Carlos Loures
A crise do livro é uma doença endémica. Quando, há muitos anos, cheguei ao meio editorial a crise do sector era já um dado adquirido. As causas apontadas para a crise são numerosas. Umas crónicas, outras que vão surgindo. Há umas décadas, a persistência de uma larga percentagem de analfabetismo entre a população, o baixo poder de compra e a censura, eram três argumentos recorrentes (todos eles reais). A televisão não se usava ainda como desculpa, pois a oferta desse meio era escassa. As novas tecnologias ainda andavam às voltas com os electrodomésticos; computadores, só nas empresas – grandes como armários. A ameaça do livro electrónico, pura e simplesmente, não existia. Mas, não havia dúvida, o livro estava em crise.
Actualmente, o analfabetismo é residual, o poder de compra não é famoso, mas, sendo verdade que há uma grave crise económica, os concertos de música rock esgotam a lotação de recintos gigantescos e os bilhetes vendem-se com meses de antecedência e com gente a dormir junto das bilheteiras para os conseguir adquirir. Isto para falar só num dos concorrentes da leitura, pois há outros. Um livro, mesmo que não seja dos mais baratos, custa muito menos do que a ida a um desses concertos. Portanto, apesar da crise, trata-se mais de uma questão de opções e de prioridades culturais do que de um constrangimento económico.
Resumindo - não há censura, mas há televisão com múltiplos canais, computadores e Internet, concertos – as pessoas não ficam com tempo para ler, pois não podem perder os seus programas, os sites ou blogues favoritos. Para uma ampla maioria de pessoas, o livro e a leitura não entram na lista dos prazeres; estão na lista dos deveres . Como se vê, não havendo censura, há uma políitica cultural que, fora do contexto escolar ou da formação profissional, induz comportamentos avessos ao consumo de livros. Ou seja, não há uma política cultural.
Por outro lado, quando se anuncia a morte do livro impresso, derrotado pelo livro electrónico esquecemos que dentro do circuito editorial tradicional estão muitas das razões que conduzem à crise, não sendo necessário criar novos inimigos. Por exemplo, a falta de especialização das editoras médias e pequenas, a tentação generalista, a ausência de concentração em linhas editoriais específicas – direito, medicina, culinária, pedagogia, economia, ficção… - a busca de nichos de mercado, que seria a grande solução para as pequenas e micro editoras. Muitos pequenos editores, publicado vinte ou trinta títulos por ano, persistem em abarcar todo o imenso leque do conhecimento. Divertem-se, mas arruínam-se.. Vi algumas pequenas e médias fortunas desaparecerem, devoradas em negócios editoriais.
O pequeno editor não é um predador pronto a saltar sobre a obra do pobre e desprotegido autor. O pequeno editor, no circuito comercial da edição, é um herói. Um herói que, na maior parte dos casos, acaba derrotado. Escritores conhecidos começaram a publicar na chamadas editoras de vão de escada, passando-se, logo que a notoriedade chegou, para grandes grupos editoriais. Só os escritores menos conhecidos publicam as suas obras nessas editoras.
Nesta questão da crise do livro, a verdade objectiva assume contornos estranhos: há, de facto, uma crise. Sempre houve. Porém, nunca se vendeu tanto livro como actualmente. Não me perguntem se a qualidade média das edições subiu ou baixou. Estou só a falar de quantidade. Portanto, há quem ganhe dinheiro com a edição. Crise do livro? – Sem dúvida! Resultante de muitas crises: da crise estrutural do sector, sobretudo de uma deficiente articulação entre os diferentes agentes que intervêm – autores, editores, distribuidores, livreiros. Resultante, sobretudo, da ausência de uma políitica cultural que impede que haja leitores e que se crie uma massa crítica que suporte o funcionamento normal da indústria e comércio do livro.
Voltando atrás: não existe censura, mas a ausência de uma política cultural efectiva corresponde, na prática, a uma eficiente comissão de censura. Se uma pequena parte do potencial mediático utilizado para promover estrelas do futebol, por exemplo, fosse posto ao serviço da cultura, outro galo cantaria.
Voltarei a este tema. O tema de uma crise que não pode ser explicada de forma simplista.
sexta-feira, 4 de junho de 2010
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Caro Carlos,
ResponderEliminarComo é que comenta o facto de haver editores que, independentemente do valor do autor e da sua aceitação garantida junto dos leitores, fazem tiragens de 500 exemplares?
