domingo, 12 de dezembro de 2010








Pensamento único: a ameaça do novo dogmatismo


Ignácio Ramonet

Aprisionados. Nas democracias actuais, cada vez mais cidadãos livres se sentem aprisionados, presos por um tipo de doutrina envolvente que, insensivelmente paralisa todos os espíritos rebeldes, inibindo-os, perturbando-os, paralisando-os e acabando por suprimi-los.

Depois da queda do muro de Berlim, a derrocada dos regimes comunistas e a desmoralização do socialismo, a arrogância, a soberba e a insolência deste novo Evangelho atingiu um tal nível que pode-se, sem exagero, qualificar este furor ideológico de moderno dogmatismo.

O que é o pensamento único? Tradução em termos ideológicos com pretensão universal das vantagens de um conjunto de forças económicas, estas, em particular, do capital internacional. Ela foi formulada e definida desde 1944, por ocasião dos acordos de Bretton-Woods. Os seus arautos principais são as grandes instituições económicas e monetárias - Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização de Cooperação do Desenvolvimento Económico, Acordo Geral sobre Tarifas Alfandegárias e Comércio, Comissão Europeia, Banco da França, etc. - que, através dos seus financiamentos, recrutam ao serviço das suas ideias, através de todo o mundo, inúmeros centros de pesquisas, universidades, fundações que, por sua vez, elaboram e divulgam os ensinamentos.

Este discurso anónimo é retomado e reproduzido pelos principais órgãos de informação económica, e nomeadamente pelas "bíblias" dos investidores e dos representantes das bolsas de valores - The Wall Street Journal, Financial Times, The Economist, Far Eastern Economic Review, os Echos, Agência Reuter, etc. -, pertencentes, quase sempre, aos grandes grupos industriais e financeiros. Em todos os lugares, faculdades de ciências económicas, jornalistas, ensaístas, homens políticos, e outros, retomam os novos ensinamentos destas novas tábuas da lei e, por intermédio dos veículos de comunicação de massa, os repetem até a náusea. Sabendo de forma pertinente que, nas nossas sociedades de mídia, a repetição vale pela demonstração.

O primeiro princípio do pensamento único é tão forte que um marxista distraído não o recusaria: o económico prevalece sobre o político. Fundando-se em tal princípio, por exemplo, um instrumento tão importante quanto o Banco da França tornou-se, sem oposição, independente em 1994 e, de alguma maneira, "colocado ao abrigo dos credos políticos". "O Banco da França é independente, apolítico e imparcial" afirma o seu expoente máximo, M. Jean-Claude Trichet, que entretanto acrescenta: "nós pregamos a redução dos déficits públicos" e "nós perseguimos uma estratégia de moeda estável". Como se estes dois objectivos não fossem essencialmente políticos! É em nome do "realismo" e do "pragmatismo" - que M. Alain Minc se expressa da maneira seguinte: "O capitalismo não pode afundar, pois ele é o estado natural da sociedade. A democracia não é o estado natural da sociedade. O mercado sim". A economia é alçada à posição de comando. Uma economia desligada dos obstáculos do social, cujo peso por decorrência seria a causa da recessão e da crise.

Os outros conceitos-chaves do pensamento único são conhecidos: o mercado, ídolo onde "a mão invisível corrige as asperezas e as deseconomias do capitalismo" e particularmente os mercados financeiros, onde "os sinais orientam e determinam, o movimento geral da economia"; a concorrência e a competitividade, que "estimulam e dinamizam as empresas levando-as a uma permanente e benéfica modernização"; o livre-comércio sem barreiras, "factor de desenvolvimento ininterrupto do comércio e das sociedades", também a mundialização da produção manufactureira e os fluxos financeiros; a divisão internacional do trabalho que "modera as reivindicações sindicais e baixam os custos salariais"; a moeda forte, "factor de estabilidade"; a desregulamentação; a privatização; a liberalização, etc. Sempre "menos Estado", uma arbitragem constante a favor dos lucros do capital em detrimento dos custos do trabalho. E uma indiferença no tocante ao custo ecológico.

A repetição constante, em todas as mídias, deste catecismo por quase todos os homens políticos, tanto de direita quanto de esquerda, confere-lhe uma tal força de intimidação que abafa qualquer tentativa de reflexão livre, e dificulta a resistência contra esse novo obscurantismo.

Poder-se-ia quase considerar que os 17,4 milhões de desempregados europeus, o desastre urbano, a precarização geral, a corrupção, as periferias violentas, o desastre ecológico, o retorno dos racismos, os integralismos e os extremismos religiosos, a massa de excluídos são apenas miragens, resultado de delírios, fortemente discordantes do melhor dos mundos que se edifica para nossas consciências anestesiadas, o pensamento único.

(Traduzido por Jaerson Lucas Bezerra - Publicado no original em francês no Le Monde Diplomatique, Janeiro de 1995)

1 comentário:

  1. É por isso que é absolutamente urgente e imperioso lutarmos pela liberdade de expressão na Internet

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