segunda-feira, 28 de junho de 2010

Carlos Drummond de Andrade vem ao Terreiro da Lusofonia

trazendo "O amor natural"



O grande poeta brasileiro (1902-1987) é por demais conhecido e a sua obra (lembremos apenas Sentimento do Mundo ou A Rosa do Povo) faz parte do património das literaturas de língua portuguesa. Há uma dimensão, porém, não muito frequentada pela crítica e que se refere a um volume de poesia, O Amor Natural, até pelo modo, quase clandestino, como foi publicado. Em Agosto de 1985, a um jornalista que lhe pedia notícias sobre o livro, Drummond respondeu-lhe que não tinha intenção de publicar os seus versos eróticos, receando que o leitor os considerasse pornográficos.

Na verdade, o volume já tinha sido publicado em 1981 numa edição reservada de apenas dois exemplares, um dos quais entregue ao escritor argentino Manuel Graña Etcheverry, crítico literário e genro do poeta. O outro exemplar foi submetido à apreciação de outros amigos e estudiosos, que o avaliaram com apreço, mas Drummond continuou a mantê-lo em silêncio.

Só em 1992, cinco anos depois da morte do Autor, é que se publicaram os poemas e logo nesse ano saiu uma edição holandesa e outra portuguesa. Estava desfeito o temor do poeta sobre o modo como os brasileiros teriam recebido o livro (Prémio Jabuti para o melhor livro do ano) e, de resto, é surpreendente que o Drummond irreverente e anticonformista tivesse tido receio de transgredir os códigos culturais dos leitores e as convenções sociais pequeno-burguesas de que ele tantas vezes escarneceu na sua obra.

Nos quarenta poemas da colectânea, todos dedicados ao tema de Eros, o leito parece substituir Itabira (onde nasceu o poeta) para se tornar o lugar onde o amor exerce o seu poder para reconstituir a perdida unidade do Homem.

De O Amor Natural transcreve-se aqui o poema de abertura:

Amor – pois que é palavra essencial


Amor – pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?




Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.


E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.


E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o clímax:
é quando o amor morre de amor, divino.


Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.


Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

(Recolha e texto de abertura de Manuel Simões)

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