segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A Sereiazinha (2) por Hans Christian Andersen

(Continuação)


Foi então a vez da quinta irmã. O seu aniversário foi precisamente no Inverno e viu assim o que as outras nunca haviam visto da primeira vez. O mar tomou inteiramente uma cor verde e à volta, flutuavam grandes icebergues, cada um parecia como uma pérola, disse ela. Eram, contudo, muito maiores do que as torres das igrejas que os homens construíam. Mostravam-se nas formas mais estranhas e brilhavam como diamantes. Sentara-se num dos maiores e todos os veleiros se afastaram assustados, para longe de onde se encontrava, com o longo cabelo a esvoaçar ao vento. Mas, lá para a noite, o céu ficou coberto de nuvens, relampejou e trovejou, enquanto o mar enegrecido levantava alto os grandes blocos de gelo, fazendo-os cintilar sob a luz vermelha. Em todos os navios arriaram as velas, havia ansiedade e terror, mas ela continuava sentada calmamente no seu icebergue flutuante, vendo os raios azuis tombarem em ziguezague no mar luzente.

A primeira vez que cada uma das irmãs subiu à superfície das águas, qualquer delas ficou fascinada pelo que de novo e belo havia visto, mas quando, agora, como moças crescidas, já tinham autorização de subir cá acima quando queriam, tornou-se-lhes isso indiferente, ansia¬vam novamente pelo lar e, após decorrido um mês, diziam que lá em baixo em suas casas era, sem dúvida, o mais bonito de tudo e que aí se estava muito bem.

Muitas noites, as cinco irmãs davam os braços e subiam em fila à superfície das águas. Belas vozes tinham elas, mais bonitas do que a de qualquer ser humano e, quando se levanta¬va uma tempestade, de modo a crerem que os navios iam naufragar, nadavam diante destes e cantavam lindas canções de como era bonito o fundo do mar e rogando aos marítimos para não terem medo de virem para aí, mas estes não conseguiam perceber as palavras, pensavam que era a tempestade e além disso, não achavam nenhuma beleza lá no fundo, pois quando o navio se afundava, os homens afogavam-se e só como mortos chegavam ao palácio do rei do mar.

Quando as irmãs, assim à noite, de braço dado, subiam pelo mar, ficava a irmãzinha completamente só a olhar para elas, e era como se chorasse, mas as sereias não têm lágrimas e assim sofrem muito mais.

- Ai! Se já tivesse quinze anos! - disse ela, - Sei bem que virei a gostar do mundo lá em


cima e dos seres humanos que constroem casas e aí vivem!

Por fim, fez quinze anos.

- Estás a ver, agora vamos largar-te da mão! - disse a avó, a velha rainha viúva. - Vem,


deixa-me arranjar-te, como as tuas irmãs! - E pôs-lhe uma coroa de lírios brancos no cabelo mas cada pétala da flor era metade duma pérola. E a velha mandou oito ostras grandes fixarem-se na cauda da princesa para mostrar a sua alta condição.


- Dói tanto! - disse a sereiazinha.

- Sim, algo se tem de sofrer se se quer luxo! - disse a velha.

Oh! Como gostaria de sacudir de si todos aqueles enfeites e largar a coroa pesada. As flores vermelhas do mar ficavam-lhe muito melhor, mas não ousava mudar nada

- Adeus! — disse ela, subindo tão leve e clara como uma bolha de ar através da água.

