quarta-feira, 30 de junho de 2010

Manuel Rodrigues Lapa e a Galiza (2)

Carlos Loures

Nos anos que se seguiram, prosseguiu infatigavelmente a sua tarefa de pedagogo, saindo textos seus na Seara Nova, na Revista Portuguesa de Filologia, de Coimbra, na revista Anhembi, de São Paulo, no Diário Carioca, do Rio de Janeiro, nos Cuadernos de Estudios Gallegos, de Santiago de Compostela, na revista Romania, de Paris. Em 8 de Agosto de 1954, foi a São Paulo onde participou no Congresso Internacional de Escritores, na companhia de Adolfo Casais Monteiro e de Miguel Torga. Deu lições na Universidade e conferências na Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais. Regressou a Lisboa e prosseguiu a sua batalha, publicando a comunicação ao congresso de São Paulo – Das origens da poesia lírica medieval portuguesa. Na Anhembi publicou Galiza e Portugal; aspectos da cultura galega.


O ar de Portugal tornava-se irrespirável. A ditadura não lhe dava tréguas (e ele também ia dando bastante trabalho a censores e polícias…). Chegara o momento de partir. Em Maio de 1957 fixou residência no Brasil, em Belo Horizonte. Leccionou Literatura Portuguesa na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais e intensificou a colaboração em jornais e revistas do Brasil, sem deixar de colaborar na «sua» Seara. Em Portugal, Salazar decidiu afastar Craveiro Lopes e as suas veleidades «de esquerda» e promover Américo Tomás. Mas não contou com o furacão Delgado. Nas eleições presidenciais de Junho, Humberto Delgado ganhou nas urnas, mas Tomás foi eleito. O Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, escreveu uma carta aberta ao ditador, defendendo a abertura do regime. Salazar «abriu-lhe» a porta de saída, retirando-lhe a diocese e obrigando-o a exilar-se. Manuel continuou no Brasil, ensinando, publicando, lutando. Em 1960, na revista Grial, de Vigo, saiu uma recensão sua ao livro de Luciana Stegagno Picchio In margine all’edizione di antichi testi portoghesi.

Em Dezembro de 1962 resolveu vir a Lisboa. Preso pela PIDE à chegada, foi solto no mesmo dia. Decidiu ficar em Portugal, apesar de tudo. Em 1964 leccionou um curso na Universidade de Santiago de Compostela e a revista Grial, de Vigo, dedicou-lhe um dos seus números. Entre outras publicações deste destaca-se, no Jornal de Letras e Artes, de Lisboa, o artigo Castelão: um grande artista galego. Em 1965, ano em que voltará ao Brasil, publicou Cantigas d’escarnho e de mal dizer dos Cancioneiros medievais galego-portugueses. (Editorial Galáxia, Vigo). Com uma emocionada dedicatória: «À Galiza de sempre, raiz anterga da nosa cultura, adico afervoadamente iste libro». Em edição do Instituto Nacional do Livro, do Rio de Janeiro, saiu a sua primeira Miscelânea de língua e literatura portuguesa medieval. Em 1967 publicou na Seara um artigo de homenagem a Raul Brandão, no centenário do seu nascimento – O «Balanço à Vida» na obra de Raul Brandão.

Em 1968, a Seara Nova, nos seus números de Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro, homenageou Rodrigues Lapa, que completou 70 anos em Abril, com textos e depoimentos de, entre outros, Orlando Ribeiro, Vitorino Magalhães Godinho, Lindley Cintra, Sophia de Mello Breyner, Ruy Luís Gomes, Mário Sacramento… Em Agosto, Salazar caiu da cadeira sendo substituído por Marcello Caetano. A «primavera marcelista», a promessa de uma liberalização do regime, revelou-se uma falsa esperança – continuou a Guerra Colonial e a repressão política.. Em 1969, Manuel, a convite de Mário Sacramento (entretanto falecido em Março), participou no II Congresso Republicano de Aveiro, presidindo a algumas sessões de trabalho.

