quinta-feira, 24 de junho de 2010
Memoriando
Carlos Loures
No Sábado, 22 de Maio, na livraria Ler Devagar, realizou-se o lançamento do sítio de internet memoriando.net, meio de divulgação do arquivo histórico do PRP-BR (Partido Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias), bem como dos jornais Revolução e Página Um. Acontece que o site é dirigido por dois amigos de longa data – a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes; a Ler Devagar pertence a outro amigo que foi meu colega num curso da Faculdade de Letras, o José Pinho. Tinha ido por diversas vezes ao antigo espaço no Bairro Alto, mas não conhecia ainda a nova livraria situada na LX Factory. Por volta das seis da tarde, lá rumei a Alcântara, e, nas antigas instalações da Gráfica Mirandela, deparei com uma livraria de uma originalidade ímpar. Desse espaço e do José Pinho falarei noutra ocasião. Hoje quero recordar como, há muito tempo, conheci a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes. Portanto, fazendo um exercício de memória – memoriando, numa palavra.
Conheci a Isabel do Carmo durante a campanha eleitoral de 1969, numa reunião da CDE em Torres Novas, no Cine-Teatro Virgínia. Não era tão anarca como sou hoje, mas já me custava aceitar a disciplina partidária. Não estava em nenhum partido e eram visíveis as manobras do PCP para controlar tudo. A Isabel, à época militante do Partido, estava ali, obviamente com a missão de conter entusiasmos esquerdistas. Mas era diferente dos outros infiltrados pecepistas e eu e um outro enviado da Concelhia de Tomar logo o notámos e o comentámos. Apesar de tudo, entrámos em rota de colisão como era inevitável. Encontrámo-nos depois mais algumas vezes, sempre em reuniões clandestinas, claro. Cumprimentos educados – respeitava os militantes do Partido Comunista, mas evitava grandes conversas. Por seu turno, a Isabel não devia estar interessada em falar com maoístas (coisa que eu não era, mas, dizem-me que era o que constava a meu respeito, pois tinha estado na FAP).
Fiquei surpreendido, quando no princípio do Outono de 1973, em Lisboa, recebi um recado da Isabel do Carmo – se podia ir a uma determinada hora ao café Montecarlo. Lá fui, pensando que ia ser uma conversa inútil, pois entrar para o PCP era coisa que em caso algum eu aceitaria. Mas não era do PCP que a Isabel me queria falar, mas sim de um novo partido que fora criado no interior de Portugal, com o apoio a rádio Voz da Liberdade em Argel (que constituiu um importante instrumento de divulgação das acções das Brigadas Revolucionárias). Foi assim que aderi ao PRP a que estive ligado até 1980. Meses depois, no fim de 1973 ou no princípio de 1974, conheci o Carlos Antunes.
A Isabel e o Carlos, foram ambos os meus líderes carismáticos daqueles tempos agitados. Devo tê-los desiludido, pois não fui talhado para a vida partidária, não tenho qualquer ambição políitica e a minha colaboração não deve ter correspondido à expectativa que naquela tarde de Setembro ou Outubro de 1973, no Montecarlo, me pareceu existir a meu respeito.
Mesmo assim, teria sido impossível manter-me sete anos noutra organização. E quando saí, não foi em ruptura com eles, mas sim com a direcção que os substituiu quando estavam presos. Desilusões deles e divergências minhas aparte, sempre os estimei como amigos, mesmo quando discordava deles como dirigentes. A Isabel e o Carlos são pessoas que, generosamente, deram ao ideal do Socialismo tudo o que tinham para dar, inclusivamente a sua segurança, a sua liberdade. Quando vemos os políticos ligados ao poder actual a movimentar milhões, envolvidos em sujos compadrios e obscuras negociatas, não podemos deixar de nos lembrar de pessoas como o Palma Inácio, como o Manuel Serra, como a Isabel do Carmo e o Carlos Antunes.
Encontrei também outros amigos que já não via há muito tempo e outros com que contacto com frequência, como o Rui de Oliveira e o Carlos Leça da Veiga, nossos companheiros aqui no Estrolabio, Conheci o Leça da Veiga também em 1973, numa reunião em casa de um companheiro. Dezenas de pessoas apinhadas numa sala de um apartamento. Calor sufocante. Falava-se da atitude a tomar face às tentativas de manipulação do PCP. A certa altura, do fundo da sala, um senhor com ar britânico, diz muito pausadamente qualquer coisa como «A solução seria sairmos da CDE. Escusávamos de estar a prejudicar o recenseamento eleitoral a esses senhores. Se é para continuar a discutir essas parvoíces, mais vale irmos para a União Nacional. Pelo menos, tem ar condicionado».
Memoriando, pois claro. Podia estar horas a lembrar coisas deste tipo. Mas, por hoje ficamos por aqui.
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E aqui o social-democrata ía às reuniões de olhos vendados...
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