O sol havia-se posto mesmo naquele momento, quando ergueu a cabeça na superfície das águas, mas todas as nuvens brilhavam ainda como se fossem de rosas e ouro, e no meio do céu vermelho pálido luzia a estrela da tarde, tão clara e bela! O ar estava suave e fresco e o mar completamente calmo. Encontrava-se ali um grande navio com três mastros, só uma vela estava içada, pois nenhum vento se agitava e por toda a parte no cordame e nas vergas estavam sentados marinheiros. Havia música e cantos e conforme a noite se foi tornando mais escura, acenderam-se centenas de lanternas de várias cores. Parecia que todas as bandeiras das nações flutuavam no ar. A sereiazinha nadou até mesmo junto à janela dum camarote e, de cada vez que a água a levantava no ar, podia ver lá dentro pelos vidros claros como espelhos, quantos seres humanos elegantes aí estavam, mas o mais bonito era o jovem príncipe de grandes olhos negros. Não tinha certamente mais de 16 anos, era o dia do seu aniversário natalício e por isso havia toda aquela pompa. Os marinheiros dançavam na coberta e quando o Príncipe apareceu, subiram no ar centenas de foguetes. Luziram como em claro dia, de modo que a sereiazinha ficou muito assustada e mergulhou, mas logo depois pôs a cabeça de fora e era corno se todas as estrelas do céu tombassem sobre ela. Nunca antes havia visto tais artes de fogo. Grandes sóis rodopiavam, lindos peixes de fogo balançavam-se no céu azul e tudo voltava a brilhar reflectido no mar claro e calmo. No próprio navio era tudo tão luminoso que se podia ver a mais pequena corda, para não falar dos seres humanos. Oh! Como era verdadeiramente bonito o jovem prín¬cipe que apertava a mão às pessoas, ria e sorria, enquanto a música soava na noite bela!

Tornou-se tarde, mas a sereiazinha não conseguia tirar os olhos do navio e do lindo prínci¬pe. As lanternas de cores variadas apagaram-se, os foguetes não subiram mais no ar, não soaram também mais tiros de canhão, mas fundo no mar zumbia e zunia. Estava sentada, entretanto, na água e deixava-se balançar para cima e para baixo de modo a poder ver para dentro do camarote. Mas o navio foi tomando maior impulso, uma após outra vela enfunaram, as ondas tornaram-se mais fortes, levantaram-se grandes nuvens, relampejou ao longe. Oh! Ia ficar um tempo terrí¬vel! Por isso, os marinheiros arriavam as velas. O grande navio balouçava em marcha veloz no mar bravo, a água elevava-se como grandes montanhas negras que tentavam derrubar os mas¬tros, mas o navio mergulhava como um cisne, afundando-se entre as ondas altas, ou deixava-se outra vez elevar na água a amontoar-se. Parecia à sereiazinha que era justamente uma viagem divertida, mas não parecia isso aos marinheiros. O navio rangia e estalava, as madeiras grossas dobravam-se com os embates fortes, o mar penetrou no navio, o mastro quebrou-se ao meio, como se fosse uma cana e o navio pendeu para o lado, enquanto a água lhe entrava dentro. Então viu a sereiazinha que estavam em perigo, ela própria teve de tomar atenção com as madeiras e destroços do navio que derivavam na água. Por um momento, fez-se escuro como breu, de tal modo que não podia ver a mínima coisa, mas quando depois relampejou, fez-se novamente tão claro que reconheceu todos no navio. Cada um deixava-se tombar o melhor que podia, procurou ver o jovem príncipe e viu-o, quando o navio se desmantelou, sumindo-se no mar fundo. Logo ficou muito contente, porque assim ia descer para ela, mas depois lembrou-se de que os seres humanos não podem viver na água e que ele não podia, senão morto, descer ao palácio do pai. Não, não devia morrer! Assim, nadou por entre tábuas e pranchas à deriva no mar, esquecen¬do-se simplesmente de que podiam esmagá-la; mergulhou fundo e subiu outra vez, alto entre as ondas, e alcançou por fim o jovem Príncipe que quase não tinha mais forças para nadar no mar tormentoso. Os braços e as pernas começavam a ficar exaustos, os belos olhos fechavam-se. Teria morrido, não fosse a sereiazinha tê-lo alcançado. Segurou-lhe a cabeça por sobre a água e deixou as ondas levá-los, a ele e a ela, para onde quisessem.

(Continua)

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A partir de 3 de Janeiro, neste horário das 14:00, poderemos entrar no Jardim das Delícias pela mão da Augusta Clara de Matos. Foi ela que nos ofereceu os contos de Natal e prossegue a sua selecção com esta maravilhosa história de Hans Christian Andersen.

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