sábado, 19 de junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 33

Uma História nacional inspiradora mas sempre desprezada


A ignorância da nossa História tem proporcionado erros monumentais aos nossos políticos e a muitos portugueses”, Embaixador Luís Gaspar da Silva.

A conquista duma Democracia do ser, do ter e do saber, deverá constituir o melhor e o maior objectivo a que a organização social humana deve e tem de guindar-se. Embora os benefícios políticos, culturais e sociais proporcionados directa e imediatamente pela Democracia sejam, de facto, o fim mais desejado pela generalidade dos Homens e das Mulheres, à Democracia, por igual, deve pedir-se que aceite esforçar-se, quanto possível, para produzir as reparações mais necessárias, nos estragos inegáveis que, ao longo da História, as prepotências dos mais variados absolutismos conseguiram criar e quantas vezes consagrar inclusive, tal a ignomínia do seu ferrete, terem deixado um rasto negativo susceptível de, muitos anos passados, continuarem a ter presença e força para condicionar o futuro, até no pior sentido.


O 25 de Abril, tenha-se consciência disso, obrou dum modo muito positivo no sentido de corrigir particularidades políticas nacionais que, há demasiado tempo, já não podiam conferir à população portuguesa um qualquer motivo de satisfação, uma qualquer réstia de orgulho e, muito menos, um qualquer prestígio internacional.


A História de Portugal, no decurso dos seus oito séculos, para além de quanto imensamente ímpar, inovador e positivo deve e tem de assacar-se-lhe, a seu par – isso não pode negar-se – produziu estragos insofismáveis que, mau grado os seus imensos inconvenientes e não menores repercussões negativas, apesar de tudo, não bastam e não servem para manchar, como seria injusto, o longo e notabilíssimo percurso histórico deste já velho país onde, curiosidade digna do maior realce – mas nada e nunca invocada – só há, como deve ser, e ao arrepio da generalidade dos casos, uma única Nacionalidade cuja expressão falada, obra sua, num crescendo continuo, prossegue a estender-se e a enriquecer-se por todo o mundo.

A realidade dessa constatação obriga a reconhecer-se a Portugal uma particularidade que, coisa inquestionável, é mais uma singularidade nacional com importância estratégica extrema, porém, salta à vista, muito pouco valorizada.

No conjunto dos factos históricos dos portugueses há muitas realidades dignas do maior destaque que, sem que possa dizer-se terem sido esquecidas, há quem insista em querer fazê-lo. De facto, não figuram, como merecem, nos lugares destacados em que devem estar e, com cuja recordação e bom exemplo, possivelmente, muitos comportamentos cívicos, a viverem-se nos nossos dias, podiam e deviam beneficiar. Porque será que não estão nos lugares que merecem?

Será por quantas dessas realidades históricas terem sido feitas, sobretudo, com o concurso destacado dos mais anónimos?

Será pelo receio duma imbecil conotação reaccionária?

Será por os seus obreiros inquestionáveis não representarem, ou servirem, os interesses dos mais poderosos?

Será porque os poderosos, muitas vezes, estiveram do lado errado?

Será, inclusive, por haver conveniências alienígenas a quem desagrade ver sublinhar-se qualquer contratempo ou revés que, no passado histórico, aqui tenham sentido e sofrido ou será, tão-somente, por causar-lhes desgosto ter de evidenciar-se-lhes um menor protagonismo na História do Mundo, se é que, nalgumas circunstâncias, com genuinidade assegurada, algum dele, com significado universal, possam ter tido?

Será pela infantilidade política de não vislumbrarem nos factos o imediatismo bem condimentado da luta de classes?

Há cerca de dois séculos, para um número sucessivamente crescente e muito significativo de portugueses do escol intelectual do país, começou a intensificar-se a repetição duma queixa que haveria de resultar socialmente muito influente e, por igual, não menos alienante cuja, até hoje, lamente-se, o tempo eternizou. Era a decadência portuguesa que, apontada desde a segunda metade do século XVIII, no mais essencial, por regra, passou a culpar os males com que Portugal tinha de confrontar-se e que, daí em diante, passou a ser a resposta que melhor explicava todos eles. O atraso material do país era – e tem sido – a evidência política considerada como o aspecto nacional mais negativo e, por igual, a circunstância que nunca deixou de receber a critica mais contumaz e mais constante, sempre, que o estado do país era, e é, sujeito a qualquer apreciação critica, face aquele crescimento material visto no exterior, de sobremaneira, no ocidente europeu.

Com efeito, nos últimos quase duzentos anos, os discursos sobre a decadência nacional e, por igual, aqueles outros sobre o desencanto com o viver pátrio, uns e outros, sem muito terem de esforçar-se – um desacerto lamentável – acabaram por conseguir ganhar foros duma explicação bastante e, também, duma desculpa suficiente para responder a quase todos os acontecimentos nacionais considerados menos felizes mas, também, a seu par, para explicar as suas circunstâncias determinantes e consequentes. Se, esse discursar, estivera bem expresso na acuidade, na oportunidade e na utilidade comprovada da prosa dos estrangeirados, anos após, sem um critério bem apurado, com muita ligeireza, passaram a constituir a panóplia absoluta e mais em voga, dos queixumes nacionais.

Infelizmente, para dar-se-lhes uma resposta necessária – irrecusavelmente necessária – insistiu-se, mas mal – exceptue-se o caso feliz do Setembrismo – em pedir, sucessivamente, no Vintismo, no Cartismo, na Regeneração, na Primeira República e na de agora – a Segunda* – uma qualquer acção política, económica, cultural e social desde que sujeita a um rigoroso mimetismo alienígena, no caso, substancialmente, o eurocentrista. O próprio salazarismo, para satisfação da sua sanha antidemocrática, entre o muito mal que fez, imitou, nos limites do possível, as ideias factícias do mussolinismo e, um tanto – tanto quanto conseguiu – algumas daquelas do hitlerianismo.

Na verdade, quem sempre por cá mandou e manda – não sejamos ingénuos – para assegurar-se duma mais fácil perseveração, senão mesmo dilatação, dos interesses da classe social dominante – afinal os mesmos do chamado escol intelectual produtor do discurso nacional decadentista – uns ou outros, com o seu mando abusivo foram quem, entre nós, mais vozeou em prol da salvação nacional desde que – hoje em dia como nunca – à custa da importação de quanto o eurocentrismo tem produzido, tudo sem bem ajuizar sobre quaisquer dos seus inconvenientes, designadamente, aqueles de natureza expansionista, com destaque, para os económicos.

A subserviência, mantida frente aos poderes expansionistas dimanados pela Europa, agora como sempre, só têm servido para protecção social dos possidentes portugueses e, afinal – ao contrário de quanto proposto – tem sido o comportamento político que mais tem favorecido o atraso material e a tal decadência nacional. Não é possível, com sucesso, importarem-se modelos de desenvolvimento para os quais o lastro indelével da História nacional não tenha deixado caminho aberto.

(Continua)

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