Carlos Loures
As sínteses têm a sua utilidade, mas são perigosas. O querer dizer em poucas palavras o que só pode ser dito em muitas, implica o risco de haver más interpretações e, por vezes, obriga depois a explicações suplementares. Gasta-se então o espaço e o tempo inicialmente economizados, Espero que estas notas que, sobre o galego-português e as literaturas que lhe são subjacentes, comecei a publicar, recapitulando o que tenho vindo a dizer em textos anteriores, fiquem minimamente claras. Isto, apesar da compactação a que são sujeitos temas delicados e complexos. Feita a advertência, vamos então a mais uma súmula do que tem sido dito.
Entre os séculos IX e XV, a língua falada nos territórios da antiga província romana da Galécia, posteriormente dividida em condados e depois em duas nações, era uma variante neolatina (ou novilatina) – o galego-português (ou galaico-português). A poesia lírica produzida nesta região era escrita neste idioma que não só era utilizado pelos naturais, como, ultrapassando as suas fronteiras, chegava como língua de cultura a Leão e Castela – as “Cantigas de Santa Maria”, obra do rei Afonso X, o Sábio, foram escritas em galego-português.
No século XII ocorreu a independência de Portugal relativamente à coroa leonesa. Dispenso a referência aos episódios que levaram Afonso Henriques a liderar o vitorioso movimento independentista. Todos os conhecemos. A Galiza gozava também de alguma independência relativamente à gula castelhana que se ia agudizando. Porém, no século XIV, a intervenção galega a favor de Pedro I de Castela contra Henrique Trastâmara, provocou, após a vitória deste último, o exílio de numerosos galegos em Portugal. Posteriormente, ao tomar posição por Joana, a Beltraneja contra Isabel I de Castela, a Galiza viu as suas instituições nacionais desmanteladas e a sua aristocracia novamente perseguida. De perda em perda, assinale-se que em 1601 o país era representado nas Cortes de Castela pela cidade leonesa de Zamora. Em suma - a Galiza deixara de existir. Porém, no século XIX verificou-se um renascer do sentimento patriótico do povo galego. Foi nessa «revolução» político-literária que se inseriu a obra de Rosalía de Castro (que, dada a sua importância, abordarei em nota separada) e de outros insignes escritores – talvez seja mesmo mais correcto afirmar que o galeguismo é um produto do esforço desses intelectuais.
Na realidade, entre o século XV e os anos de Oitocentos, o idioma, nomeadamente a sua fonética, fora sendo invadido por castelhanismos. Foram os chamados «Anos Escuros». Com Rosalía e os seus Cantares Galegos o farol do amor e do orgulho pátrios reacendeu-se – foi o «Rexurdimento», o Renascimento da busca de uma identidade nacional. Após a Guerra Civil, o franquismo vitorioso (embora Franco fosse galego) suprimiu todas as veleidades – a língua do Estado passou a ser o «espanhol» (deixou de se dizer «castelhano». O galego, passou à categoria de dialecto rural. Em democracia, os galegos podem voltar a abordar esta questão, ainda que a política centralista de Madrid, após a morte de Franco em 1975, tenha querido conservar intacta a herança que recebeu do velho bandido fascista, e reprima por todas as formas ao seu dispor o despertar do crescente sentido identitário que se verifica na Catalunha, no País Basco e na Galiza.
Constrangimentos políticos aparte, um problema que se coloca é se português e galego são duas línguas diferentes ou duas formas dialectais da mesma língua? Entre muitos outros, os reputados filólogos portugueses Lindley Cintra e Manuel Rodrigues Lapa, bem como o galego Ricardo Carvalho Calero, são desta última opinião. Na Galiza, as pessoas dividem-se entre «reintegracionistas», que preconizam a reintegração do galego no português-padrão e outra corrente que defende uma via autónoma, ligada à fala popular e distanciada do português de Portugal. Para não falar dos que aceitam como idioma o galego castelhanizado, o “castrapo”, mixórdia linguística que consagra o galego como dialecto da língua castelhana. Há quem pretenda aplicar o Acordo Ortográfico que vai entrar em vigor nos oito países membros da CPLP. Aliás, às reuniões deste organismo internacional têm assistido, com o estatuto de observadoras, delegações galegas. Sobre o reintegracionismo, recomendo a leitura do excelente ensaio de Carlos Durão que, há cerca de três semanas o Estrolabio tem vindo a publicar diariamente,
Não nos compete tomar a decisão que só os Galegos podem e devem assumir. Aos muitos naturais desta nação irmã que pretendem terminar a deriva encetada há oito séculos no seio do idioma galego-português, só nos cumpre abrir os braços e acolhê-los.
domingo, 5 de dezembro de 2010
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Obrigado, Carlos: boa síntese (com ou sem risco!); com efeito, a decisão é nossa; mas agora que está no ar um possível reconhecimento pela CPLP da Galiza como território (por não dizer outra cousa) reintegrado na lusofonia, sim convém que se conheça mais amplamente a nossa situação; e a isso contribui muito bem o Estrolabio!
ResponderEliminarTambém eu agradeço este texto. Toda a informação sobre a Galiza, a Catalunha e o País Basco nunca será, para, demasiada. Outras sim, estas nunca. Oxalá integrem, em breve, a CPLP.
ResponderEliminarSó uma reflexão intuitiva sobre aquilo da independência do condado de Portucale e depois o que se diz sobre o apoio a Joana e etc. A independência de uma parte do Reino da Galiza, chamada Condado de Portucale (=Porto dos Cal-aicos) indica já a divisão (em trevas?) que havia e persiste entre as famílias nobres galegas (incluo nelas a Afonso Henriques, naturalmente).
ResponderEliminarOs galegos sempre estivemos divididos: uns decidiram ir pela sua conta (os que hoje se chamam portugueses) e outros decidiram andar a jogar com os castelhanos (os que hoje se chamam espanhóis e estão em perigo de extinção)
Pelo sucesso das diferentes organizações pode ver-se qual foi a melhor escolha...
Que fazer desde o Norte do Minho? Tudo nos leva ao suicídio, será cousa de procurar uma saída... digo eu...
Penso que o estado espanhol não tem futuro. Não é uma jangada de pedra, mas sim uma jangada de madeira podre e que vai metendo água. Pelas razões que Carvalho Calero tão bem explicou, o processo de independência da Catalunha está muito adiantado e, ou Madrid cede e abre precedentes ou não cede e...adèu Espanya! Não conheço, em termos percentuais, a força do independentismo galego - o processo catalão, que conheço um pouco melhor,parece-me muito adiantado e, não fora o divisionismo semeado por Madrid, não sei se não teríamos mais um Estado na UE. Queria só dizer ainda, Isabel e amigos galegos, que a independência tem custos. Entre 1640 e 1648, tivemos uma guerra em que todos os recursos foram mobilizados, Hoje em dia, continuamos a pagar o preço de ser independentes, com um dos rendimentos per capita mais baixos da Europa. Mas isto não se deve a Madrid, mas a males endémicos, estruturais. Vocês sabem.
ResponderEliminarNão há essa determinação na Galiza precisamente pelo que disse antes: porque estamos, como sempre estivemos, divididos.
ResponderEliminarQuer dizer, há dous tipos mentais de galegos: os que agem com identidade própria e os caboclos.
Na Galiza dos últimos dous séculos sempre governaram os caboclos.