Manuela Degerine
Não, estou a falar de outra coisa, rádio não é o que se ouve no carro, um sushi de 3 T, taças, tempo e trânsito; não é a rádio portuguesa. Em Portugal não consigo encontrar nada melhor do que as Antenas 1 e 2 – duas estações que, por razões distintas, não me satisfazem.
A Antena 1 é a rádio dos engarrafamentos: de manhã e à tarde. Os directores de programas não ouvem rádio, sem dúvida, por isso arrumaram-na no armazém das antiguidades, pensando que os portugueses também não ouvem, excepto quando se encontram presos no trânsito. Parece-lhes que ninguém ouvirá rádio por gosto e ainda menos por vício, mas apenas quando não tenha outra opção ou pior... outra maneira de matar o tempo. Por conseguinte, durante estas horas, as dos engarrafamentos, a rádio dá o melhor que tem e, entremeados com os 3 T, que se repetem, obsessivos, há uma ou outra crónica – que dura dois minutos. Lugares Comuns, às 9, O Senhor Comendador, às 19 horas. Por exemplo. Ou o Portugalex. E um ou outro debate, cortado, evidentemente, pelo estado do trânsito. Ou pela temperatura nas Penhas Douradas. (Não perceberam que os dez milhões portugueses se estão nas tintas para a interrupção da estrada entre Mosteiro e Vila Facaia. Ou para os menos dois graus nos píncaros da Serra da Estrela.) E o debate pode ser sobre futebol (à segunda-feira) ou, mais frequente, ser substituído por um desafio de futebol – claro. Esta rádio é apenas uma maneira de esvaziar as cabeças. É uma lavagem de cérebro. É na verdade uma forma de matar tempo. Fora destes momentos privilegiados de quase nada, a Antena 1 transforma-se em nada ao quadrado e, das dez à uma, das duas às seis, aos domingo e feriados, impõe os 3 T entremeados com música anglo-saxónica: na Antena 1 a cantiga não corre o risco de ser uma arma. Durante estas horas de máxima letargia, de acefalia comatosa, de Alzheimer radiofónico, quem abre e fecha as torneiras dos 3 T e da música é uma ou outra senhora que fica tristinha quando vê passar uma nuvem. As senhoras alternam com uma voz masculina (omitamos o nome), a qual despeja música quase sem comentários, nem sequer sobre o calor, tão bom para quem está de férias; devo-lhe contudo as mais belas pérolas da minha colecção. (Obrigada!) Por exemplo: numa tarde em que lançava uma entrevista (dois minutos) a propósito da edição do texto autobiográfico que inspirou o romance de José Saramago, este senhor terá ouvido ou lido mal, talvez lhe fizessem uma gralha, se calhar, de propósito (deve ser uma tentação para quem o rodeia) – e o título do romance de José Saramago metamorfoseou-se em Levantado do Balcão.
Com uma rádio destas, os portugueses que, ao contrário do que pensam os directores de programas, não são parvos – sim, os portugueses vivos e curiosos e maliciosos, que querem aprender, crescer, rir, informar-se, sonhar, ser estimulados – deixaram, claro, de ouvir rádio. (Não querem matar o tempo; preferem vivê-lo.) E têm razão: esta rádio é uma perda de cérebro. Por isso, quando me irrito com a rádio portuguesa, encontro uma uniforme indiferença; há muitos anos que os meus interlocutores não sabem o que é isto... Mesmo no carro, eles ouvem música.
Resta a Antena 2. Que tem, uma ou outra vez, bons programas. O maior defeito da Antena 2 é que não fala. Ou fala pouco E eu gosto de palavras. Quero uma rádio que fale comigo. Por isso, entre o futebol (Antena 1) e a ópera checa (Antena 2), não escolho: desligo o aparelho. Prefiro pensar em silêncio. Prefiro ler (se for possível). Prefiro ouvir um CD. Ou, na maior parte das vezes, ouvir a rádio France-Culture – ah, sim: graças à Internet. Ou, nos momentos em que, mesmo vivendo em Lisboa, sinto saudades de Portugal, oiço a rádio Amália; a qual, ao menos, transmite música portuguesa.
Ao invés do que pensam os directores de programa, a rádio pode ser ouvida fora dos engarrafamentos. Se tiver uma rádio de qualidade, ligo-a logo que me levanto, oiço rádio enquanto tomo o pequeno almoço, oiço rádio no duche, oiço rádio à hora do almoço, oiço rádio enquanto janto, oiço rádio antes de me deitar... Oiço três horas quotidianas de rádio. E, se tiver uma rádio que me apaixone, me prenda, me cative – oiço ainda mais rádio.
