quinta-feira, 24 de junho de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

Manuela Degerine

Capítulo XXVIII

Paranóia

Agora não saio de casa sem revistar a mochila, hesito aliás em levar algumas malas e mochilas para a rua; uso sacos sem valor. Deixei de trazer comigo batom, escova do cabelo, canetas, correctores, marcadores... Para não voltar a comprar tudo pela terceira vez. Levo o guarda-chuva na mão, apenas se está a chover.

Escrevo com esferográficas. Lenços, só de papel. Telemóvel, nem sempre. Máquina fotográfica, raramente. Dinheiro, o indispensável. Documentos, em fotocópia. E carrego os cartões Viva com dois euros. Vivo no utilitário e no funcional; reservo a graça, a estética, a fantasia e o descuido para quando voltar a Paris.

Não consigo desembaraçar-me da inquietação. Nem do rancor. Roubaram-me duas vezes o diário. Sinto um arrepio quando me interrogo onde podem andar os textos nos quais comentava o que vivi nos últimos meses: os encontros, as conversas, as surpresas, os projectos, as dúvidas, as manias, as angústias, as descobertas. As moradas e números de telemóvel dos amigos. Diversos códigos. Alguns segredos. Prefiro imaginar que os romenos puseram o caderno no lixo – e ninguém o apanhou. Quanto ao segundo diário, tinha um mês e pouco sigilo, mas foi levado por um lusófono que, sem dúvida, o leu para ficar a saber onde as chaves serviam. Revolto-me quando penso nisto: aquela criatura viu os papéis do hospital, leu no diário a dor, a angústia, a ansiedade, não foi ao menos capaz de pôr os documentos da minha mãe num marco do correio! (Não lhe quero chamar animal, por respeito pelos animais: é uma coisa imunda.)

1 comentário:

  1. Essa gente não tem essas preocupações. Eu dava esmola ao pai romeno de manhã, era roubado à hora do almoço pelo filho. Remédio santo, nunca mais dou dinheiro a ninguem.

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