A título de introdução
Carta a seu irmão Pavel
Eu amo, Pavel, eu amo imensamente; eu não sei se posso ser amado como gostaria de sê-lo, mas não desespero; eu sei pelo menos que se tem muita simpatia por mim; eu devo e quero merecer o amor daquela que amo, amando-a religiosamente, quer dizer, activamente; - ela está submetida à mais terrível e à mais infame escravidão; - e devo libertá-la combatendo seus opressores e acendendo em seu coração o sentimento de sua própria dignidade, suscitando nela o amor e a necessidade da liberdade, os instintos da revolta e da independência, lembrando a ela o sentimento de sua força e de seus direitos. Amar é querer a liberdade, a completa independência do outro, o primeiro acto do verdadeiro amor, é a emancipação completa do objecto que se ama; não se pode verdadeiramente amar senão a um ser perfeitamente livre, independente não somente de todos os outros, mas mesmo e sobretudo daquele pelo qual é amado e que ele próprio ama. Eis minha profissão de fé política, social e religiosa, eis o sentido Intimo, não apenas de minhas acções e de minhas tendências políticas, mas também, quanto eu possa, o de minha existência particular e individual, pois o tempo em que estes dois tipos de acção podiam ser separados já está bem longe de nós; agora o homem quer a liberdade em todas as acepções e aplicações desta palavra, ou então ele não a quer absolutamente. Querer, amando, a dependência daquele a quem se ama, é amar uma coisa e não um ser humano, pois este só se distingue da coisa pela liberdade; e também se o amor implicasse a dependência, ele seria a coisa mais perigosa e a mais infame do mundo porque criaria uma fonte inesgotável de escravidão e de degradação para a humanidade. Tudo que emancipa os homens, tudo que, fazendo-os entrar neles mesmos, suscita o princípio de suas próprias vidas, de uma actividade original e realmente independente, tudo que lhes dá a força de serem eles próprios, – é verdadeiro; todo o resto é falso, libertário, absurdo. Emancipar o homem, eis a única influência legítima e benfeitora. Abaixo todos os dogmas religiosos e filosóficos, eles são mentiras; a verdade não é uma teoria, mas um facto; a vida é a comunidade de homens livres e independentes – é a santa unidade do amor brotando das profundezas misteriosas e infinitas da liberdade individual.
Por favor, não se esqueçam de mim e, se for possível, escrevam-me, mas sendo prudentes e evitando também vos comprometer pelo que quer que seja, escrevam-me pelo menos uma palavra a fim de que eu possa estar seguro de que estais ainda vivos. Meus pobres, vós não podeis saber quão frequente meu coração se aperta em relação a vós e por vós; nossos pais desperdiçaram toda vossa vida; eles vos mataram. O que é feito de meu pai? Eu lamento por ele: ele também era capaz de uma outra existência. Ele ainda está vivo? Eu lhe escreverei em breve uma última carta de adeus, sem o menor objetivo prático ou interessado, mas simplesmente para me despedir dele e lhe dizer algumas palavras de afeição e de adeus. Quanto à minha mãe, eu a amaldiçoo; para ela, em minha alma, não há lugar para outros sentimentos além do ódio e do mais profundo e radical desprezo, não por minha causa, mas pela vossa, a quem ela causou muitos males. Não me trateis por cruel; é tempo de que nós nos libertemos de um sentimentalismo impotente e irreal; é tempo de sermos homens, homens tão fortes e tão constantes no ódio quanto no amor. Sem perdão, mas guerra implacável a meus inimigos, pois esses são os inimigos de tudo o que há de humano em nós, os inimigos de nossa dignidade, de nossa liberdade. Nós por muito tempo amamos, Queremos finalmente odiar.
Sim, a capacidade de odiar é inseparável da capacidade de amar.
Paris, 29 de Março de 1845. A.A. Kornilov, Gody Stranstvij Michaila
Bakunineea, Leningrado etc. 1925, pp. 284- 285.
Ilustrações - Na abertura do texto: primeira página manuscrita das Confissões de Bakunine ao Czar.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
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Aqui vai uma palavra como o Bakunine pedia. Naturalmente a palavra vai encontrá-lo algures por esse infinito universo. Confirma-se o que eu pensava: quem guarda um ódios de estimação até à morte não traz paz ao coração de ninguém.
ResponderEliminarQue o ódio é o mais inútil dos sentimentos já todos perceberam há muito. Mais dificil é perceber que o amor tambem é escravidão. Os dogmas sejam eles quais forem, ideológicos,religiosos,cientificos limitam a liberdade do ser humano.
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