Nos outros países, em França, na Inglaterra, por exemplo, a rádio continua viva, criadora, enriquecedora – e necessária. Fala-se de rádio nos jantares entre amigos. Em Portugal, quando protesto contra a nulidade da rádio, fitam-me com perplexidade. Rádio? Não sei, não oiço. Não admira. No entanto há tanta gente que gostaria de ouvir uma rádio inteligente... Os desempregados. Os que trabalham em casa. Os que sofrem de insónias. Os que ouviriam rádio no emprego, se... Os escritores que fazem uma pausa... E muitos outros. São milhões de perdidos auditores. Ou de auditores insatisfeitos. Ou de auditores descontentes.
Um serviço público?... Eu diria antes: um desmazelo público. E aquilo que menos me agrada na rádio portuguesa é, na verdade, a imagem de mim que parecem ter aqueles que a fazem. Não, obrigada!
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
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Pois é, os serviços públicos que pagamos mas nunca pedimos.Nem ouvimos.
ResponderEliminarActualmente, quanto a rádio, nem pública, nem privada: as excepções são raríssimas...
ResponderEliminarDurante anos fui locutor (e realizador e autor) da Antena 2. Num tempo em que se falava (e os ouvintes percebiam o que se dizia), se anunciavam as obras, com os andamentos, as secções ou os actos, os nomes dos intérpretes. E se falava de literatura, de teatro, de artes plásticas, além da música erudita. E de História (acompanhei as comemorações dos Descobrimentos).
Mas a Manuela, eu e outros já não percebemos nada disto, estamos ultrapassados! Locutores a sério (ou realizadores que apresentam os seus programas, porque têm voz adequada) sobram muito poucos. Qualquer "autor" (com poucas e honrosas excepções) apresenta-se ao microfone com a voz que tem, mesmo que não sirva nem para apregoar castanhas no inverno. As manhãs são ocupadas por um senhor que fala até demais, mas atabalhoadamente - deve estar a comer castanhas.
E essa coisa de se apresentar as obras com uma informação suficientemente completa? Qual quê? "Estudos internacionais" concluíram que o "ouvinte de hoje" (por causa da Net e de tudo ser muito rápido e não sei quê mais) só quer é música; não quer saber de andamentos, nem de intérpretes; e só se o maestro for muito importante é que se diz o nome (porque os maestros importantes já nascem assim...): isto, segundo as informações que o actual responsável da antena me prestou, já há uns anitos. Perante tão abalizadas sabenças, só posso concluir que a Manuela nos está a enganar, isto é (temos de ir pela lógica!), a Inglaterra e a França... não existem! São puras criações suas, idealizadas, com emissões radiofónicas, sarkozys, rainhas isabéis, foiegras, tudo! E nós, ou também somos puros (e surdos) espíritos ou... não somos "ouvintes de hoje"...
Ah! e agora já não há programas, há "formatos"!
A Antena 1 é tal e qual como diz. Produto de uma grandessíssima invenção, chamada "play list" (ideal para emissores de esquina de rua), que é uma espécie de caldeirão informático para onde se atiram os "temas" (em geral, as amostras, com uma ou duas faixas, oferecidas pelas editoras), em quantidades decididas por um "especialista" (uma espécie de druida arranjado à pressa numa tribo pobrezinha), sendo depois remexidas com uma colher de pau igualmente informática, com lerdos gestos, de modo a que umas emergem mais frequentemente à superfície das ondas hertzianas do que outras, por razões que serão do domínio da feitiçaria; sendo que certos autores nunca aparecem, por ignorância do druida, que não sabe distinguir o famoso "visco" da couve-lombarda.
Por mim, já quase não oiço a Antena 2 (só os programas do Luís Caetano) e desconheço a Antena 1. A junção atamancada com a RTP, também não ajudou a RDP, que desapareceu sob o peso "mediático" da prima mais nova.
A única rádio que oiço com alguma regularidade é a "Europa/Lisboa" (antiga "Paris/Lisboa"), ainda uma rádio a sério, entre cujos excelentes profissionais está a minha amiga - e ex-colega da Antena 2 - Manuela Paraíso, um dos melhores profissionais da actualidade, dos poucos que os actuais "gestores" das rádios vão deixando aparecer, formar-se, trabalhar.
De resto, se é só música que me dão, tenho que chegue: por gosto e motivos profissionais, acumulei mais de 3000 CDs (sobretudo de música erudita, mas também das "resistências", ou da genuinamente tradicional, de todo o mundo)...
Vou-os ouvindo, à espera de melhores dias...
Paulo Rato
O que o Paulo Rato conta, mostra-nos, mais uma vez, que o problema é grave. O argumento dos provedores de ouvintes, quando lhes expomos a situação, costuma ser... um serviço para todos. Como se "todos" fosse o menor denominador comum. (Olham esse "todos" da sub-cave!)
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