domingo, 26 de dezembro de 2010

Maria Rosa Colaço (1935-2004)*

A Maria Rosa foi-me apresentada pelo escritor Romeu Correia, seu vizinho em Almada. Foi uma amizade instantânea que começou, ainda nos anos 50, numa tarde de Inverno, no primeiro andar do café Avis nos Restauradores. Era uma rapariga bonita, inteligente, bondosa, calma, com a sabedoria alentejana do seu Torrão natal a cintilar-lhe nos olhos.

Sobre a nossa amizade, ela descreve, mencionando-a, o cenário em que decorreu em «O Amor Tem Tantos Nomes» (1998), lembrando aqueles anos cinzentos que a nossa juventude, irreverente e lutadora, conseguia colorir. Alta madrugada, cantávamos debaixo das janelas do Aljube, «Estupidamente, claro, porque os tiranos não se removem com canções nem falsos heroísmos, mas isso eu não, sabia porque aos dezoito anos só sabemos coisas importantes e únicas…», diz Maria Rosa.

Pediu-me que fizesse a apresentação deste livro, o que fiz com prazer em Oeiras, na livraria e galeria municipal Verney. Foi a penúltima vez que estivemos juntos. Falávamos muito pelo telefone. No ano seguinte sofri um acidente de automóvel que me deixou sequelas que se foram arrastando por quatro operações cirúrgicas, um ano quase fora do mundo e os seguintes de lenta recuperação. Pelo telefone, fui relatando a minha situação e segui a doença do marido, a excelente pessoa que o Malaquias de Lemos era, e depois a sua, dizendo que estava maluca quando me afirmava que morreria em breve. Ríamo-nos até às lágrimas quando dávamos conta de que estávamos só a falar de doenças.

Contei-lhe a história do António José Saraiva, quando ao falar com velhos retirava a prótese auditiva e não ouvindo o que o interlocutor dizia, comentava a espaços «Isso é chato…é muito chato». Acertava sempre, dizia ele, pois estavam a falar das maleitas. Ainda ouço as gargalhadas da Maria Rosa. Depois, já eu andava por aí com canadianas, almoçámos uma vez num restaurante italiano junto ao meu escritório, para lhe apresentar o meu editor e avaliar das possibilidades de ele lhe publicar a obra completa. Poucos tempo antes de morrer telefonou-me a despedir-se, como quem parte de viagem. Voltei a chamar-lhe louca, que era coisa que ela não era. Era sim, uma excelente escritora e uma das melhores amigas que jamais tive.


Maria Rosa Colaço, nasceu no Torrão, Alcácer do Sal, em 1935 e faleceu em Lisboa, no Hospital de Santa Maria, em Outubro de 2004. Completou primeiro um curso de enfermagem e depois o de professora do Ensino Primário. Foi do seu contacto com as crianças que nasceu o livro que a tornou muito conhecida - «A Criança e a Vida» (1984), com mais de 40 edições e traduzido em diversos idiomas. Publicou numerosos livros, dos quais refiro apenas «O Espanta Pardais» (1960), a peça de teatro «A Outra Margem», Prémio Revelação de Teatro em 1958. Foi assessora da RTP durante 12 anos e colaboradora regular do diário «A Capital». O presidente da República, Jorge Sampaio, agraciou-a com a Ordem da Liberdade. Colaborou na antologia «Hiroxima» ( que, em1967, organizei com Manuel Simões) com o poema




Serenos e pulverizados continuamos

Aqui tens os teus mitos tu
um dia também terás notícias nossas
os nossos olhos não desistem de furar o asfalto
e crescer como flores proibidas


rastejando entre espingardas e vidros
furamos as paredes e o nevoeiro
rastejamos como vermes
mas nunca à maneira dos desesperados


um dia terás notícias nossas


podes pulverizar-nos
é quase certo que nos pulverizes
podes odiar-nos
é quase certo que nos odeias
podes destruir-nos
é indiscutível que seremos destruídos


mas um dia terás notícias nossas


porque através das paredes e do mar
e do vidro e da dinamite e do ódio
nós continuamos
serenos e pulverizados continuamos.


Esta canção, «A Outra Margem», interpretada pelo Luís Represas e pelos Trovante, tem letra de Maria Rosa Colaço.





* Uma outra versão deste texto foi publicada no blogue Aventar.

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