Em 1971 participou na organização de uma Semana Cultural Galego-Portuguesa, em Coimbra, proferindo a palestra A Galiza, o Galego e Portugal. Em Fevereiro de 1973, substituiu Augusto Abelaira na direcção da Seara Nova. Ainda em 73, publica A recuperação literária do galego, única colaboração que teria na revista Colóquio-Letras, com uma resposta-comentário do escritor catalão, e seu amigo, Fèlix Cucurull (1919-1996).
 


Em 18 de Abril de 1974 foi ao Brasil, pois ia ser condecorado pelo Governo de Brasília. Foi, pois, no Brasil que soube que no dia 25 o odioso regime, que tanto o perseguiu a ele e a todos os democratas, caíra finalmente. No dia 29, regressou a Portugal. Prosseguiu a sua actividade, publicando textos na Seara Nova e na Vértice, principalmente. Em 1976, no dia 5 de Outubro, foi condecorado pelo Governo português com a comenda de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.

Em 22 de Abril de 1977 completou 80 anos. No mês seguinte, a classe de Letras da Academia das Ciências de Lisboa, sob a presidência do professor Jacinto do Prado Coelho, aprovou um voto de saudação pela passagem do seu octogésimo aniversário. O académico Norberto Lopes recordou a obra «de um dos mais fecundos e brilhantes escritores e investigadores linguísticos, figura cimeira do ensino universitário e combatente valoroso da luta pela liberdade que se travou neste País». Em 1979, publicou Estudos Galego Portugueses: por uma Galiza renovada. Quando a Associação Galega da Língua (AGAL) se constituiu, em 1981, Manuel Rodrigues Lapa foi membro de honra, e figura, com Ricardo Carvalho Calero, Jenaro Marinhas e Ernesto Guerra da Cal, como uma das suas mais ilustres figuras.



Em Junho de 1981, como já disse, foi a Santiago participar no lançamento de um livro de Carvalho Calero. No n.º1 da Revista da Biblioteca Nacional, saiu um texto autobiográfico – Um rapaz curioso na velha Biblioteca Nacional, no qual após tecer diversas considerações sobre as opções que fez na vida, concluiiu em jeito de balanço final: «escolhi sempre a via libertária. Apesar de alguns contratempos e desilusões, posso afirmar que ainda me não arrependi».

Em Julho de 1982, na Universidade de Aveiro, proferiu uma conferência – O problema linguístico da Galiza; sobre cultura e idioma na Galiza. Em 1983, mais homenagens – destacamos a que, realizada na Biblioteca Nacional, foi presidida por Tito de Morais, presidente da Assembleia da República, em nome do chefe de Estado, Ramalho Eanes. De realçar um impressivo discurso da professora Maria de Lurdes Belchior. Numa homenagem do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, sairam dois volumes do Boletim de Filologia, com uma nota introdutória dos professores Lindley Cintra e Maria Elisa Macedo de Oliveira. O volume é composto por 55 textos de 58 autores de diversas nacionalidades. Nos anos seguintes, não pararam nem as homenagens nem a publicação de textos e a reedição de obras de Rodrigues Lapa. Em 27 de Março de 1989, a menos de um mês de completar 92 anos, o nosso Manuel morreu, às onze da noite, no Hospital José Luciano de Castro. Um acidente vascular cerebral foi a causa do óbito.

Termino com palavras do professor Vitorino Magalhães Godinho: «Portugal não quis, ou não soube aproveitar a pleno Rodrigues Lapa. A amargura oprime-nos, ao pensar nos irreparáveis desperdícios de valores autênticos, daqueles que, mais do que quaisquer outros, estavam preparados para trabalhar pela pátria, enriquecendo o seu património pela criação com categoria internacional».
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Nota: para realização deste texto, utilizei várias fontes. A principal foi o trabalho de José Ferraz Diogo Manuel Rodrigues Lapa Fotobiografia (1997)

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