terça-feira, 20 de julho de 2010

Bakunine por Bakunine (Raúl Iturra)

CARTA AOS REDACTORES DO BOLETIM DA FEDERAÇÃO DO JURA


Caros companheiros,

Eu não posso nem devo deixar a vida pública sem vos endereçar uma última palavra de reconhecimento e de simpatia.

Faz quatro anos e meio aproximadamente que nós nos conhecemos, e apesar de todos os artifícios de nossos inimigos comuns e das calúnias infames que lançaram contra mim, conservastes vossa estima, vossa amizade e vossa confiança em mim. Vós não vos deixastes intimidar por esta denominação de “Bakunineeianos” que eles lançaram em vossos rostos, preferindo guardar a aparência de serem homens dependentes, do que a certeza de terdes sido injustos.

Por sinal, sempre tivestes, e em alto grau, a consciência da independência e da perfeita espontaneidade das vossas opiniões, tendências, actos, e a pérfida intenção dos nossos adversários era tão transparente, por outro lado, que não pudestes tratar as suas insinuações caluniosas e ferinas de outra forma, se não com o mais profundo desprezo.

Vós o fizestes, e é precisamente porque tivestes a coragem e a constância de fazê-lo que acabastes de conquistar hoje, contra a intriga ambiciosa dos marxistas, e em proveito da liberdade do proletariado e de todo o futuro da Internacional, uma vitória tão completa.

Fortemente socorridos pelos vossos irmãos de Itália, de Espanha, de França, da Bélgica, da Holanda, da Inglaterra e da América, fizeram retomar a grande Associação Internacional dos Trabalhadores ao caminho, do qual as tentativas ditatoriais do Sr. Marx fracassaram em desviá-la.

Os dois Congressos que acabam de se realizar em Genebra foram uma demonstração triunfante, decisiva, da justiça e, ao mesmo tempo também, da potência da vossa causa.

O vosso Congresso, o da liberdade, reuniu no seu seio os delegados das principais federações da Europa, menos a Alemanha; proclamou em voz alta e estabeleceu amplamente, ou melhor, confirmou a autonomia e a solidariedade fraterna dos trabalhadores de todos os países. O Congresso autoritário ou marxista, composto unicamente de alemães e de operários suíços, que parecem ter aceitado a liberdade em desgosto, esforçou-se em vão para remendar a ditadura arrebentada, e de agora em diante ridicularizada, do Sr. Marx.

Após ter lançado muitas injúrias aqui e ali, para constatar a sua maioria genebrina e alemães, chegaram a um produto híbrido que não é mais a autoridade integral, sonhada pelo Sr. Marx, mas que é ainda menos a liberdade, e separaram-se profundamente desencorajados e descontentes com eles próprios e com os outros. Esse Congresso foi um enterro.

Assim, a vossa vitória, a vitória da liberdade e da Internacional contra a intriga autoritária, está completa. Ontem, quando podia parecer ainda incerta, – ainda que, no que me concerne, jamais duvidei disso, – ontem, digo, não era permitido a ninguém abandonar as suas fileiras. Mas, hoje, quando esta vitória se tornou um facto realizado, a liberdade de agir segundo as suas conveniências pessoais voltou a cada um.

12 De Outubro de 1873.



Tomo vantagem desta carta, caros companheiros, para vos pedir a gentileza de aceitar a minha demissão como membro da Federação Jurássica e membro da Internacional. Possuo muitas razões para assim agir. Não acrediteis que seja principalmente por causa dos desgostos pessoais dos quais eu estive saturado nesses últimos anos. Não digo que eu lhes seja absolutamente insensível; todavia, eu sentiria ainda bastante força para resistir, se pensasse que a minha participação posterior no vosso trabalho, nas vossas lutas pudesse ter alguma utilidade no triunfo da causa do proletariado. Mas não acredito nisso.

Por nascimento e pela minha posição pessoal, e não por minhas simpatias e tendências, nada mais sou do que um burguês e, como tal, não saberiam fazer outra coisa entre vós senão propaganda teórica. Bem, tenho esta convicção de que o tempo dos grandes discursos teóricos, impressos ou falados, passou. Nos últimos nove anos desenvolveram-se no seio da Internacional mais ideias do que era preciso para salvar o mundo, se apenas as ideias pudessem salvá-lo, e desafio quem quer que seja a inventar uma nova.

O tempo não está mais para ideias, e sim para factos e para actos. O que mais importa, hoje, é a organização das forças do proletariado. Mas esta organização deve ser obra do próprio proletariado. Se eu fosse jovem, transportar-me-ia para um meio operário, e, compartilhando a vida laboriosa dos meus irmãos, participaria igualmente com eles no grande trabalho dessa organização necessária.

Mas a minha idade e a minha saúde não me permitem fazê-lo. Elas pedem-me, ao contrário, a solidão e o repouso. Cada esforço, uma viagem a mais ou a menos, torna-se um caso muito sério para mim. Moralmente sinto-me ainda bastante forte, mas fisicamente canso-me rapidamente, não sinto mais as forças necessárias à luta. Eu não poderia ser, no campo do proletariado, mais do que um estorvo, não uma ajuda.

Como vedes, caros companheiros, tudo me obriga a pedir a demissão. Vivendo longe de vós e longe de todo o mundo, que utilidade eu poderia ter para a Internacional em geral e para a Federação do Jura em particular? Vossa grande e bela Associação, de agora em diante totalmente militante e prática, não deve sofrer com sinecuras nem posições honorárias no seu seio.

Retiro-me, então, caros companheiros, pleno de reconhecimento por vós e de simpatia pela vossa grande e santa causa, – a causa da humanidade. Acompanharei com uma ansiedade fraterna todos os vossos passos, e saudarei com alegria os vossos novos triunfos.

Estarei convosco até à morte.

Mas antes de nos separarmos, permiti que eu vos dê um último conselho fraterno. Meus amigos, a reacção internacional, cujo centro hoje não está nesta pobre França, burlescamente dedicada ao Sacré-Coeur, mas sim na Alemanha, em Berlim, e que é representada tanto pelo socialismo do Sr. Marx quanto pela diplomacia do Sr.Bismarck; esta reacção que propõe como objectivo final do pangermanismo da Europa, ameaça tudo engolir e tudo perverter neste momento. Declarou guerra mortal à Internacional, representada hoje unicamente pelas Federações autónomas e livres. Como os proletários de todos os outros países, mesmo que fazendo parte de uma república ainda livre, sois forçados a combatê-la, pois ela interpôs-se entre vós e o vosso objectivo final, a emancipação do proletariado do mundo inteiro.

As lutas que tereis que sustentar serão terríveis. Mas não vos deixais desencorajar, e sabei que, apesar da imensa força material dos vossos adversários, o triunfo final vos estará assegurado, se observardes fielmente estas duas condições:



1ª Mantende-vos firmes no vosso princípio da grande e ampla liberdade popular, sem a qual a igualdade e a solidariedade, elas próprias, nada mais seriam do que mentiras.



2ª Organizai cada vez mais a solidariedade internacional, prática, militante, dos trabalhadores de todas as profissões e de todos os países, e lembrai que, infinitamente fracos como indivíduos, como localidades ou como países isolados, encontrareis uma força imensa, irresistível, nesta universal colectividade.

Adeus.

Vosso irmão,

Mikhail Bakunine

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