Da Cal, “de que a Censura não deixaria passar uma tão radical declaração de “lusismo”. Mas, para surpresa dele - e minha - a ‘Nota’ e o livro passaram” (p. 44 da ed. da AGAL).

Reitera a sua posição em publicações posteriores: no “Antelóquio indispensável” do seu Futuro imemorial (1985.1986, II: 9-11): “Eu, sem pejo nenhum, afirmo aqui o meu orgulho de ter sido o primeiro escritor galego, desde o Ressurgimento, a levar a vias de facto essa tão repetidamente desejada aproximação da nossa língua escrita ao português [...] Em 1959 fui de facto “iniciador dessa reintegração” no meu poemário Lua de Alén-Mar, com o que abri fogo nessa batalha [...] Esse apelo não caiu em saco roto. Nele teve princípio a corrente “reintegracionista” contemporânea - na que hoje enfileira o melhor e mais capacitado da nossa mocidade. /[...] os que neste momento detêm o poder autonómico - clientes e agentes do Estado Central [...] Esse é o bando da “Xunta de Galicia” [sic], que, de colaboração com algumas entidades “isolacionistas” esclerosadas, engenhou e “oficializou”, de maneira maleficamente subreptícia, umas aberrantes Normas cujo evidente propósito é condenar o galego ao languidescimento como dialecto - do espanhol [...] /eu tenho a convicção de que a única defesa do galego contra a política linguicida dos “espanholizantes” descansa na progressiva adopção do padrão luso-brasileiro que os “reintegracionistas” perfilham”.

Galaxia publicou ainda sem objeção o segundo poemário dacaliano, “onde o lusismo gráfico era mais sistemático e acentuado” (p. 44 ed. AGAL), mas posteriormente a revista Grial publicou o seu artigo “As cantigas de Pero Meogo” (1975, 49: 378-383) com grafia castelhana deturpada (em partes mista e anárquica), e quando Del Riego incluiu na sua Antologia de Poesia Galega poemas dacalianos em grafia “dialectal” (44 AGAL) sem consultar o seu autor, arrefeceu de vez a sua relação com aquela Editora. Em todo o caso, aquela ‘Nota’ “representava uma insurgência doutrinal: [...] A reintegração nesse âmbito cultural” (44 AGAL). “É um facto que a língua irmã contém, no seu nível rústico, quase todo o galego. Há que fazer - e isso é tão fácil! - que o galego contenha, no seu nível culto, o português” (p. 50 ed. AGAL). A sua atitude fica assim resumida: “A Galiza é um país semiconquistado e eu não posso conviver com uma Galiza mediatizada pelo Estado central. Estou aqui numa Galiza livre, onde falo a minha língua, estou rodeado de pessoas que falam a minha língua e só tenho que ouvir de quando em vez um turista falando castelhano. Mas se for à Galiza, tenho que estar a ouvir os galegos a preferirem, muitos deles, serem espanhóis de quarta classe do que galegos de primeira” (1983).

Também de 1959 datam os testemunhos de Valentim Paz-Andrade, quem falava em “reabilitação literária” e em ”língua galaico-portuguesa”.  Com efeito, em Galicia como tarea (1959) diz: “dada la identidad estructural que conservan el portugués y el gallego, recíprocamente inteligibles. Se trata de una lengua con la cual pueden entenderse millones y millones de personas, aunque lo hablen con distinto acento o escriban de forma diferente cierto número de vocablos” (capítulo 2, apartado 3, “Área de expansión exterior”, p. 139); “no puede parecer razonable cualquier tendencia que reduzca el problema a la rehabilitación literaria de una lengua retardada en su forma escrita, haciendo caso omiso, o poco menos, de la evolución que experimentó durante siglos de uso múltiple y pleno, fuera del área de origen” (cap. 13, p. 146). Volta ao tema em O porvir da lingua galega (que inclui o seu artigo “A evolución trans-continental da lingua galaico-portuguesa”) (1968, 8: 101): “¿O galego ha de seguir mantendo unha liña autónoma na sua evolución como idioma, ou ha de pender a mais estreita similaridade co-a lingua falada, e sobre todo escrita, de Portugal e-o Brasil? Os termos da custión non deben ser tomados no senso de que o galego, pra marchar en maior irmandade formal co portugués, teña que deixar de ser o que é.” (p. 131) E mais tarde em La marginación de Galicia (1970): “la identidad con la lengua de Portugal había de arrancar forzosamente de los orígenes./ Ni aún bajo el período de mayor depresión social y cultural de Galicia resultó oscurecida la idea de tal unidad primigenia. Las pocas figuras que descollaron sobre el nivel de su época no dejaron de proclamar ‘que el idioma gallego y el lusitano son uno mismo’” (cap. 8, “La expansión transcontinental del idioma”, p. 101); “La circunstancia de que la evolución morfológica entre la rama gallega y la lusitana no haya sido sincrónica representa menos de lo que parece” (p. 103). Também em Cen chaves de sombra (1979), e em A galecidade na obra de Guimarães Rosa (1978, II: 219-233): “unha lingua que aínda se fala hoxe no grande sertao, como se fala na Galiza” (p. 104).

Para Álvaro Cunqueiro trata-se também da “unificação ortográfica” (1969/1970 ), utilizando a expressão “em pé de igualdade” (jornal El Progreso, Lugo, 1961); e declara: “Tenemos que ponernos en forma para un «parlamento total» de la lengua gallega, para un pie de igualdad con los otros de nuestra misma matriz lingüística, en Portugal y en el Brasil./ Nosotros tenemos que ir, inevitablemente, con los portugueses y los brasileños hacia una unificación ortográfica” (1969). Também em ‘A recuperación literaria do galego’ (1973).

(continua)

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