quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Deus como problema (6)
Adão Cruz
(Continuação)
Vamos descer das planuras estrelíferas, vamos aproximando, aproximando a lupa, e vamos pousar nesta mão-cheia de terra habitada por uns bichinhos chamados homens. Vamos pensar à sua escala no Deus que eles criaram. Como pode esse Deus do amor e da justiça ter algum crédito quando permitiu que se cometessem, em seu nome, crimes e barbaridades como os da Inquisição, requintada de sanguinário espírito, a partir de altas decisões eclesiásticas como a Inconsutilem Tunicam, a bula Ad Extirpanda e mais tarde, o Santo Ofício, tudo, repito, em nome de Deus e para o serviço de Deus? Como pode aceitar-se um Deus que deixa os seus máximos representantes na terra fazerem alianças e concordatas com o nazismo e o fascismo, transformando-se em seus colaboradores e cúmplices, e elevando Hitler, Mussolini e Salazar, à categoria de confrades e profetas? Não é fácil aceitar-se um Deus justo quando não tem a coragem de aconselhar os seus ministros e servidores a pedir perdão pelo mal que fizeram aos povos do mundo inteiro, ao colocarem-se, nos momentos decisivos para a história da humanidade, ao lado dos ricos, dos poderosos e dos opressores. Permitirá um Deus omnividente que a sua imagem esteja a ser conspurcada e substituída, sempre com a cinzenta aceitação da Igreja, pela imagem do deus dinheiro, do deus da riqueza e da exploração implacável, com religião e liturgia próprias, simbolizando o progresso, a virtude e o bem, mas tornando impossível qualquer ponte entre o povo e os mercados financeiros, entre a justiça social e o sucesso do capital? Que raio de Deus autoriza, à cabeça da sua representação, Papas que perverteram o conteúdo humanista do cristianismo e ajudaram a matar a esperança dos povos numa sociedade sem exploradores nem explorados?
Quem pode chamar Pai, Pai poderoso, a um Deus que permite a entrada de milhões de pessoas, seus filhos, nas câmaras de gás, e não desliga a máquina? Deus estava lá…porque Deus está em toda a parte! Deus dissera: deixem vir a mim os pequeninos. Que graça! Só se forem os meninos ricos, porque os pobres, os perseguidos, os marginais, os das barracas, os famintos, os esfarrapados não têm lugar no amplexo divino. Morreram e morrem milhões de crianças às mãos da fome e da violência, e Deus atafulha as mesas dos que não têm fome e carrega as armas dos que vivem atrás das muralhas e nada têm a recear, a não ser a força da justiça! Não poderia o tal Deus ter dado uma mãozinha aos milhões dos sem-terra do Brasil e aos famintos índios de Chiapas, em vez da opressão, ameaças, sequestros e assassínios perpetrados pela burguesia inatingível? Que pensará esse Deus, gostava eu de saber, ao ver milhões de africanos, afegãos, iraquianos e outros escorraçados da vida nas terras crucificadas, morrer ao peso das bombas e nos braços da fome, ouvindo arrotar de indigestão os abutres que os sugam até ao tutano? Sem forças para erguer os olhos, querem lá eles saber do prolongamento da vida para além da morte, querem lá eles saber do céu e do prémio que os espera?! As guerras multiplicam-se como moscas e fazem correr rios de sangue…sempre…sempre ao sabor dos que mais rezam a Deus! Milhares de mortos, despedaçados, estropiados, violentados, enquanto o mandante bate no peito e reza a Deus, e a Igreja o borrifa de água benta. Terá sido Deus a dar a inteligência, a força e a cultura às grandes potências para terem o desplante de classificar o mundo em primeiro, segundo e terceiro, a fim de melhor escalonarem e planificarem a sua voracidade e rapina? Provavelmente foi, porque as grandes potências abarrotam de igrejas.
(Continua).
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Gostava de ter sido eu a escrever este texto. Com a mesma raiva. Não seria bem igual porque já não perderia tempo a questionar existência de Deus. Para mim é evidente que não pode haver um ente superior que permnita tudo o que aqui condenas, Adão. Virar-me-ia, antes, contra toda a mistificação terrena que permite anular e enganar tantos seres humanos em proveito da própria igreja, do seu Estado e dos donos desse Estado. Como, aliás, tens feito. Esse é o grande crime.
ResponderEliminarEstou com a Augusta, o crime é a hierarquia que usa o nome de Deus e a fé das pessoas e a sua ignorância para reinar , pelo medo e pela culpa, como que quem educa os filhos e trabalha toda a vida tenha que ter medo de deus ou da sua consciência.
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