Carlos Loures
No quadro de um projecto institucional de erradicação dos bairros de lata, no período pós-25 de Abril, tive ocasião de contactar núcleos de cabo-verdianos que viviam em bairros da então chamada «cintura industrial de Lisboa» - particularmente na Pedreira dos Húngaros (Algés), nas Marianas (Parede) e no Bairro do Fim do Mundo (Cascais). Fiz muitos amigos e pude constatar, por um lado o apego que aqueles imigrantes mantinham à sua terra e, por outro, a quase total ausência de instrumentos culturais que alimentassem esse amor. Com o escritor Manuel Ferreira, do qual fui amigo desde1964, pois conhecemo-nos durante o II Encontro da Imprensa Cultural, realizado em Cascais, por diversas vezes comentámos essa circunstância que na altura era gritante e que hoje em dia está relativamente superada ou, pelo menos, mitigada.
No decurso de um projecto editorial em que ambos estávamos envolvidos, falámos por diversas vezes em Cabo-Verde e na sua cultura. Foi incentivado por estas trocas de impressões que visitei pela primeira vez o arquipélago e pude confirmar, não só a ideia com que ficara pelo contacto directo com os imigrantes, como também o que Manuel Ferreira me dizia sobre a singularidade das gentes cabo-verdianas e do valor ímpar da sua cultura. Com vista a um trabalho que talvez consiga realizar - uma história concisa da literatura cabo-verdiana, tenho algumas notas tomadas, entre elas a que hoje aqui transcrevo. Eis a primeira.
Durante o período colonial, só no século XX a literatura cabo-verdiana surge com a expressão de uma identidade própria, em ruptura explícita com os modelos europeus até então seguidos, nomeadamente os de matriz portuguesa. Sobretudo com a obra e com a acção de Eugénio Tavares, as temáticas, quer as da poesia, quer as da novelística, passam a relacionar-se com a vivência cabo-verdiana – a insularidade, a seca, a fome e a consequente emigração, para a metrópole ou para outros países. Eugénio de Paula Tavares (Brava, 1867-1930), foi, na realidade, o grande impulsionador da cultura autóctone - a publicação de jornais e revistas por sua iniciativa ou com colaboração sua, foram decisivos na criação de uma consciência cultural cabo-verdiana. Desde o Alvorada, editado nos Estados Unidos entre 1900 e 1917 até ao A Voz de Cabo Verde, publicado na Praia entre 1911 e 1916, houve mais de uma dezena de publicações que editou ou em que colaborou assiduamente. O papel das revistas no despertar da consciência cultural do País, foi enorme. Foi o caso das revistas Claridade (1936-1960) e Certeza (1944). Em 1958 começa a publicar-se o Suplemento Cultural; em 1977 saem o suplemento Sèló e a revista Raízes.
Claridade destaca-se das demais. Os principais autores revelados nesta revista são, entre outros: Jorge Barbosa, António Pedro, Osvaldo Alcântara (Baltasar Lopes da Silva), Manuel Lopes. O cariz neo-realista da Certeza – Guilherme Rocheteau, Tomaz Martins, Nuno Miranda, Arnaldo França, António Nunes, Aguinaldo Fonseca. O papel desempenhado por Claridade no despertar da cultura nacional, transcende em muito as fronteiras da literatura. Pode dizer-se que há um «antes» e um «depois» da Claridade,
O Suplemento Cultural também acrescenta ao acordar da consciência de uma identidade cultural, algo de muito importante – o conceito de nação substituindo o de região ou província ultramarina – Gabriel Mariano, Onésimo Silveira, Ovídio Martins, Terêncio Anahory, Yolanda Morazzo. Não pode ser ignorado o papel da Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, como ponto de encontro de muitos dos futuros intelectuais (e dirigentes políticos) dos PALOPs e, consequentemente, como motor de criação de movimentos independentistas e crisol do despertar de correntes literárias autónomas e libertas da matriz cultural portuguesa. Foram muitos e importantes os intelectuais cabo-verdianos que passaram pela Casa dos Estudantes do Império.
Irei, em pequenas doses, transcrevendo notas sobre este tema que tanto me apaixona, o da literatura cabo-verdiana.
sábado, 15 de maio de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Visitei Cabo Verde uma vez - uma semana de praia em Santa Maria, na ilha do Sal.
ResponderEliminarNum dos dias, apanhei um "aluguer" para ir de propósito a Espargos, sede do concelho e a maior vila do Sal,ao centro cultural com a ideia de ver e comprar literatura cabo-verdiana contemporânea.
Apesar de me ter informado previamente do horário esperei duas horas até que alguém abrisse a porta.
Expliquei ao que vinha e responderam-me que não tinham nada, nem um livro, que esgotavam logo que saíam.
Voltei a Santa Maria de mãos vazias.
Durante a estadia no hotel Morabeza, descortinei o interesse de dois dos empregados pelo que eu lia à beira da piscina e entabulámos conversa quando me viram mudar de livro pela segunda vez.
Confirmaram a escassez de livros disponíveis, muito abaixo do interesse dos cabo-verdianos pelos mesmos.
Ficaram agradecidos e sensibilizados quando, no regresso, lhes deixei em oferta os livros que tinha levado.
Foi há mais de dez anos mas dizem-me que os livros continuam a faltar.
E se pensássemos numa 'operação livros para Cabo Verde'?
A burocracia, Pedro, a burocracia impede muitas vezes que ideias generosas como essa que tiveste vão por diante. E, com todas as suas muitas qualidades, os nossos irmãos caboverdianos herdaram de nós essa pecha. Podemos, por exemplo, entrar em contacto com a Fundação Eugénio Tavares, com cujo presidente tenho excelentes relações, e estudarmos uma forma de concretizar a ideia. Estavas a pensar em ofertas dos editores?
ResponderEliminarE numa selecção que cada um de nós quisesse fazer entre os seus livros.
ResponderEliminar