domingo, 4 de julho de 2010

Bakunine por Bakunine (Raúl Iturra)

Carta a Mathilde Reichel

Se eu mereci a condenação à morte? De acordo com as leis, pelo que eu pude compreender da explicação do meu advogado, sim. Segundo a minha consciência, não. As leis raramente estão de acordo com a história e permanecem quase sempre atrás dela. Eis porque há agitações sobre a terra e sempre haverá. Eu agi segundo a minha melhor convicção e nada busquei para mim mesmo. Fracassei como tantos outros, e alguns melhores, antes de mim, mas o que quis não pode perecer, não porque eu o quis, mas porque aquilo que eu quis é necessário, inevitável. Cedo ou tarde, com maior ou menor sacrifício, isso virá, no sentido de seu direito, de sua realização. Este é o meu consolo, a minha força e a minha fé. Querida amiga, você sonha com um reino dos céus sobre a terra, você crê que a palavra é suficiente para converter o mundo, para conduzir os homens rumo a uma maior humanidade e liberdade. Mas apenas abra os anais da história verá que o menor progresso da humanidade, cada novo fruto vivo cresceu num solo abundantemente regado de sangue humano, e assim podemos esperar que o nosso também não será inteiramente perdido. O próprio Cristo, – ao qual não tenho a intenção de nos comparar – foi condenado à morte como criminoso de Estado pelas leis judaicas. Mas ele não derramou sangue, você dirá. Sim, outros tempos, outros costumes. Para entender esta questão na sua plena verdade, você deve, querida amiga, situar-se num ponto de vista mais elevado.


A história é uma tragédia, uma luta contínua, magnífica, do Velho e do Novo. O Velho tem razão porque ele subsiste; o Novo, porque ele próprio é o princípio interior de vida e de destruição deste Velho, a fonte criadora do futuro. Não se esqueça nunca que houve um tempo em que o Velho pareceu igualmente novo e, por isso, ilegal. Agora ele se tornou sólido, acomodou-se, quer dizer, tomou-se a sua própria lei, e ele combate o “novo Novo”, assim como ele foi combatido pelo “Velho” de outrora. Nesta luta, é tanto o Novo que triunfa, e a isso se chama Revolução, quanto o Velho, e dá-se o nome de Reacção e castigo legal. Os dois partidos têm razão, segundo o seu ponto de vista: tanto o que julga quanto aquele que é julgado. O primeiro, porque tem as leis com ele, o outro, porque age de acordo com suas convicções.

Eu sei, você odeia as tempestades; com razão. Aí está a questão. As tempestades no mundo moral são tão necessárias quanto na natureza: elas purificam, rejuvenescem a atmosfera espiritual, elas desenvolvem as forças sonolentas, elas destroem o destrutível e dão ao eterno vivo um brilho novo, que não se pode apagar. Na tempestade, respira-se mais facilmente; é apenas no combate que se aprende o que um homem pode, o que ele deve, e, na verdade, uma tempestade semelhante era uma necessidade do mundo actual, que estava bem perto de sufocar com o seu ar empestado. Mas a tempestade está longe de ter passado; eu acredito, estou firmemente convencido de que aquilo que nós vivemos (1848-49) foi apenas um fraco começo do que ainda virá e durará muito tempo. A cura nos será tanto mais difícil quanto mais perigosa tiver sido a doença, e a doença é incomensurável. Observe à sua volta e veja como este mundo, que se diz civilizado, está desvairado e impotente e não sabe o que fazer; para onde fugir. Ele parou na sua marcha, não pode ir mais longe pois foi abandonado por todos os elementos que levam à vida e ao progresso. Ele não acredita em mais nada, nem nele próprio, nem no futuro. Sua hora soou, sua vida actual nada mais é senão um último combate mortal; mas não tema, querida amiga, um mundo mais jovem e mais belo o seguirá; lamento apenas uma coisa, eu não o verei, e você também não, pois a luta, como eu o disse, durará ainda muito tempo e sobreviverá a nós dois.

Kõnigstein. 16 de Fevereiro de 1850. Le Réveil, Genève, 3 de Julho de 1926.

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Ilustração - Em cima, Litografia de Bakunin em 1849

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