Abraço
José Brandão
O problema está no baixo nível cultural da população. Num grupo de pessoas com quem viajei, a maioria lia os "escrevinhadores" do momento e nenhum conhecia os grandes livros, os autores de sempre.Têm dinheiro para os livros copiados do dan Brown...
ResponderEliminarJosé Brandão, meu caro amigo, relativamente às pequenas editoras,muitas vezes o que está em causa não é nem a qualidade das obras, nem o grau de aceitação do autor junto da crítica e até do público. O que conta é a capacidade operacional da editora, a distribuidora que a serve, a força que esse conjunto, obra, editora, distribuidora, consegue ter junto dos pontos de venda. Como sabe, autores medíocres publicando em grandes grupos editoriais e distribuídos por empresas de grande capacidade logística (quase sempre com operações de marketing bem estudadas), conseguem vender muito, Eu diria que o problema central, o olho do furacão desta crise, é, como diz o Luís Moreira, a ausência de uma política cultural. Culpar editores, livreiros, autores,não adianta, embora todos tenham também alguma responsabilidade.
ResponderEliminarOlá Carlos,
ResponderEliminarA crise do livro!
Como dizes a venda de livros (volume de negócio) tem vindo a aumentar, contrariamente ás publicações periódicas, com maior incidência nos jornais.
Vendem-se portanto mais livros no total mas a razão principal relaciona-se com o facto de passar a haver edições em que por exemplo só de um livro se vendem 300 000 exemplares. Alguns rondam com facilidade os 100 000. Entre os 10 e 20 000 exemplares também passou a haver um nº razoável de edições, com essa quantidade de venda. Estou a falar de escritores e pseudo-escritores portugueses que conseguem estes níveis de venda e até traduções e edições noutros países. Até há uns anos, salvo raras execepções, vender 20 000 exemplares era raro.
Com os escritores estrangeiros traduzidos e editados em Portugal o fenómeno é o mesmo, com a diferença que já antes se vendiam bem.
Há portanto maior volume de negócio o que significa mais livros vendidos mas concentrados em menor quantidade de títulos. Como dizes todos os editores grandes e pequenos continuam a publicar ao mesmo ritmo, o que provoca uma oferta excessiva face á procura, que considero estar prejudicada pela concentração nas edições que beneficiam do nome do autor e da publicidade quer gratuita ou paga que se consegue fazer.
A conjugação dos factores: publicidade, nome do autor, chancela do Editor, distribuidor e livreiro, quando bem organizados em todos os sectores, são a base do sucesso de algumas edições ( as tais que vendem no minimo, mais de 10 000 exemplares).
Claro que não estou a falar de livros de poesia. Aí a venda é e sempre foi menor. Uma tiragem de 500 exemplares é, para uma autor desconhecido, um grande risco que só um pequeno Editor assume.
Acresce ainda o facto de estarmos a falar da venda de livros em Portugal. Apesar de o nível cultural ter vindo a aumentar persiste sempre uma situação que limita a venda de livros há realidade do mercado existente.
Somos 10 milhões de habitantes. Se 10% comprarem livros, estamos a falar de um volume de negócios de 1 milhão de exemplares (quantidade condicionada à variedade de livros vendidos, se tivermos em conta as tais vendas de por exemplo 300 000 exemplares só de um título e depois mais 2 ou 3 com 100 mil e aí já estamos apenas com 500 mil para repartir pelos restantes títulos publicados (de autores nacionais e estrangeiros).
O mercado da edição em língua portuguesa, restringe-se apenas a Portugal.
As edições noutras linguas, com maior relevância para a lingua Inglesa e o Castelhano, têm desde logo um mercado muito mais vasto do que o nosso.
Está desde logo garantida uma venda minima que garante a cobertura dos encargos fixos de qualquer edição.
Quanto ao preço de venda dos livros o mesmo é consequência de toda uma série de custos, com maior incidência nos distribuidores, que por sua vez têm de dar uma parte ao Livreiro.
Para que as pessoas tenham uma ideia só este custo (dependendo dos factores que referi), chega a representar entre 50 a 65% do Preço de venda ao público. Claro que depois, tal como o Carlos diz, o valor do que se compra é sempre relativo, face ao que representa para cada um. Para certas pessoas um carro que custe 100 000 € ou até mais, pode ser considerado um preço aceitável. Essa mesma pessoa pode achar que um livro que custa 20 € é caríssimo.