quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Um vazio intelectual chamado PSD ou Muito barulho por nada

Carlos Loures


Much ado about nothing, é, como se sabe, o título de uma peça do divino Shakespeare. Vi-a há uns bons vinte anos muito bem encenada e representada no Teatro da Cornucópia, dirigido pelo excelente Luís Miguel Cintra. Para o que quero dizer hoje, a história que a peça conta não interessa; aliás nestes últimos dias, talvez influenciado pela realização do Congresso realizado em Viana do Castelo, tenho procurado no teatro a inspiração para as minhas crónicas. Hoje fui buscá-la ao mestre William.

Penso que a cada facto da actualidade deve ser dada a importância que ele realmente tem e para mim (e se fosse só para mim, não valeria a pena escrever este post). Pois o tema que vou abordar é completamente irrelevante. É o tema dos políticos descartáveis, como são agora as fraldas a que o Eça aludia e cuja substituição aconselhava a bem da higiene.

Diz-se (ou melhor há quem garanta) que Passos Coelho será o futuro primeiro-ministro de Portugal. Será ou não será, mas, mesmo que seja, o que irá isso mudar nas nossas vidas? Passos Coelho é um rapaz emproado, muito convencido da própria importância, a quem nunca ouvi uma frase que merecesse a pena reter. Daquela cabeça nunca sairá uma ideia que se aproveite, vaticino eu. Mas, na sua insignificância intelectual, é um dos tais políticos descartáveisque fazem muito jeito a quem, de facto, manda. Quanto mais ideias tivesse, mais empatava o negócio. Essa gente que decide deve estar hesitante entre um Sócrates que já deu boas provas e um outro que demonstra ter aptidão para o cargo. Os eleitores talvez estejam receptivos a mudar, mas há aquela de que em equipa que ganha não se mexe. E Sócrates já provou aos patrões que é um ganhador. Quando decidirem, dão corda aos papagaios da comunicação social e vai disto.
Os eleitores quando forem votar "livremente"´, já estarão devidamente esclarecidos. Porque isto não é uma questão em que entrem as ideias. Os interesses é que interessam. Os deles. Falemos um pouco desse partido que se autodesigna "social-democrata" e de alguns das suas figuras mais mediáticas.

Do Partido Social Democrata, ou do seu antecessor PPD, nunca saiu uma palavra, um conceito, uma ideia. Marcelo Rebelo de Sousa é um comentador arguto, mas previsível. Pacheco Pereira é um homem de cultura, mas que se perde em labirintos que ele próprio constrói. Intelectualmente, Pedro Passos Coelho, fica muito atrás de qualquer deles. Em suma, o PSD é um deserto de ideias. Dirão, e o PS- Perguntarei qual deles? Aquele onde milita Eduardo Lourenço? O de Soares? O de Sócrates? Sobre cada uma destas sensibilidades, tenho uma opinião diferente. Mas o PS foi ontem – hoje estou a falar do PSD.

Sá Carneiro, a figura de proa do partido, o que disse ele de importante? Este discurso de que o vídeo abaixo se refere, é um exemplo de demagogia acabada, palavras de circunstância ditas numa altura em que usar gravata nos transportes públicos dava direito imediato ao apodo de fascista. É apesar de tudo elucidativo sobre o vácuo que já por ali existia - para comunicar tinham de recorrer à linguagem corrente,com frases que tanto podiam vir da esquerda como da direita - nada de próprio, de original. Do CDS e do PPD à extrema-esquerda quem não abrisse uma intervenção com palavras deste género perdia o direito ao uso da palavra. Onde está a genialidade que nos obriga a suportar o nome deste senhor em avenidas e praças de todo o País?

Comícios aparte, citem-me uma frase lapidar (já nem peço um discurso, um livro, porque não gosto de pedir coisas impossíveis). Lugares comuns, frases de sentido banal e de moralidade óbvia na melhor das hipóteses. Um deserto de ideias, repito, o PSD e o pensamento de Sá Carneiro. Nunca percebi a razão do culto. A única explicação reside na sua morte trágica. Hagiograficamente terá valor, mas é pouco em termos de filosofia política.

