sábado, 26 de junho de 2010

Caetano José da Silva Souto-Maior, um alentejano na corte de D.João V e uma figura popular de Lisboa - 1

Carlos Luna

Caetano Jozé da Sylva Sotomayor (ortografia antiga), modernamente um quase desconhecido, nasceu muito provavelmente em 1694, filho de Gaspar da Silva Moniz, "Provedor dos Reynos" e de Isabel Teresa
Sotomaior, Dama da Rainha D. Maria Ana da Áustria, esposa de D. João V. Faleceu em 18 de Agosto de 1739.

Note-se que, entre as famílias nobres, e até ao Século XIX, o apelido de pai precedia o de mãe em Portugal, tal como sucede ainda hoje em Espanha. Souto-Maior (usando agora a ortografia moderna ) era conhecido, no seu tempo, por "Camões do Rossio". A sua popularidade no Corte de D. João V, e principalmente em Lisboa, deixou rastos, inclusivamente na Literatura. Inácio Feijó e Almeida Garrett escreveram uma comédia intitulada "O Camões do Rossio", o que dá uma idéia de quão conhecido
era e de que forma era visto como representando toda uma época. O seu nome foi dado ao actual Largo D. João da Câmara, em frente da Estação do Rossio, até que, na década de 1930, um vereador da Câmara de
Lisboa, ignorante, pensando que tal "Camões" se referia ao imortal poeta Luís de Camões, mandou substituir o topónimo, com o argumento de que jà existia em Lisboa uma Praça Luís de Camões. Note-se ainda que
Souto-Maior é visto por Feijó e Garrett só como filho de uma época que para eles, liberais, era símbolo de tirania e mediocridade, e, logo, é considerado uma figura ridícula. Um claro exagero, desculpável no
contexto das paixões do Século XIX.


Souto-Maior, alentejano, nascido em Olivença, era doutorado em Direito Canónico pela Universidade de Coimbra, tendo começado, todavia, por estudar Latim, em Lisboa, com o Padre Manuel de Abrantes.
Em 14 de Abril de 1721, fez exame no Desembargo do Paço e foi nomeado Juíz dos Órfãos do Termo de Lisboa. Foi depois Juíz do Crime do Bairro da Mouraria, e, finalmente, Corregedor do Bairro do Rossio de Lisboa desde 3 de Outubro de 1737. Neste cargo o surpreendeu a morte, na sua casa no mesmo Rossio, em 1739.Os seus ditos, chistosos, granjearam-lhe cedo a fama de poeta excepcional. Daí que, em Lisboa, o tenham apodado "Camões do Rossio".Homem da Corte de D. João V, foi um dos favoritos deste soberana,
entre outras coisas pelo seu versejar fácil e jocoso... o que fazia dele um alentejano bem típico... ou talvez um antecessor do tipo de alentejano moderno, poeta perante a vida.

 Curiosamente, muitos dos seus versos conservam-se...manuscritos ! J. M. da Costa e Silva, no final di século XIX, dedicou-lhe um estudo, onde se pode ler, entre outras coisas, que "avultam entre os seus
poemas os sonetos, que são em geral bem pensados, fortes de expressão, e bem versificados, não tendo que invejar aos melhores dos poetas seus contemporâneos; foi, sem dúvida, um dos mais distintos discípulos da escola gongórica/barroca, e, como tal, mais por culpa do século do que por falta de talento, transpôs às vezes os limites do Bom Gosto."

Não é muito apreciado modernamente o estilo gongórico, considerado demasiado "pesado", pela adjectivação excessiva, pelo exagero das metáforas, pela excessiva preocupação com a forma...esvaziando o conteúdo... e escondendo demasiadas vezes a mediocridade artística de alguns e a genialidade de outros. Todavia, muitos destes ataques e caracterizações a esse estilo provêm de homens das épocas literárias
imediatamente posteriores, os quais, na ânsia de porem em causa os valores que os tinham precedido, muitas vezes não foram imparciais... misturando o trigo com o joio.

Caetano José da Silva Souto-Maior era famoso pelas suas anedotas, ajudadas, digamos assim, pelo seu aspecto físico, pois era muito baixo e gordo, "com um rosto redondo de uma expressão estranha, e ornado de uns óculos de um modelo desproporcionado". Os seus ditos engraçados e os seus versos em forma de epigrama tornaram-se uma delícia para os membros da Corte. Por outro lado, receavam atacá-lo, pois as suas respostas, muitas vezes em verso, nomeadamente em sonetos, podiam ser demolidoras.

O seu aspecto de crítico implacável ressalta de dois poemas típicos que se seguem. No primeiro, satiriza o Monteiro-Mor do Rei, coronel de um regimento, que era muito cruel para com os seus subordinados... talvez para compensar o facto de ser zarolho...

Coronel Satanás, Fernão zarolho,
cruel hárpia das que o abismo encerra,
na empresa de afligires esta terra
de que serve o bastão, se tens esse olho?

Vai-te deitar na granja de remolho
onde o vilão, porque o escorchas, berra;
pois não é para o ilustre ardor da Guerra
"abobra" com feitio de repolho.


Se soubeste juntar com força rara,
sendo em ti o prender genealogia,
de galinha o louvor, de mono a cara,


anda, prende, e ateima na porfia,
pois em Aldegavinha tens a vara
e n`Ásia, em Cananor, a Feitoria.



No outro verso (também soneto ), o "Camões do Rossio" critica um Pregador da Ordem dos Grilos, célebre pelo seu amor à bebida.

Tal sermão, e tão grande, e sem parelha,
do nosso Reverendo Frei Palrilha,
será d`asnos oitava maravilha
por somente constar de muita orelha.


Eu quando o vi com cara tão vermelha,
dizendo as asnidaddes em quadrilha,
sem reparar nos calos de servilha,
julguei tuo fumaças da botelha.


Se o Sermão se pregasse na Pampulha,
de toda a marotice a vil canalha,
metera muito embora o Frade a bulha;


mas eu venho a inferir nesta baralha
uqe o tal frade a todos nos empulha
ou ele certamente come palha.



(Continua)

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