quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Evento da literatura galega - Rosalía de Castro e o Rexurdimento

Rosalia de Castro, retrato por Sofia Gandarias

Carlos Loures

Em qualquer idioma é difícil encontrar um autor que simbolize toda uma língua e toda uma literatura. Do castelhano se diz ser «a língua de Cervantes». Em Portugal, por exemplo, hesitamos na escolha desse ícone – Fernão Lopes, Camões, Pessoa? Tendo sempre presente o autor das Crónicas, textos onde pela primeira vez o português assume uma dimensão literária, usamos com frequência a expressão «língua de Camões», mas não esquecemos que Pessoa afirmou que o nosso idioma era a sua pátria.

Na Galiza esse problema não existe – Rosalía de Castro é, pode dizer-se, o escritor galego por antonomásia. Com Manuel Curros Enríquez (1881-1917), Eduardo Pondal (1835-1917) e outros escritores, fundou o movimento galeguista do Rexurdimento galego.



Com a sua obra, a velha e nobre nação galega (transformada em mera «região» pelo centralismo castelhano, actualmente sob o eufemismo de Comunidade Autónoma da Galiza) reencontrou-se com a sua língua e, através desta, com a sua história secular. Falar de Rosalía e da sua obra, além de falar de um dos maiores escritores da literatura peninsular e europeia do século XIX, é falar da sua pátria. É, com toda a justiça, considerada a fundadora da moderna literatura galega.

Em 1863, por iniciativa do marido, publicou-se a primeira grande obra de Rosalía – Cantares Galegos. Murguía tomou a iniciativa da edição sem conhecimento de sua mulher, que só viu o livro quando este saiu do prelo. Disse Basílio Losada: «Seu marido, Manuel Murguía era um orientador seguro e, sem dúvida, influenciou de maneira decisiva a obra de sua esposa. Sabemos que foi ele que a encorajou a escrever em galego e que, frequentemente, corrigia os seus textos. Ele próprio, Murguía, arquivista e historiador, era por outro lado um respeitável poeta, bom conhecedor da literatura francesa da sua época, atento a todas as novidades». (1)

Como se sabe, a língua galega estava desde o século XV relegada para a condição de idioma rural. Neologismos castelhanos foram sendo tomados de empréstimo e integrados, a fonética castelhana invadira também a pureza do galego genuíno – o vernáculo foi-se perdendo. Pode mesmo dizer-se que a língua, na sua forma escrita, estava extinta. Os Cantares foram pois o sinal mais luminoso do ressurgimento (rexurdimento) da cultura nacional, sendo considerado o primeiro livro escrito em galego. Nele, em muitos dos seus poemas, Rosalía fez a recolha de cantigas populares tradicionais, denunciando a miséria, a pobreza e a emigração forçada a que estavam obrigados os galegos para poderem sobreviver naqueles difíceis anos do século XIX.

Rosalía é, sem sombra de dúvida, a figura cimeira do movimento galeguista. Em Portugal, Antero de Quental e Teófilo Braga não deixaram de saudar com entusiasmo a publicação desta obra. No prólogo de Cantares, com assinalável modéstia, disse Rosalía: «Grande atrevemento é, sin duda, pra un probe inxenio como o que me cadrou en sorte, dar á luz un libro cuyas páxinas debían estar cheias de sol, de armonía e de aquela naturalidade que unida a unha fonda ternura, a un arrulo incesante de palabriñas mimosas e sentidas, forman a maior belleza dos nossos cantos populares».

Em 1880, saiu a colectânea Follas novas, que pode considerar-se, em parte, como uma sequência dos Cantares galegos. Cerca de 40% desta nova obra possui uma evidente afinidade com a linha costumista da anterior. O restante reflecte um espírito poético de conteúdo mais profundo, político e metafísico, embora sempre ligado à melancólica nostalgia e às raízes telúricas que caracterizam toda a sua obra. Para além de um prodigioso talento, a escritora revelou também uma cultura apurada e um conhecimento actualizado da evolução literária. Como disse Basílio Losada, «não é correcta a visão de Rosalía como aldeã inculta que só por um milagre de sensibilidade consegue encontrar algumas fórmulas expressivas renovadoras. Rosalía recebera a cultura média de uma rapariga da burguesia provinciana do seu tempo». (2)

Com Rosalía e o Rexurdimento, uma língua morta, assassinada pelo ânsia centralista, renasceu das cinzas. A Sul o idioma fora preservado, cultivado e espalhado pelo mundo. O movimento, reafirmando a existência de uma língua e de uma literatura que não se deixara assimilar totalmente, deixava a porta do futuro aberta para que o galego e o português se reencontrassem, como duas metades de uma mesma realidade.

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[1] - Basílio Losada Castro, prefácio da Antologia de Rosalía de Castro, Barcelona, 1985, pp.19/20.

[1] - Basílio Losada Castro, op. cit. p. 19

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