Por favor, não extraiam desta apreciação negativa elogios aos outros partidos – estou apenas a falar do PSD, não se infira o que não digo. Embora desde já possa dizer o que toda a gente sabe – o PS tem na sua origem algumas bases de filosofia política (o pior é a prática), o PCP também e é mesmo o mais ortodoxo, o BE é a manta de retalhos que tudo cobre – Enver Hodja, Trotsky, Mao, Greenpeace e os touros de morte de Salvaterra; o CDS… O CDS existe fora dos mercados em época eleitoral? Mas estou só a falar do PSD.

Deliberadamente, não me refiro à personalidade do Passos Coelho. Não me interessa. Dará um primeiro-ministro? Claro que sim. Nem bom nem mau, antes pelo contrário – Pedro Sócrates ou José Passos Coelho - mais um para no dia seguinte ao da sua eleição começar a ser atacado por partidos da oposição, sindicatos, professores, médicos, bombeiros voluntários… Os atletas do tiro ao alvo gostam de mudar a fotografia com que exercitam a pontaria. Já aqui tenho por diversas vezes afirmado o desfasamento evidente entre as designações dos partidos, as suas bases programáticas e a sua prática política. Quando eu era pequeno, havia uns brinquedos, creio que da Majora, com rectângulos de madeira – cabeças, troncos e membros que se tinham de colocar no devido lugar para formar as figuras certas. Pois os nossos partidos parecem o resultado desse jogo feito por uma criança estúpida ou maliciosa – a cabeça de um polícia, o tronco de um crocodilo e as pernas de uma bailarina – ou vice versa.

A propósito do pensamento de Alain Touraine sobre o socialismo, falei sobre a discrepância entre a filosofia política do socialismo e a prática política dos partidos europeus que usurparam esse nome. Falando da social-democracia, eu diria que esta (numa definição sintética de enciclopédia) é uma ideologia política de esquerda surgida, como quase todas elas, no século XIX, como eco da grande revolução de 1789 e na sequência do socialismo utópico que afirmava o princípio da igualdade, da fraternidade e da liberdade, mas não encontrara o caminho para atingir tais objectivos.

A social-democracia surgiu da necessidade de encontrar uma transição pacífica da feroz sociedade capitalista da época, com crianças de cinco anos e mulheres grávidas a trabalhar nas fábricas, para uma sociedade socialista, igualitária, fraterna e livre. Era gente marxista, mas que lutava por uma evolução pacífica, democrática e sem traumas, para o socialismo. O berlinense Eduard Bernstein (1850 - 1932) foi o grande pensador revisionista do marxismo e talvez o principal teórico da social-democracia.

Façamos uma pausa e reconheçamos que este desiderato corresponde ao melhor do objectivo fundacional do PS. Mário Soares e companhia eram, pois, teoricamente, pelo menos, social-democratas. A praxis social-democrata diverge da marxista por defender o primado da luta política, sobrepondo-a à igualitarização social e à imposição de reformas económicas bruscas e traumáticas. Uma transição gradual do capitalismo para o socialismo, portanto. Uma espécie de quadratura do ciclo.

O que li na (quanto a mim paupérrima) obra política de Sá Carneiro não foi nada disto, mas sim a defesa de conceitos neo-liberais, a recusa da luta de classes. A recusa da revolução, portanto. Estou a referir-me a Por uma Social-Democracia Portuguesa (1975) que li há mais de 30 anos.

Tudo seria muito bonito, se o capitalismo não fosse um animal feroz, cioso dos seus interesses, ao ponto de destruir cidades com bombas nucleares para os defender. O reformismo gradual preconizado pela social-democracia, o tal socialismo de rosto humano, é uma coisa bonita como o milagre das rosas, mas impraticável. Porém, o que este partido soit disant social-democrático preconiza nem sequer é isso – defende pura e simplesmente o princípio neo-liberal do cada um que se amanhe, nasces pobre, mas amanhã podes ser milionário e por aí fora.

