quinta-feira, 24 de junho de 2010

Vicente Lusitano, um oliventino - o maior músico português do século XVI


Carlos Luna

Há já dez anos, Lisboa homenageou, na sua toponímia, um músico português e alentejano renascentista,dando o seu nome à (agora  antiga) Rua Particular à Quinta da Torrinha, na freguesia da Ameixoeira, a norte do Lumiar. Convém recordá-lo, para que se não esqueça que o maior músico nacional do século XVI foi um filho da maior região portuguesa.Falamos de um homem que passou à História com o nome de Vicente Lusitano, um dos poucos músicos portugueses que conquistou audiência musical no estrangeiro, e logo como compositar e teórico afamado no ramo . Foi mesmo professor em Roma, Viterbo, e Pádua.

A primeira referência de vulto a Vicente Lusitano data de Junho de 1551. Nesse ano, durante uma recepção musical em casa do banqueiro florentino Bernardo Acciaioli, em Roma, por causa de uma composição
musical então ouvida (o canto gregoriano da antígona "Regina Coeli"), surgiu um diferendo em torno de qual dos géneros pertenceriam ascomposições musicais do tempo. Com uma opinião, estava Nicola Vicentino (1511-1576), italiano, ao serviço do Cardeal de Ferrara. Com opinião contrária, estava VICENTE LUSITANO, que dizia que o género musical seria o diatónico, e não um sistema misto de três géneros
(diatónico, cromático, e enarmónico).


Realizou-se então um concurso, em que os argumentos dos dois foram ouvidos e avaliados por especialistas, e o vencedor proclamado foi Vicente . Note-se que, em plena época do Concílio de Trento,
dar razão a quem se opunha a um protegido do Cardeal de Ferrara, muito próximo do Papa, foi algo surpreendente. Todavia, Vicente Lusitano era uma pessoa muito influente, ligado também à Cúria Papal, considerado um grande especialista musical, resultantes de quinze anos de aturados estudos.
Vicente Lusitano era considerado um dos maiores teóricos musicais do seu tempo. Entre 1551 e 1555, publicou-se em Roma a sua colecção de motetes "Liber primus epigratum" ( ou "motetta dicuntur"). Em 1555, também em Roma, surgia outra obra sua, "Introdutione facilissima", que seria reeditada em Veneza em 1558, e de novo em 1561.

Em 1561, surpreendentemente, o músico português estava no Würtemberg, na Alemanha, ocupando um ugar importante na Capela da Corte daquele Estado Germânico. Uma carta de 30 de Maio de 1561 dá-nos
as últimas informações de certa credibilidade sobre a sua pessoa: tinha-se convertido ao Protestantismo, casara-se, e não voltaria mais portanto ao Mundo Católico. Terá morrido no Würtemberg, ou quiçá em
Paris, talvez por volta de 1570. Para evitar perseguições, terá evitado dar motivos para que dele se falasse.
Lamentavelmente, a sua música perdeu-se quase inteiramente, exceptuando-se um madrigal, publicado sabe-se lá porquê em 1562 em Veneza, e, segundo a estudiosa Maria Augusta Barbosa, talvez o
"Tratado de Canto e Órgão", um manuscrito encontrado na Biblioteca Nacional de Paris, cuja autoria é incerta, embora haja fortes probabilidades de ser de Vicente Lusitano.

Segundo João de Freitas Branco, os duzentos anos da música renascentista portuguesa estão integrados na época mais esplendorosa de toda a História da Música Portuguesa, ainda que o nosso conhecimento dela apresente várias lacunas. Os vultos mais importantes de então, para além do mais notável (Vicente Lusitano), foram Manuel Mendes, Filipe de Magalhães, Duarte Lobo, Francisco Martins, Manuel
Cardoso, António Carreira, e Manuel Rodrigues Coelho.Curiosamente, um dos grandes centros musicais portugueses de então, referido já como importante em 1543, mas com tradições firmadas anteriores, era Olivença, situação que se prolongou pelo menos até 1630. Ter-se-á desenrolado uma "luta" entre o Clero e os estudantes e a Burguesia de Olivença, que influenciou o ensino da Música na localidade, ignorando-se se essa mesma luta não terá estado na origem da posterior decadência dessa arte ali.A História de Vicente Lusitano, um "pardo" (Mulato, mestiço) nascido em Olivença entre 1520 e 1530, que chegou a ser um músico de dimensão europeia e a andar próximo da Corte Papal, para posteriormente ser atraído pelo Protestantismo e desaparecer da cena histórica, é bem o espelho de uma época de grandezas e misérias, de
pragmatismo étnico e cultural, mas de final dogmático e intolerante, que foi a centúria de quinhentos em Portugal.

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