O que acontece ao PSD não me interessa e só o digo por saber que, verdadeiramente, só interessa a quem faz da política carreira profissional. Porque se o PSD ganhar as próximas legislativas nada de importante mudará nas nossas vidas – o novo governo não voltará atrás com nenhuma das medidas erradas que o actual assumiu e acrescentar-lhes-á outras igualmente lesivas dos nossos interesses. O PSD, diga-se, nada tem a ver com a social-democracia. Os social-democratas, os genuínos, queriam atingir o comunismo sem revolução, através de reformas sucessivas que iriam tornando o capitalismo cada vez menos malévolo. Os social-democratas portugueses não querem nada disso – talvez atingir um welfare state democrático, com um mínimo de perturbações sociais (isto para os mais revolucionários).

Muito barulho para nada.

A seguir: A Visita da Velha Senhora


9 comentários:

  1. Nunca votei em Sá Carneiro, pese embora as loas que ainda ontem no lançamento do livro da Maria João Avilez lhe foram tecidas como um político excepcional,por isso estou à vontade.Os seguintes ainda são piores, mas o PS está no podr há 13 anos, se não há alternativa que haja alternância. Pior não pode ser.

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  2. Há quem veja em Sá Carneiro um político de uma coragem política pouco comum, quem arriscou para além do humanamente aconselhável, quem perdeu e voltou sempre nunca abandonando os seus principios , quem arrostou com os preconceitos da sociedade (Snu Abecassis), quem lutou pela sociedade civil contra um Estado que tudo quer e tudo tem. Pedro Lomba, no Publico, ainda ontem o escreveu.Eu, confesso, nunca tive razões na minha vida para seguir a vertigem que o alimentava.

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  3. Só falei do Sá Carneiro enquanto político, registando a ausência de obra que justifique a aura de grande figura que rodeia o seu nome. Os aspectos da vida pessoal, não me interessam; nem os dele, nem os de os outros políticos de que falei.

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  4. Podemos não estar de acordo com ele ou com os métodos, mas Sá Carneiro lutou por uma sociedade menos dependente do Estado, mais liberal, numa altura em que até o CDS dizia que prosseguia uma sociedade em direcção ao socialismo.Claro que tomou decisões absurdas. aquela de nomear como candidato a Presidente um militar de extrema-direita é de "cabo de esquadra".

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  5. Magnífico texto Carlos. Na verdade, Sá Carneiro, como político, figura histórica, pensador, deixou marcas que já desapareceram há muito tempo, tão fraca era a tinta com que as imprimiu. Uma fraude política e histórica, um empolgamento de junta de freguesia que lhe grangeou, circunstancionalmente, ainda hoje não sei como, nomes em ruas, avenidas, aeroportos! Esta última atribuição, aeroporto Francisco Sá Carneiro em vez de aeroporto das Pedras Rubras, bem mais verdadeiro e bonito, faz-me rir amargamente, tal a brutal desproporção entre o significado da atribuição e o valor deste político banal, vulgar,igual a tantos outros banais e vulgares que a época actual nos apresenta. Penso que um dia, quando a história tiver a liberdade de reflectir sobre si pópria, apague estas placas de aviário e de plástico que andaram a pregar nas ruas, praças, avenidas e aeorportos.

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  6. E dar o nome de uma pessoa que morreu num desastre de aviação a um aeroporto não lembra o diabo...sempre que ía ao Porto na Portugália e ouvia que íamos aterrar no aeroporto de Sá Carneiro não achava piada nenhuma.

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  7. Fabuloso e cheio de humor: eu gostava mais com as pernas dum polícia :))Mas agora vou ler o resto.

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  8. Exactamente: vira o disco e toca o mesmo. O início podia ser de qualquer um partido. Onde estão os Anteros para chamarem os bois pelos nomes?

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  9. Deixem-me ser um bocadinho mazinha: alguém se vingou e lhe pendurou a cabeça na ex-Praça do Areeiro.

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